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Sobre o corno, o proibido e caixas de som

Uma das mais recentes polêmicas que circularam nas redes sociais foi relativa à proibição de caixas de som em praias, decretada pela Prefeitura do Rio de Janeiro. Prontamente, houve gente chamando o decreto de elitista, oprimindo a espontaneidade e liberdade dos menos favorecidos. Opinião que, vindo na contramão, vai se encontrar com a velha e preconceituosa ladainha de que pobre é mal-educado, desrespeitoso e invasivo, enquanto a elite é fina, elegante e respeitosa.

Emicida deu uma declaração, outro dia, que foi ao encontro do que sempre pensei: “Eu não utilizo a palavra elite porque o significado da palavra elite é o que uma categoria tem de melhor”. Por exemplo: a elite do samba. Nela, há gente de todas as cores, credos, estratos sociais. São Paulinho da Viola, Cartola, Chico Buarque, Tom Jobim e Nelson Cavaquinho. Carlos Lyra e Jorge Ben. Alcione e João Gilberto.

Mas se nos ativermos à expressão cunhando a elite econômica que manda no país, não são poucos os casos de invasão, desrespeito e falta de educação vindos dela. Inclusive, há sempre confusões em condomínios de luxo e prédios caros por conta de som nas alturas, que nos chegam via imprensa. Nossa elite é o que tem de pior no país, pois com todo acesso a uma educação privilegiada, às ditas etiquetas, e a ideias sofisticadas sobre o social, conseguem muitas vezes ser piores que todas as outras camadas. Armadas, então…

Podem querer, no entanto, argumentar que a proibição na praia só atinge o pobre, que tem sua única forma de lazer indo a espaços públicos (o que não é verdade, pois festas e paredões vivem lotados), e que para ter uma igualdade, deveria se estender ao uso excessivo do som em qualquer ambiente. Leis já existem, só não são cumpridas e controladas.

Moro no Garcia desde 1996. Desde essa época que ligo, ininterruptamente, para o órgão municipal responsável, pois em minha rua, feriados e finais de semana são geralmente acompanhados de um som em volume tal que, por vezes, temos que sair de casa, ou até dormir fora, para ter um pouco de paz. São 26 anos e nunca se resolveu o problema.

Ouvir música alta na praia, na rua, na chuva ou na fazenda, ou numa casinha de sapê, deveria sempre respeitar o espaço e o ouvido do outro.

Ademais, há um outro fator que perpassa todas as classes e que é digno de nota: o gosto musical. Ninguém põe pra tocar nas alturas, seja em minha rua, ou na piscina de um condomínio, João Gilberto ou Cartola. Não que fosse melhorar muita coisa, pois cada um deve ouvir o que quiser, quando quiser. O que chama a atenção é que geralmente são canções sexualmente agressivas, ou a chamada canção de corno; sempre a frustração de um amor que abandona ou despreza. Nas duas opções, há uma repetição do ritmo, arranjo, melodia, que parece estarmos ouvindo sempre a mesma canção.

Uma das piores torturas que se tem notícia é repetir um som de algo, como uma gota de água num balde. Fico pensando o quanto já está afetada a percepção de alguém que ouve músicas quase iguais, ou a mesma música, initerruptamente, nas alturas, e não se afeta e nem se preocupa se isso afeta outrem. Sim, quando se pensa em agressão sexual, e quando alguém se põe como vítima de uma desilusão amorosa, a perspectiva é pessoal, o outro vira um objeto ou vilão. 

E assim, a violência social mostra suas garras também na música. Até mesmo a arte vira arma, num país onde o Governo Federal quer dar milhões via Rouanet para que o movimento pró-armas seja exaltado pela arte.

 

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