“Não acredite em campeonato brasileiro porque a distribuição dos orçamentos agride o princípio mais elementar do desporto: a igualdade nas condições de mobilização dos recursos”.
O enunciado desta hipótese, formulada a partir de análise qualitativa dos cifrões oferecidos pela transmissão de jogos, é rechaçada pelos mestres da verdade do flamenguismo arcaico.
O olimpiano mais qualificado contrapropôs: “A diferença do Flamengo para os outros, merecidamente, é compreensível, possui nacionalmente 42 milhões de torcedores, um quinto da população do país”.
Um outro querido professor usou o antídoto da ironia, propondo aos “mengos” assistirem jogos de outros clubes, além da exclusão dos times de grande torcida dos campeonatos.
Um terceiro ídolo produziu o knock-out definitivo: “Transmitir jogos que tenham o Flamengo na disputa é audiência e faturamento certos, e as empresas transmissoras guiam-se pelo mais elementar princípio do mercado: o lucro”.
Fica, assim, iluminado o cenário do fútil ball brasileiro, contra o qual se batem alguns como eu, identificados com a pobreza dada a conta bancária invariavelmente excedida no limite de crédito.
Entende-se, agora, a partir da ajuda dos luminares, por que o Flamengo receberia oito vezes mais em relação ao Atlético Mineiro e um dinheiro 80 vezes maior contra o Coritiba, enquanto seria necessário juntar 56 cearás para igualar-se a um só Mengão.
Quem ainda quiser teimar, ampare suas muletas em “O poder simbólico”, do Trovão Bourdieu, orientador de professor Clóvis de Barros Filho, e aplique a teoria dos campos, verificando o antagonismo entre mercado e desporto.
Sim, porque para construir-se como campo, o mercado tem sua mecânica (#SajaPresente), e deste jeito, como bem nos convencem os três referenciais-mores, é preciso alcançar resultados financeiros: o clube mais querido seria, então, uma jazida incessante do puro ouro.
Já o desporto segue uma outra cartilha, nascida no Século das Luzes, quando o duelo francês exigia a igualdade de armas, cada adversário dando dez passos, um, dois, três, vira e lá vai bala, ou então, touché, a esgrima, um esporte medieval inspirador das disputas na era moderna.
Resta-nos arriscar um pouquinho de lógica introdutória, com a bicondicional excludente: ou aceitamos ter o esporte se metamorfoseado em algo intermediário entre competição e mercado ou não podemos mais reconhecer o fútil-ball como desporto, tornando-se entretenimento.
A seguir esta rota, em breve, já não será necessário contar pontos, dá-se ao Flamengo o título de campeão perpétuo, tipo D. Pedro I, no Sete de Setembro, e catam-se flamengos aqui e ali, o de Guanambi, o do Piauí, o de Ilhéus…
Assim, com um campeonato só de flamengos, o dinheiro jorraria dos gramados, com a garantia de prosperidade para os investidores e de alegria aos torcedores, exterminando-se esta resistência teimosa de outras agremiações menores pelo país.
Este projeto vem desde a criação da Copa União, em 1987, verificando-se a extinção de clubes cuja revelação de craques tornava as competições verdadeiramente esportivas.
Mas, diga-se, o fútil-ball é uma caixinha de surpresas a ponto de o Mengo ainda deixar escapar um título ou outro, mesmo mais abonado!
Paulo Leandro é jornalista e professor Doutor em Cultura e Sociedade. A opinião do colunista não reflete necessariamente a do CORREIO.