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Chip da beleza? Entenda os riscos do uso indiscriminado do implante de gestrinona

A promessa seria de reduzir a gordura, aumentar a massa magra (ou seja, desenvolver músculos), amenizar celulites e interromper a menstruação. Além disso, haveria aumento da disposição e da libido. Foi por conta desses aspectos que o implante de gestrinona, utilizado como método contraceptivo ou para o tratamento de problemas ginecológicos, ficou conhecido como ‘chip da beleza’. 

Nos últimos anos, o implante virou o queridinho das celebridades. Mas o problema é que o uso indiscriminado para fins estéticos esconde riscos, efeitos colaterais e uma eficácia questionável. Um dos casos mais recentes foi o da influencer e ex-BBB Flayslane, que compartilhou stories mostrando como ficou sua pele após o uso do implante, no fim do mês passado. “Muita espinha? Destruiu minha pele”, escreveu, exibindo fotos da pele com acne. 

De fato, a gestrinona é um hormônio com ações anabolizantes e, por isso, consta até na lista de substâncias proibidas para atletas, de acordo com a Agência Mundial Antidoping (Wada, na sigla em inglês). Assim, o crescimento da procura por pacientes que apenas buscavam o lado ‘fit’ do implante gradualmente acendeu o sinal amarelo das entidades científicas. 

Em novembro do ano passado, uma nota conjunta foi elaborada pela Comissão Nacional Especializada em Endometriose da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e pela Sociedade Brasileira de Endometriose e Cirurgia Minimamente Invasiva. No texto, as entidades dizem não recomendar o uso de implantes para tratamento de endometriose. 

“Não há informações disponíveis para a classe médica, tampouco para a população geral sobre os efeitos adversos relacionados à colocação dos referidos implantes”, apontam. Semanas antes, a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) teve a mesma atitude e afirmou “rechaçar veementemente” o uso do chip como anabolizante para fins estéticos e de aumento de desempenho físico. 

“A informação sobre o tratamento para mim é o mais importante. Hoje, as pacientes têm acesso a tecnologia e devem ser informadas da ausência de estudos robustos sobre efeitos e segurança do produto”, diz a médica ginecologista Márcia Cunha Machado, presidente da Associação de Obstetrícia e Ginecologia da Bahia e professora de ginecologia da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública. 

Os anúncios do chip da beleza ficaram tão comuns, especialmente nas redes sociais, que, em dezembro do ano passado, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu a propaganda da gestrinona e qualquer produto que contenha essa substância.

Histórico 
A gestrinona começou a ser pesquisada como tratamento para endometriose na década de 1970. Na época, um dos estudos mais famosos foi justamente o do médico baiano Elsimar Coutinho, morto em 2020. Trata-se de um hormônio sintético que tem efeitos androgênicos – ou seja, pode provocar acne, aumento da oleosidade da pele, aumento de pelos, alopecia, engrossamento da voz e até hipertrofia do clitóris.

“Os estudos começaram para endometriose profunda, porque as pacientes com esse quadro não podem usar estradiol ou causaria uma dor maior”, diz a ginecologista Clarice Haddad, pós-graduada em longevidade saudável e especialista em implantes hormonais. “Essa droga inibe os receptores de estrogênio do endométrio e diminuiria as lesões existentes e a progressão da endometriose em si. Isso fez com que a gestrinona fosse, nesse primeiro momento, muito utilizada”, lembra a médica. 

Inicialmente, a gestrinona era usada de forma oral, mas ela foi descontinuada pelos efeitos colaterais, segundo o farmacêutico Gibran Sousa, diretor do Sindicato dos Farmacêuticos da Bahia (Sindifarma). Hoje, a substância só é produzida em farmácias de manipulação, seja na forma dos implantes ou nas de creme. 

Há dois tipos de ‘chip’ no mercado. “Os implantes tradicionais são inseridos na nádega e, geralmente, têm duração de um ano, garantindo a anticoncepção, ou seja, garante que a mulher não ovule, no entanto, eles precisam ser retirados após o período de um ano”, explica Sousa. 

Já os mais novos são os absorvíveis, que duram cerca de seis meses. “Eles não garantem o efeito anticoncepcional, mas não precisam ser retirados (por serem absorvidos), e são produzidos, com mais segurança, em diversas farmácias de manipulação”, acrescenta. Os tradicionais custam entre R$ 2 mil e 2,5 mil, enquanto os absorvíveis podem ser encontrados de até R$ 4 mil no mercado. A aplicação só é feita de forma particular. 

