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Aquilo que as paredes escondem

Ontem, depois de assistir a Tre Piani, novo filme do italiano Nanni Moretti, fiquei aqui a pensar nas escolhas que fazemos e em como elas fundamentam tudo o que vivemos posteriormente. Às vezes são decisões impensadas, tolas, ou mesmo acontecimentos nos quais nos envolvemos de forma involuntária. O destino nos faz incorrer no erro e até mesmo repeti-lo.

Erramos por imaturidade, por teimosia, por ignorância. Erramos sobretudo porque as demais alternativas também não são fáceis. Alguns desses equívocos são superados, outros nos assombram por toda uma vida. É o que mostra o belo melodrama de Moretti. Um filme que resvala quase todo o tempo no precipício da pieguice, sem no entanto desabar nele.

São famílias vivendo as dores e delícias de serem o que são em um mesmo prédio – Tre Piani quer dizer três andares ou três pavimentos. Gente como a gente, com suas idiossincrasias e diferentes visões de mundo, que em maior ou menor medida tem sua rotina afetada por um brutal acidente de carro. Nesse sentido, faz lembrar Amores Brutos, o vigoroso drama que revelou ao mundo o cineasta mexicano Alejandro González Iñarritu.

Mas Moretti trabalha em outro registro. A ele interessam os dramas íntimos, as situações-limite e os acontecimentos fortuitos que nos induzem ao erro. Num sentido mais amplo, Moretti fala da passagem do tempo, do envelhecimento sutil mas progressivo, que acaba por levar a todos nós em algum momento. E também das convicções que carregamos, muitas vezes de maneira inconsequente ou obstinada. São as cavernas em que nos escondemos, diria Scott Fitzgerald.

Histórias como a do casal de juristas que tem enorme dificuldade em lidar com o filho que, bêbado, atropela e mata uma pessoa. Da moça solitária e com transtornos mentais que precisa cuidar da filha recém-nascida em meio à ausência do marido. Do jovem casal que desconfia de um possível caso de pedofilia envolvendo sua filha e um velho vizinho. Todos eles são compelidos a escolhas que se tornam bolas de neve e se veem incapazes de conter a avalanche quando ela se avizinha.

Tre Piani costura com maestria essas vidas que cotidianamente se desenrolam nos apartamentos vizinhos e que entrevemos a cada bom dia ou boa tarde na porta da rua. Vidas que encerram traumas que as paredes escondem: paixões devastadoras, casamentos desfeitos, relações desabridas, incomunicabilidade entre pais e filhos, irmãos e irmãs, avós e netos. Uma hora eles extrapolam o aconchego do lar e chamam a atenção dos vizinhos: uma discussão acalorada, um grito de socorro, uma tentativa de pular da janela, uma porta batida com estrondo, uma mala no hall do elevador.

A pergunta que fica é: por que erramos tanto? E por que é tão difícil reparar o erro? No caso da mãe que se afasta do filho após um ultimato do marido, homem de princípios morais muito rígidos, ficam evidentes o peso e a inutilidade dessa renúncia ao amor materno. Ela é induzida à decisão equivocada e se vê incapaz de escapar dela. A passagem dos anos, em vez de atenuar, acentua esse fardo. Porque o tempo borra mas não apaga. A dor, mesmo mitigada, permanece como um sinal na pele. E sinais, como sabemos, podem evoluir para um carcinoma.

Todos nós somos um somatório de erros e acertos, como no gabarito de uma prova. Palavras não ditas, frustrações silenciadas, afetos não externados, ódios encarcerados em jaulas ficam ali, em algum recanto obscuro, prontos para um acerto de contas que pode não vir nunca. Porque na vida real não há juízo final. Nosso apocalipse particular é um partir silencioso sem anjos ou trombetas, com a vaga sensação de que não concluímos o ato derradeiro. As cortinas se encerram antes da hora, em um desenlace abrupto e aberto a diferentes interpretações.

Há os que se aprisionam voluntariamente nas próprias escolhas e há os que esboçam uma reconstrução do próprio destino, como um time que não aceita o resultado adverso e parte para cima do adversário. Ou como a mãe que, no filme de Moretti, resolve enfim usar vestidos escolhidos por ela mesma e insiste em encurtar a distância que a separa de uma possível redenção. Tardiamente, ela se dá conta de que não aceitar uma sina infeliz é muitas vezes a única maneira de dar algum sentido à vida.

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