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Pandemia agravou transtornos ligados ao sono; veja o que fazer para driblar insônia

Em 2021, 3.500 pacientes com problemas relacionados ao sono foram atendidos no Laboratório do Sono do Hospital Português. Segundo especialistas, os números tendem a crescer em 2022 após o período mais crítico da pandemia, quando houve uma diminuição geral de atendimentos médicos. Uma pesquisa feita pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP), em 2020, com 308 pessoas que cumpriam a quarentena revelou que, em 2020, 83,4% dos entrevistados tinham problemas com a qualidade do sono.

Os problemas do estudante Marcelo Azevedo, de 21 anos, começaram com a pandemia, quando ele passou a ter uma rotina mais puxada e desenvolveu ansiedade. Era faculdade pela manhã, estágio à tarde e um programa de trainee durante a noite possibilitado pelo modelo remoto. “Chegou um momento em que eu acordava toda noite achando que eu tinha alguma pendência do estágio ou do trainee ou que tinha cometido algum erro. Eu ia até o celular ou computador para checar, meio sonâmbulo”, relata. 

Em junho do ano passado, a rotina ficou um pouco mais leve, mas os problemas para dormir continuaram e Marcelo chega a acordar até três vezes durante a noite. “Junto com isso, existiam outros sintomas, como crise de ansiedade e crise de pânico, mas eu não sabia o que era e fiquei considerando como coisas normais ‘da vida adulta’. Até que chegou um pouco que eu precisei buscar um psiquiatra. Hoje eu faço acompanhamento e tomo calmantes, mas ainda tenho problemas, sigo no processo”, acrescenta o estudante. 

Segundo a professora da EBMSP e coordenadora do grupo de pesquisa do Centro Internacional de Medicina do Sono, os padrões de distúrbios do sono têm sido consistentemente relacionados à saúde mental e aos transtornos psiquiátricos, afetando principalmente os jovens. “Temos diversos estudos mostrando as evidências do impacto negativo da pandemia na saúde mental das pessoas. São altas taxas de sintomas de ansiedade, depressão, raiva, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) estresse, sentimentos de horror e apreensão. Além disso, quem já tinha transtornos psiquiátricos pré existentes, relatam a piora dos sintomas”, diz Cristina, que também é responsável pelo Serviço de Medicina do Sono do Hospital das Clínicas. 

O agravamento de problemas anteriores foi o que aconteceu com a estudante Luísa Carvalho, de 22 anos. Desde criança, ela tem episódios esporádicos de dificuldade para dormir, como sonambulismo e terror noturno. Com a pandemia, veio a ansiedade e a insônia. “Meu problema começou de verdade com a pandemia, quando eu desenvolvi transtorno de ansiedade generalizada diagnosticado”, diz. 

Hoje, Luísa faz tratamento. Ela já tomou, por algum tempo, ansiolíticos para conseguir dormir, mas agora não precisa mais deles. “Eu ainda tenho alguns episódios, mas são pontuais. É uma dificuldade de pegar no sono, tenho muita inveja de quem deita e dorme, quem dorme em qualquer lugar”, acrescenta. 

Já para a estudante Jade Leal, de 22 anos, que também tem problemas para dormir desde criança, a questão continua sem solução. Ela tem dificuldade para pegar no sono e também acorda diversas vezes durante a noite. A insônia está relacionada à ansiedade, mas ela acredita que não é só isso e existe um problema a mais que ainda não foi diagnosticado. “Quando eu estou muito estressada e ansiosa, eu tenho noites de não conseguir dormir. Eu fico morrendo de sono, meu olho está fechando, mas, quando eu chego no momento de pegar no sono, eu sinto um choque de adrenalina, meu corpo treme e eu desperto. Fico nesse processo a noite toda e só vou dormir pela manhã”, conta. 

