A onda começou fora do Brasil e não demorou para chegar aqui. Logo, o público nacional começou a demonstrar interesse em obras documentais que abordam crimes que chocaram o mundo. Não demorou e, pouco depois, o país já criava suas próprias produções sobre o gênero batizado “true crime”.
Uma das primeiras séries brasileiras do gênero foi O Caso Evandro, da Globoplay, sobre o desaparecimento do menino Evandro Ramos Caetano, no interior do Paraná, em 1992. Em oito capítulos, a produção é dirigida pelo baiano Aly Muritiba, que já havia dirigido o suspense Para Minha Amada Morta.
Mas o true crime não se restringe ao audiovisual. O gênero também está presente na literatura e, mais recentemente, nos podcasts. No Brasil, estrou no mês passado Profiling, que está em todas as plataformas. O podcast é apresentado pela escritora e psicanalista Paula Febbe. Toda quinta-feira, estreia um novo episódio. Hoje, o público vai conhecer a história de Febrônio (1895-1984), assassino em série que, nos anos 1920, chegou a ser encontrado cozinhando uma cabeça humana furtada num cemitério.
Perfis de serial killers
Chico Picadinho, Madame Satã, Cabeça Branca e PC Farias são outros personagens de Profiling. Mas Paula Febbe assegura que, ao contrário de outros produtos de true crime, o seu programa se mantém distante do sensacionalismo. “Os crimes brutais são assustadores por eles mesmos. Portanto, é de nossa responsabilidade [minha e da Pod 360, produtora do Profiling], passar o máximo possível de informação com cuidado”
Para a apresentadora, quando opta por esse caminho, o podcast ganha até uma utilidade pública:
“Ao dizer como são constituídas as pessoas que cometem esses crimes, estamos dizendo aos pais que prestem atenção em seus filhos, na educação que é dada e na possibilidade de construir caminhos para que tais crianças não se tornem alguém que cometa esse tipo de crueldade”.
Mas de onde vem esse interesse por crimes que, muitas vezes, beiram a bizarrice? Por que as pessoas querem conhecer detalhes de assassinatos tão cruéis? Para a psicanalista, essa atração é uma reação normal do ser humano a algo que a sociedade exige que ele recalque. “É como se todos nós tivéssemos alguma perversão dentro de nós e não só o cara X que fez algo terrível. Só que, claro, a nossa seria mais ‘leve'”.
A criminóloga e escritora Ilana Casoy disse, em entrevista ao portal Jovem Nerd, que o público ficou mais exigente em relação às produções que tratam de crimes reais: “As pessoas anseiam por análises de comportamento das pessoas envolvidas com aquele crime – quem comete, investiga e reflete sobre eles, sem o velho maniqueísmo de polícia boa, bandido mau”.
Um dado curioso é que o público feminino é quem mais se interesse por esse gênero, como revelam os dados de audiência. Paula Febbe explica por que isso ocorre:
“Muitas das explicações sobre isso falam exatamente dessa tentativa de antecipação das mulheres. Assistir a documentários de crime para entender se elas teriam escapado daquela situação, e muitas vezes dizemos a nós mesmas que não teríamos acreditado no psicopata, o que pode trazer uma falsa sensação de alívio”.
Embora já “acostumada” com as histórias de criminosos reais, Paula Febbe diz ainda chocar-se com a história de Chico Picadinho, conhecido como um esquartejador de mulheres que hoje tem 80 anos e continua preso. “Para mim, é o mais terrível, porque foi o primeiro a que tive acesso também. Lembro de abrir um livro sobre ele quando eu era pré-adolescente e levar um choque, não entender como alguém poderia ter feito algo de tão terrível. E ele é muito envolvente na sua comunicação, eloquente, o que acredito que choque ainda mais”.
Entre os podcasts pioneiros nacionais, está o Modus Operandi, produção da Globoplay que é apresentada por duas mulheres, Carol Moreira e Mabê. O programa dedica cada episódio semanal a um caso e já são 115 capítulos que duram em média uma hora.
Uma das histórias mais impressionantes estreou semana passada e conta a história de Candy Montgomery, uma americana casada e com filhos, que era vista como uma figura de autoridade pela sua comunidade religiosa, até que seu envolvimento com um homem casado desencadeou uma trilha de segredos e mentiras, e também uma morte.
– Lorena (Prime Video): A série em quatro episódios conta a história de Lorena Bobbitt, que decepou o pênis do marido, John, depois de anos sendo abusada por ele. O caso aconteceu em 1993 e ganhou a mídia internacional.
– Mamãe morta e querida (HBO): Abuso infantil, doença mental e amor proibido convergem em um mistério envolvendo mãe e filha. Em 2015, Dee Dee Blanchard foi encontrada morta a facadas. A filha, uma jovem que tinha deficiência, foi acusada de assassinato. Uma revelação surpreendente sobre a deficiência da filha causa uma reviravolta.
– Serial Killers Made in Brazil (Darkside): O livro de Ilana Casoy relata sete casos de serial killers brasileiros, três dos quais ela entrevistou pessoalmente: Marcelo Costa de Andrade, o vampiro de Niterói; Francisco Costa Rocha, o Chico Picadinho; e Pedro Rodrigues Filho, o Pedrinho Matador.