Apenas em Salvador, nas 11 lojas da rede farmácias de manipulação A Fórmula, são preparadas mensalmente em torno de 60 prescrições com modulação hormonal com gestrinona –  a maioria deles em aplicações que dissolvem na pele, chamada preparações transdérmicas.

Indicações
De acordo com a ginecologista Clarice Haddad, a gestrinona pode ser utilizada em pacientes com endometriose de difícil controle, com síndrome disfórica ou com sangramento uterino disfuncional. “Só que pacientes que estavam usando perceberam que, com o uso, tinha melhora da massa magra, diminuição da celulite e redução da gordura corporal. As mulheres têm dose baixa de testosterona, principalmente as com endometriose profunda, e a gestrinona consegue fazer com que a proteína SHBG seja diminuída. Sobra, então, mais testosterona circulante que dá essa melhora. Foi aí que começou essa história de chip da beleza”, explica. 

O implante deve ser evitado por pacientes com síndrome do ovário policístico (SOP), com tendência à acne ou mesmo obesidade, uma vez que o efeito anabólico pode piorar todos os quadros. Por isso, ainda que indique para algumas pacientes, ela diz que também contraindica para muitas. 

“Hoje, elas já chegam falando do chip da beleza. Mas chega uma paciente acima do peso, com resistência periférica à insulina, um quadro totalmente fora do padrão de uso. Eu digo: ‘não vou botar, porque você vai odiar’. Criou-se esse mito da perda de peso, você acha que vai malhar e ficar sem celulite, quando não é verdade”, pondera. 

Além disso, como ressalta a ginecologista Márcia Cunha Machado, presidente da Sogiba, faltam informações em bula sobre os efeitos da substância em aspectos como hepatotoxicidade, nefrotoxicidade, efeitos sobre o perfil lipídico, ganho de peso, metabolismo hormonal e alterações do ciclo menstrual. 

“A indicação de uso de gestrinona ou outros derivados androgênicos é restrita segundo as sociedades de especialidades por falta de estudos robustos e seguros que respaldem o uso”, diz Márcia, citando como indicações as mulheres na pós-menopausa com Transtorno do Desejo Sexual Hipoativo (TDSH) e síndrome geniturinária. “Mulheres ooforectomizadas (que retiraram ovários em cirurgia) sintomáticas e mulheres com endometriose refratária ao tratamento convencional podem ser avaliadas”, acrescenta. 

Pele
Muitas vezes, os efeitos colaterais surgem em pacientes que nunca tiveram esses problemas antes. A ex-BBB Flayslane chegou a dizer aos seguidores que “nunca teve espinhas no rosto”, até então. Segundo o dermatologista Amilton Macedo, quando o implante de gestrinona é usado para tratamentos de saúde de forma personalizada, as chances de a paciente desenvolver alguma condição na pele são mínimas. 

A ex-BBB Flay compartilhou fotos de sua pele após o efeito do implante

(Foto: Reprodução/Instagram)

“No entanto, caso haja alguma anormalidade durante o tratamento, o especialista irá realizar uma avaliação e receitar de forma individual uma alternativa, havendo a possibilidade da utilização de doses menores ou a suspensão do chip, que levará  à diminuição e até ausência das condições adversas que surgiram na pele”, afirma.

De forma geral, as condições da pele vão depender de cada organismo, além da dose administrada e da resposta individual da paciente. “Os efeitos colaterais causados pela gestrinona podem reduzir e até desaparecer caso o paciente pare de utilizar o chip, mas para evitar esses efeitos o ideal é que o profissional analise a idade e o peso da paciente, receite uma dose individualizada e realize um controle periódico”, completa.

De forma geral, os médicos explicam que é preciso identificar quais são as reais necessidades das pacientes. Para a ginecologista Clarice Haddad, é preciso observar se a paciente tem qualidade de vida. Se ela não consegue desempenhar funções normais em sua rotina devido às dores do período menstrual, por exemplo, pode ser que tenha uma indicação. 

“E, para a estética, tem tantas coisas legais que a gente pode usar. É uma coisa muito procurada (o chip), mas é uma indicação que pode ter efeitos adversos. Não sou pró nem contra nenhuma droga, mas tem indicação para tudo. A paciente tem que saber o que pode acontecer com ela”, reforça. 

A ginecologista Márcia Cunha Machado, presidente da Sogiba, também enfatiza que essa deve ser a postura dos médicos. “O médico deve ser ético e responsável em oferecer as informações necessárias para a escolha do melhor e mais seguro tratamento para cada caso e observar as indicações e recomendações das sociedades e associações de especialidades”, aponta. 

*Colaborou Nilma Gonçalves

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