O gol mais bonito da temporada foi anotado pela torcida do Fortaleza, ao promover o ato público “Juntos na luta contra o racismo”, antes da partida contra o River Plate, na capital cearense.
Foi uma resposta política e civilizatória ao gesto de um torcedor argentino, ao oferecer bananas aos visitantes, no jogo de ida, supostamente associando brasileiros a “macaquitos”, reavivando estúpida tradição.
Castelão tomado de ponta a ponta, os tricolores fizeram gigantesco mosaico, no qual não faltou o punho cerrado dos Panteras Negras, em lição a orgulhar toda cidadania saudável.
Demonstraram os torcedores, a oportunidade de fazer do futebol, fonte de inspiração para desalienar as pessoas, no confronto com quem interpreta o esporte com óculos embaçados pelo conceito de alienação, em leitura indigente de Marx e Engels.
De torcida a centro de militância e ativismo, o grau de participação foi ampliando-se, a ponto de honrarem os fortalezenses a memória de Chico de Matilde, o Dragão do Mar, líder da quarta greve de jangadeiros para libertação dos escravos no Ceará.
Quatro anos antes de a princesinha Isabel assinar a Lei Áurea, retirando das senzalas todos os escravizados, sem direito a indenização nem pedacinho de terra, o Ceará já estava livre desta chaga de efeitos sinistros, multiplicados até hoje no Brasil.
Chico participou de quatro paralisações, as três primeiras coordenadas por um ex-escravo, Ze Napoleão, ao comprar sua alforria e organizar o movimento, resultando na greve de estreia no país, em 1871, antes mesmo de se pensar a ideia de “greve”.
Eram os jangadeiros os responsáveis pelo embarque da produção agrícola das fazendas dos senhores dos escravizados, mas os camaradas cruzaram os braços: o governo da província teve de decretar a abolição ou não tinha jogo!
Seguem os bravos fortalezenses a luta dos pioneiros, aqueles a quem o Brasil deveria louvar, mas como foi no Ceará (olha o racismo!), nos livros didáticos a princesa sai como a maior (falsa) heroína.
O racismo é a expressão mais nojenta do ódio de classes: no Brasil, 5 milhões de pessoas trazidas acorrentadas da África transformaram-se em “coisas não-pensantes”, com valores de uso e de mercadoria, enriquecendo quem não produzia, como até hoje!
Sobrenomes atribuídos a famílias finas do “High Society” são velhas beneficiárias deste “racismo de classe”, conceito com o qual abriu-me os olhos, um dia, o professor e amigo Jeferson Bacelar, em maravilhoso curso de antropossociologia do futebol.
O crescimento do Leão do Pici, hoje entre os times TOP, coincide com a desalienação de sua torcida partisan, em contraponto ao nosso leão, amargando a terceirona, talvez em declínio acentuado devido a aposta em sentido contrário ao Fortal.
Merecem todos os aplausos o valoroso Fortaleza e seus torcedores-ativistas com o objetivo de voltar a banir do Brasil e do mundo esta asquerosa bandeira nazifascista de um só grupo humano poder ter privilégios em relação a outros.
O pressuposto do racismo é este: pela cor da epiderme, formato do corpo, jeito de ser ou acesso a patrimônio, poderia constituir-se uma humanidade superior: as etnias restantes são exterminadas ou teriam uso como escravos ou valor econômico. #stopracism!
Paulo Leandro é jornalista e professor Doutor em Cultura e Sociedade.