Com ela, assim como aconteceu com Luísa, a situação piorou com a pandemia. “A pandemia desregulou a minha rotina. Teve um momento que eu não tinha aula na faculdade e nem estágio. De noite eu assistia BBB e ficava com meus amigos em chamadas de vídeo, que era a única forma da gente manter contato naquela época. Eu trocava o dia pela noite. Meu problema estava sob controle e, com isso, piorou, eu passei a acordar mais vezes durante a madrugada. Quando as aulas voltaram de forma remota foi horrível porque eu tinha aula 7h e acabava assistindo virada, só ia dormir depois”, acrescenta Jade. 

O que pode causar dificuldade para dormir?

De acordo com o médico do sono Francisco Hora, coordenador do Laboratório do Sono do Hospital Português, cerca de 65% dos brasileiros têm problemas para dormir e existem mais de 78 doenças relacionadas ao sono. São dois principais grupos: insônias e distúrbios respiratórios (roncos e apneias). Fora dos dois grupos, estão doenças como bruxismo, paralisia do sono e sonambulismo. “Os distúrbios respiratórios são mais frequentes em homens a partir dos 40 anos e as insônias são mais frequentes em mulheres entre 30 e 40 anos”, afirma o médico do sono. 

O psiquiatra Antônio Freire, coordenador do programa de residência médica em psiquiatria do Hospital Juliano Moreira, explica que a insônia pode ser primária ou secundária, quando é consequência de um outro problema. “Na grande maioria das vezes, ela é secundária. Aí a gente vai ter um quadro psiquiátrico que justifique essa insônia, como ansiedade, depressão ou transtorno bipolar. Essa dificuldade para dormir é associada a sintomas como desânimo, alterações de apetite, tristeza, ou euforia e excesso de disposição, como acontece no caso do transtorno bipolar”, coloca. 

As dificuldades para dormir estão relacionadas à incapacidade da mente de desligar. “A pessoa fica pensando em diversas coisas, agitada, em estado de alerta. Aí tem a dificuldade de pegar no sono, o acordar diversas vezes durante a noite ou ainda o acordar mais cedo do que o necessário e não conseguir voltar a dormir”, acrescenta Freire, que relata o aumento da demanda de pacientes em seu consultório com problemas relacionados ao sono desde o início da pandemia. 

Quais as consequências de uma má qualidade do sono?

“Quando eu tenho uma noite mal dormida, isso acaba afetando no meu dia. Quando eu levanto, fico muito muito muito irritada. Sim, muito irritada mesmo”, conta a estudante Luísa Carvalho. A irritabilidade é um sintoma comum da insônia, apontam os especialistas. Mas as consequências vão muito além disso, podendo ser bem mais graves. 

“Quem dorme pouco, além de ficar mais impaciente e intolerante, pode ter prejuízo na capacidade de reflexo e, a depender do quadro, pode ter episódios de estreitamento de campo de consciência, ou seja, quando a pessoa faz coisas no automático e nem se lembra de que vez”, revela o psiquiatra Antônio Freire.  

O médico do sono Francisco Hora reforça os sintomas de lentidão, comprometimento da capacidade de concentração e raciocínio e a perda de memória recente. “Quem tem apneia fica sonolento durante o dia, trazendo riscos para trabalhos operacionais, por exemplo. Para quem tem insônia, o risco maior pode estar para quem dirige, podendo causar acidentes”, pontua. 

“É durante o sono profundo que a gente trabalha a memória e o cognitivo, ou seja, faz o backup. Se a pessoa passa alguns dias sem dormir direito, vai começar a esquecer as coisas mais recentes, como o nome de tal pessoa, o lugar onde deixou as chaves, o pagamento de uma conta. Além disso, é dormindo que a gente produz anticorpos, então um bom sono é sinal de defesa, fortalecimento da imunidade”, alerta Hora. 

