InícioEditorialForrozeiros baianos não se sentem representados nas festas do interior

Forrozeiros baianos não se sentem representados nas festas do interior

Um dos argumentos para justificar os grandes investimentos das prefeituras do interior nas festas de São João é o fomento à cultura local. Porém, nem sempre os artistas dessas cidades ou do estado são contemplados nas grades de programação. Um levantamento feito pela reportagem, em sete cidades da Bahia, aponta que em quatro delas os artistas baianos não chegam a ocupar 60% da grade principal de atrações nos palcos de maior destaque dos eventos. 

Na cidade de Ibicuí, por exemplo, onde a festa deve chegar a custar R$1,4 milhões, das 25 atrações que tocarão no palco principal do evento, 11 são baianas – o que equivale a 44% do total de artistas. O show mais esperado da festa é o do cantor sertanejo Luan Santana, natural do Mato Grosso do Sul. A prefeitura informou que tem o intuito de resgatar a tradição do São João e valorizar os artistas da cidade. 

A quantidade de artistas do estado do Ceará contratados para o São João em Ibicuí é a mesma dos artistas locais. Apenas uma atração é de fora da região Nordeste, Luan Santana. Entre as atrações baianas, estão Lordão, Donas do Bar e Otávio Mateus. Enquanto isso não obtém grande destaque nas festas, forrozeiros desabafam sobre não se sentirem devidamente representados durante o período junino. 

Há 30 anos, o cantor baiano José Lúcio Oliveira, de nome artístico Juno Leon, começava sua carreira na música. Depois de ter feito parcerias e uma pausa, em 2011 retornou aos palcos com seu projeto autoral. Juno conta que de início conseguiu firmar muitos contratos com municípios do interior, mas a situação foi mudando com o passar dos anos. O cantor não vai se apresentar em nenhuma cidade fora da capital este ano, o que costumava fazer na década passada. 

O artista diz que é difícil disputar espaço com os grandes cantores sertanejos nas festas das prefeituras e afirma que mesmo artistas locais importantes acabam sendo deixados de lado em nome do que está na moda. “Para ser sincero, eu praticamente já joguei a toalha. A gente cai na real e vê que não dá para brigar contra o sistema […] Tanto que hoje eu não vivo mais de música e trabalho no ramo imobiliário porque realmente é muito difícil”, diz. 

O cantor Juno Leon encara a música como um hobby devido às dificuldades em se manter no meio artístico

(Foto: Acervo pessoal)

Juno conta que deu sorte em comelar a trabalhar no ramo imobiliário e hoje não enfrenta grandes dificuldades para se manter financeiramente, mas que essa não é a realidade para muitos colegas.

“Graças a Deus eu busquei outra profissão a tempo. Tenho colegas talentosos da minha geração que estão passando fome, eu até ajudo com renda básica e dinheiro”, revela. 

Para muitos artistas que não conseguem espaços nas grandes festas, a solução acaba sendo fazer pequenas apresentações em eventos privados. É o caso de Jonas de Souza Azevedo, integrante do trio de forró tradicional Arredupé. O artista acredita que a representatividade de cantores e músicos locais poderia ser maior nas festas da Bahia e conta que em Sergipe, os eventos costumam valorizar mais as atrações regionais. 

“É como se fosse uma seleção natural, para que os artistas de nomes maiores continuem ficando acima dos locais. Quem já está em cima e conseguiu fazer os contratos continua se perpetuando e fica difícil para quem está no início”, diz Jonas, que está no trio há oito anos. A Arredupé fará apresentações em festas privadas em condomínios em Salvador no São João. 

Trio de forró Arredupé não firmou contratos fora de Salvador no São João deste ano

(Foto: Acervo pessoal)

Outro ponto levantado pelos artistas é a descaracterização das festas juninas, que servem de palco para cantores de outro gêneros musicais, o que, segundo eles, contribui para a menor representativadade dos músicos locais. “Eu percebo que está havendo uma descaracterização do São João na Bahia. É pisadinha, axé music, sertanejo… Todos tomando espaço”, diz Juno Leon. 

Em maio, o CORREIO já havia chamado a atenção sobre as dificuldades enfrentadas pelos forrozeiros tradicionais em fecharem contratos no interior do estado. Na ocasião, Raimundinho do Acordeon, um dos composidotores de “Te Esperando na Janela”, chegou a dizer que “o que estamos cobrando é o menosprezo em uma época em que o forró é o protagonista”. 

