No lugar do diálogo, bomba de gás e spray de pimenta. Foram esses os principais elementos usados na recepção dos povos indígenas que integram o 4° Congresso dos Povos Indígenas da Bahia, em frente a Governadoria, no Centro Administrativo da Bahia (CAB), no início da tarde desta terça-feira (26). Após dois anos sem realizar a reunião, devido a pandemia da Covid-19, o Movimentos Unidos dos Povos Indígenas (Mupoiba) retomou o congresso que visa discutir maneiras de garantir os direitos dessa população. Com o lema “Construindo aliança com resistência e luta”, o primeiro dia de movimento foi marcado pelo conflito entre os povos indígenas e a Polícia Militar da Bahia (PM-BA).
O grupo composto por cerca de 1800 indígenas, de 30 povos, chegou a Salvador na segunda-feira (25) e está acampado na Assembleia Legislativa da Bahia (Alba) para o congresso que durará quatro dias, até a sexta-feira, 29 de abril. Este ano, o intuito é discutir com a gestão estadual e o Legislativo as questões relativas aos territórios, educação e saúde indígenas.
(Foto: Marina Silva/CORREIO) |
Nesta terça-feira (26), parte do grupo seguiu para a frente da Governadoria protestando por melhorias na educação, onde, segundo um dos líderes, Kâhu Pataxó, de 31 anos, foi realizado o ato de abertura do congresso, com a entoação de cânticos e movimentos rituais. Foi a partir daí que o conflito começou.
“Estávamos puxando um ritual em que os parentes fazem um círculo. Quando eles fizeram o círculo, chegando perto da grade, a polícia chegou junto segurando a grade. Houve um parente que estava segurando a grade e ficou aquela tensão ali. Eu cheguei perto para poder falar e o policial já veio com o spray de pimenta. Quando a turma viu aquilo ali, já foram todos para cima”, conta Kâhu.
O líder foi um dos atingidos pelas bombas de gás. Não se sabe exatamente quantos indígenas ficaram feridos, mas segurando uma das bombas, Kâhu afirma que, “vários de nós fomos atingidos por bombas de gás e spray de pimenta e vários se machucaram também. Essa foi apenas uma que conseguimos recuperar”, explicou o líder.
(Foto: Marina Silva/CORREIO) |
Por causa da confusão que se instaurou, os portões de acesso ao prédio da Governadoria foram bloqueados pela PM e ninguém pôde sair ou entrar no local. Do lado de fora, Sauara Pataxó, 45, e outros indígenas tentavam entrar, para, de acordo com ela, fortalecer o movimento, mas foi impedida pelos policiais.
“Não então deixando a gente entrar e ainda violentaram os indígenas que estão lá dentro. A gente saiu para pegar comida para o pessoal e agora eles não querem deixar voltar, para o povo lá enfraquecer e desistir e eles ganharem, porque o que tem de policial armado lá, podendo atacar a qualquer momento, vocês não têm noção”, afirmou Sauara.
O que diz o governo baiano
Em nota, a assessoria da Decretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social da Bahia (SJDHDS), informou que “o grupo tentou invadir a sede da Governadoria, ainda durante o ato de abertura do 4º Acampamento, que acontecia na área externa da Alba, com a participação de diversos secretários estaduais”, diz trecho da nota.
E completou informando que o grupo decidiu pôr fim à ocupação em frente ao prédio da Governadoria após o encontro com o secretário da SJDHDS, Carlos Martins. O grupo de indígenas deixou o espaço em frente à sede do governo por volta das 15 horas.
“O nosso objetivo e o de todas as lideranças é que o acampamento seja um sucesso, sem episódios que marquem negativamente a relação de respeito e confiança que o Governo da Bahia tem com as comunidades indígenas do estado. O diálogo sempre existiu e continuará aberto para as lideranças indígenas”, afirmou o secretário Carlos Martins.
(Foto: Marina Silva/CORREIO) |
Em outra nota, o governo do estado afirmou que um PM ficou ferido, pela manhã, “quando o Governo do Estado foi surpreendido por um grupo de indígenas que tentou invadir a sede, no Centro Administrativo da Bahia (CAB). O serviço de guarda policial foi acionado e houve um princípio de confusão. Os manifestantes tentaram entrar no prédio pela porta principal e, ao serem contidos, reagiram arremessando pedras e outros objetos, danificando parte de uma porta de vidro”.
Ainda de acordo com a nota do governo, logo após o conflito, “teve início uma rápida negociação com as lideranças do movimento para evitar novos conflitos. A Casa Militar dialogou com o grupo e conseguiu que os indígenas recuassem da ideia de invasão”.
Agnaldo Pataxó, coordenador geral do Mupoiba, lamentou que o movimento pensado como um protesto e uma ação cultural tenha se transformado em um conflito com os indígenas, que, segundo ele, ‘com o diálogo entre os povos indígenas e os poderes’.
“O desejo era fazer um protesto e uma ação cultural, mas os policiais, de maneira truculenta e desumana, agrediram os nossos jovens. Essas bombas deveriam ser para aqueles que não compreendem, nem respeitam os povos originários, que querem usar armas contra os verdadeiros donos desse território, que originaram o povo brasileiro”, destacou Agnaldo.
*Com a orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo