Boa aluna que sou, aprendi a ouvir quem é autoridade em cada assunto que me interessa. Sentadinha, calada e prestando atenção. No caso da covid-19, autoridade não é “o médico do posto” nem “meu primo que tá estudando infectologia” nem “meu namorado que é biólogo”, muito menos “a diretora da escola”. Ouço cientistas, pesquiso currículos, pesquiso as pesquisas deles. Por isso, começo este texto com o que diz Átila Iamarino, aquele microbiologista que eu acompanho desde 2020 e acerta tudo, desde o início da pandemia.
Num recorte bem simplista (se aprofundar, fica mais grave) é o seguinte: a ômicron (variante que domina, atualmente) escapa às vacinas e não gera imunidade com a própria infecção. Ou seja, você pode pegar uma vez atrás da outra. A vacina protege (muito!) contra o agravamento da doença, mas não evita em 100% dos casos. Idosos e imunossuprimidos têm mais chances de agravar e morrer, mesmo vacinados. De novo, está valendo o “fica em casa”, pra quem puder. Precisando sair, que se use máscaras do tipo N95/PFF2. Átila falou até aqui e disse estar bastante preocupado com o filho de meses que ainda não pôde ser vacinado. Eu também estaria.
Agora, informações abundantemente disponíveis: crianças de até 4 anos não tomaram vacina ainda, no Brasil. A tal “hepatite fulminante” já foi associada (isso escutei da Dra. Luana Araújo, outra fera no assunto) a casos de covid-19 na infância. As sequelas de covid-19 são cada vez mais comuns. Todas incômodas e, algumas, incapacitantes para determinados exercícios profissionais. Covid-19 é uma doença ainda cercada de mistérios. Juntou lé com cré? O melhor continua sendo não pegar. Em qualquer idade. Vacinado ou não.
Contexto atual: pandemia vai de vento em popa e tá matando gente. Não, você não vai ver esses números agora, porque nunca houve tamanha subnotificação – por diversos motivos – desde 2020. Isso Átila também fala e chama este momento de “onda silenciosa”. A pandemia oferece riscos e estamos numa vertiginosa subida de casos, neste momento. Isso já aparece na imprensa. Não virou “endemia”, como querem nos fazer acreditar, nem “o vírus tá mais fraco”. Booshit. Esses são os fatos, pode pesquisar à vontade que eu espero você voltar.
Pronto. Entendeu? Eu também já entendi que, apesar de tudo, precisamos tocar o barco porque viveremos “de onda em onda” até que a ciência providencie uma solução definitiva. Só que “tocar o barco” significa viver de forma próxima à “normalidade” e não em fantasia de negação do evento de saúde pública mais catastrófico em um século. Infelizmente, fantasia de negação é o que mais acontece. Tanto com indivíduos quanto com setores inteiros da sociedade. Um direito individual, claro, cada pessoa com sua viagem. Dependendo do setor, ninguém é obrigado a frequentar. Aí é que tá. Minha chefa disse pra eu ser educada e pacífica, eu tô tentando, mas #comofaz?
(Sobe som com Aquarela, de Toquinho, pra disfarçar.)
(Respira, Flavia, vamos lá.)
Oi, escolas particulares. Que é que há, como vão, tão boas? Aqui tudo bem, graças a deus. Famílias tão direitinhas? Querem um suquinho? Sentem aí pra gente conversar, meus amores. A tia vai falar com jeitinho pra ninguém ficar chateado. É que a tia tem recebido muitas coisinhas pelo WhatsApp e precisa conversar com vocês. Vamos abrir as janelas, manter distanciamento e colocar as máscaras direitinho? Eba! Vaaamooossss!
Vocês se lembram que moveram o mundo para retomar aulas presenciais, mesmo antes da vacinação dos alunos? Que nem de professores queriam esperar? A tia não esqueceu. Vocês se lembram que passaram mais de ano gritando que era pra reabrir e até passeata teve? Que garantiram estar mais preparadas do que a Fiocruz, de tão íntimas e protegidas contra o vírus? Que compraram lotes de tapetinhos de quiboa, botaram até mão e contramão pras crianças andarem nas escolas e mediam a temperatura dos alunos, mesmo com os cientistas dizendo que não adiantava nada, que o nome disso era “teatro da pandemia”?
Graças a deus, em 2021, só mandou filho pra escola quem quis (ou precisou muito), né? Era facultativo. Tia ama e se preocupa com vocês. Imagine se, antes da vacina, acontecesse o que tá acontecendo agora? O rebucetê que seria? Vocês sabem do que eu tô falando. Da contaminação, em velocidade vertiginosa, entre as crianças e os adolescentes que estão sob os cuidados de vocês. Mas gente, não estava tudo sob o mais absoluto controle, desde 2020? O que aconteceu, meus amores? Vamos refletir?
Vejam que loucura: depois de apenas três meses de aulas 100% presenciais, começo a escutar o zunzunzum de “fulano tá gripado”, “fulana tá com rinite” e todo mundo frequentando aula. Teste de covid? Fizeram não. Também não afastaram ninguém nem avisaram às famílias. Tinham certeza de que não era covid. Isso, só de olhar para as carinhas dos nossos Enzos e Valentinas que vocês conhecem essa turminha como as palmas das vossas mãos. Ou, então, a pró de biologia já garantiu pra todo mundo que “é só uma gripezinha, todo mundo vai pegar, tem nada não”.
Nos bastidores das famílias, o susto da contradição. Expectativa: responsabilidade absoluta na retomada, incorporação da crise de saúde pública no conteúdo, adoção de hábitos atualizados no que se refere a saúde. Realidade: salas lotadas, liberação das máscaras, atividades e recreios sem qualquer adaptação aos novos tempos, zero cobrança de vacinação (vacinada, a pessoa pode ter menos sintomas e com menos sintomas a pessoa transmite menos).
Resultado é o esperado pelos pais e mães “neuróticos”: em escolas particulares de Salvador, das mais caras, vários casos. Em uma, seis infectados em uma turma e uma das crianças passou para toda a família. Em outra, estavam acontecendo casos esporádicos até que 6º, 7º e 8º anos fizeram uma viagem e muitos voltaram contaminados. Uma outra escola testou todos os alunos do ensino médio e muitos tiveram testes positivos. Isso foi o que eu soube em dois dias de papos.
Evidentemente, ainda não é nada. A bomba vai explodir e vocês sabem. Junto com as informações, recebi fofas cartinhas preocupadas das escolas aos responsáveis. Li todas. São propostas de condutas MÍNIMAS (e insuficientes, no momento atual) que nunca deveriam ter sido abandonadas. São crianças e adolescentes. Muitas crianças ainda não vacinadas. Muitos adolescentes já com queda de imunidade pelo intervalo longo entre a segunda e a terceira dose que só agora começa a ser aplicada. Estão adoecendo, conforme esperado.
Tia explica sem brigar. Observem, por exemplo, que as máscaras deixaram de ser obrigatórias, mas não foram proibidas, por nenhuma instância governamental, em nenhum momento. Não dava pra continuar usando? Observem, também, que sempre se pôde cobrar carteira de vacinação completa, no momento da matrícula. Há décadas. Incluir a de covid é só interpretação da lei. Chama “querer fazer”.
Da mesma maneira, não se proibiu aulas online, inclusive há pelo menos quatro colégios particulares que mantém a modalidade, em Salvador. Parabéns! Também nenhuma escola foi obrigada a permitir lanches nas salas de aula nem misturar turmas nos intervalos. Cuidar de crianças e adolescentes dá trabalho, tia sabe. Mas, quem não sabe brincar, não desce pro play, confere? Eu mesma só cuido do meu.
Amores, o recreio acabou. Vamos estudar? E agora, o que vão fazer? Bora reconhecer a obrigação moral de deixar que famílias possam escolher os riscos que querem correr? A modalidade online pode não ser o melhor dos mundos, mas há quem prefira, numa emergência. Não seria o caso de as escolas oferecerem e cada família decidir? Alunos com covid continuarão frequentando as aulas (como tem sido) garantido apenas o direito de segunda chamada das avaliações, caso decidam faltar? Né muito louco isso não? Vamos refletir? Que imagem, que lugar social, o que as escolas querem ser?
Estão sem ideia? Tia vai ajudar com uma listinha de coisas que podem AMENIZAR a crise na qual vocês se enfiaram. Vou escrever bem serião pra vocês poderem copiar e colar. Vamos lá:
1. Afastamento de qualquer funcionário/a ou aluno com sintomas gripais e retorno após afastamento por prazo preconizado e mediante apresentação de teste negativo;
2. Comunicação imediata às famílias de qualquer caso de covid;
3. Opção de aulas síncronas para alunos/as afastados por covid ou por opção das famílias, quando há caso na escola ou “ondas” de contaminação (cada família sabe da própria vulnerabilidade, se há idosos, doentes ou bebês no convívio);
4. Recomendação do uso de máscara no ambiente escolar (com campanha educativa);
5. Uso de álcool em gel antes e depois de lanche, antes e depois de uso de banheiros;
6. Garantia de tempo de recreio ao ar livre por série;
7. Suspensão de lanche em sala de aula;
8. Testagem das turmas onde houver aluno com teste positivo e afastamento dos positivos;
9. Suspensão de turma com percentual importante de alunos afastados num mesmo período;
10. Suspensão de atividades que demandem contato físico durante as “ondas” de contaminação;
11. Sempre que possível, evitar ar condicionado e manter portas e janelas abertas.
Tem escola fazendo algumas dessas coisas, eu sei. Há colégios até com comissão de combate à covid, né luxo? Há empresários responsáveis no setor. Mas não são maioria não. Se uma fechar, todas fecham e o inocente paga pelo devedor. Isso pode acontecer em breve, observem. Acho bom vocês se juntarem nas providências. Vamos cuidar da vida? Vaaaamosssss! Eeeebaaaaa!!!! Tia ama e ajuda. Mas ama mais os alunos, tá? Zanguem não.
Flavia Azevedo é articulista do Correio, editora e mãe de Leo