Sem destaque
Nas grandes festas do interior, muitas vezes artistas regionais ficam restritos a circuitos alternativos, recebem cachês menores e não figuram nos palcos principais. Em Cruz das Almas, no Recôncavo, de 21 atrações confirmadas no maior palco da festa, 10 são baianas. A prefeitura informou que no circuito alternativo, apenas atrações locais se apresentarão. A gestão municipal vai investir R$2 milhões em recursos próprios para a festa acontecer.

Para o cantor e compositor baiano Guga de Paula, uma série de motivos podem explicar a preferência das prefeituras em colocar atrações de fora do estado em evidência nas festas. Ele avalia que a preferência do público e o que está em alta no mercado também são os principais. 

“Tem muito artista novo chegando e o sertanejo é a prova disso. É um movimento que cada vez está mais forte e está ganhando mais mercado, representando um novo momento da música brasileira”, afirma. 

A Festa da Banana, que aconteceria em Teolândia e acabou sendo cancelada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), contaria com 17 atrações da Bahia. O número representa 70% de todos os 24 artistas e bandas que se apresentariam. O cantor Gusttavo Lima, natural de Minas Gerais, era o mais esperado e a festa foi suspensa após a divulgação de que ele receberia um cachê de R$704 mil. 

Em Cachoeira, das 23 atrações principais,13 são baianas. O número representa 56%. O secretário de Cultura e Turismo da cidade, Carlos Eduardo Moraes, afirma que os cachês de todos os artistas pratas da casa receberam aumento. 

“Os sambas de roda receberam um incremento de quase 100% em comparação com a outra gestão. A gestão fez o que pôde, dentro da sua realidade, para incentivar a cultura local. Não contratamos artistas com cachês de mais de R$200 mil”, explica o secretário.

Já em Santo Antônio de Jesus, 18 das 26 atrações são da Bahia, o que equivale a 69%. A prefeitura afirmou que valoriza os artistas locais, especialmente os pratas da casa, que são aqueles naturais da cidade. Pelo menos oito artistas nascidos no município vão se apresentar no palco principal, que vai receber ainda grandes nomes nacionais, como Elba Ramalho e Wesley Safadão. 

Justiça cancela São João em cidades do interior 

A festa junina de quatro dias na cidade de Presidente Tancredo Neves, na região sul da Bahia, foi cancelada. O comunicado foi feito pela prefeitura do município, na sexta-feira (17), após uma recomendação do Ministério Público do Estado. A cidade chegou a reformular e reduzir os festejos em até 60%, mas a MP-BA manteve a recomendação para o cancelamento.

A Prefeitura informou que os gastos iniciais previstos para a realização da festa seriam de R$ 2,9 milhões, que sairiam dos cofres do município uma vez que não houve incentivos federal e estadual ou captação de patrocínios. 

Segundo a recomendação, encaminhada pelo promotor de Justiça, Gustavo Fonseca Vieira, o valor total representa 3,3% de toda a receita municipal prevista na Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2022 e supera os quase R$ 2,2 milhões de recursos próprios aplicados em saúde pelo governo municipal entre os meses de janeiro e abril deste ano.

A Justiça determinou também o cancelamento dos festejos juninos que aconteceriam a partir do dia 16 na cidade de Wenceslau Guimarães, também no sul do estado. A ação foi tomada depois que o Ministério Público (MP) entrou com uma ação civil pública contra o município e seis empresas, alegando que a cidade ainda se encontra em situação de emergência por conta das chuvas. As festas custariam cerca de R$1,2 milhão aos cofres do município. 

Em decisão similar à que determinou o cancelamento da Festa da Banana, em Teolândia, a juíza Luana Paladino proibiu que Wenceslau Guimarães e as empresas realizem ou promovam qualquer atração artística prevista no São João do Sessentão. Além disso, também foi suspenso o fornecimento de energia nos locais dos shows. Caso a decisão não seja cumprida, serão geradas multas correspondentes ao dobro dos valores contratados.

Lordão, Lambassaia e Canários do Reino eram algumas das 27 atrações confirmadas. A festa teria oito dias no total. Em nota, a prefeitura afirmou que acatou a decisão judicial. Na quarta-feira (15), o governador Rui Costa criticou os pedidos de cancelamento de festas juninas no estado e disse que o MP não pode ser “adversário das tradições da Bahia”.

Comparativo entre artistas locais e de fora em festas de São João 

Cachoeira: 23 atrações, 13 baianas (56%)
Cruz das Almas: 21 atrações, 13 baianas (57%)
Ibicuí: 25 atrações, 11 baianas (44%)
Irecê: 20 atrações, 13 baianas (65%)
Lençóis: 21 atrações, 13 baianas (57%)
Santo Antônio de Jesus: 26 atrações, 18 baianas (69%)
Teolândia: 24 atrações, 17 baianas (70%)

*Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo. 

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