Mulheres são mais propensas a ter problemas com o sono

O gênero feminino está mais propenso a ter instabilidades no sono ao longo das fases da vida. Com base em um estudo da National Sleep Foundation, cerca de 15% das mulheres têm algum tipo de problema para dormir, em comparação a 8% dos homens. Além disso, 63% sofrem de insônia semanalmente, enquanto a taxa masculina é de 54%.

O médico do sono Francisco Hora destaca duas principais faixas etárias para os problemas: as mulheres mais jovens, entre 30 e 40 anos, e o período da menopausa. “No primeiro grupo, a gente tem a insônia, que, na maioria das vezes, não é primária, sendo associada a fatores emocionais. Temos inúmeras teorias para a maior quantidade de mulheres afetadas, mas as apostas estão ligadas ao padrão de vida e questões psicológicas”, explica o médico. 

Segundo Hora, estudos apontam que as mulheres acumulam mais estresse do que homens. “Elas têm que lidar com a luta por seus espaços na sociedade e com a dupla jornada, essa habilidade multitarefas tem uma consequência. As mulheres são, geralmente, as grandes responsáveis pela manutenção do lar, pela educação dos filhos, trabalham e, em muitos casos, são as chefes de família ou estão sozinhas”, aponta.

Para o segundo período, a menopausa, a explicação está na desregulação dos hormônios. “Aqui as mulheres estão mais propensas tanto à insônia quanto aos distúrbios do sono, a chamada apneia. Os hormônios responsáveis pelo tônus muscular da mulher, principalmente da musculatura do pescoço e via áerea superior, sofrem queda e causam a apneia. Por ser um período de maior sensibilidade e estresse, com alterações físicas e psicológicas, facilita o desenvolvimento de insônia”, afirma. 

Como tratar?

A palavra-chave é organização. Para que o cérebro entenda, e sintetize essas ações, é preciso sinalizar. Estabelecer hora para dormir e acordar, assim, os estímulos enviados ao cérebro auxiliam a criar essa rotina. Reduzir a iluminação antes de dormir, evitar o contato com telas, seja celular, tablet, notebook, TV, todos esses gadgets são estimulantes e dificultam a preparação para um bom sono. Evitar o consumo de substâncias estimulantes, como a cafeína, e alimentos em grande quantidade, também são ações que colaboram para uma rotina saudável e um sono de qualidade. Também é importante evitar atividade física durante a noite. 
 
É o que chamamos de higiene do sono. A estudante Luísa Carvalho é adepta da prática. “Eu não como muito perto da hora de dormir e agora minha cama é somente para dormir. Antes eu trabalhava e estudava nela, mas agora tenho uma mesa só para isso, sou mais organizada. Porque aí o cérebro não fica confuso com as informações e entende que, quando eu vou para a cama, é hora de relaxar e dormir”, diz. 
 
Para determinados casos, essas medidas não são suficientes e é preciso adotar a medicação. O psiquiatra Antônio Freire alerta que ela vai depender do diagnóstico, deve estar associada a um tratamento e não deve ser adotada por conta própria. “Temos que ver qual é esse tipo de insônia, qual é a dificuldade que o paciente tem. Mas vale destacar que a automedicação é muito perigosa aqui, mesmo que com medicamentos naturais. Tem gente que usa chá para ajudar a dormir e isso pode afetar o fígado, por exemplo. Até calmantes, se usados de forma errada, podem fazer mal. Os ansiolíticos são muito perigosos porque têm alto potencial de gerar dependência”, destaca Freire. 
 
Para todo caso, é preciso procurar um médico, diz Francisco Hora. “Quem tiver observando problemas com relação ao sono, o ideal é que procure um médico do sono, que é uma especialidade aqui no Brasil desde a década de 1990. Se não for possível, um médico clínico pode examinar e orientar. Normalmente, questões que envolvem o sono estão ligadas a diversos fatores, sendo trabalhadas em conjunto, com médicos como endocrinologista, otorrinolaringologista e até o psiquiatra, por exemplo”. 
 

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