O baiano Guilherme Dias, 23 anos, diz que sempre foi “fissurado” na história da América Latina. “Não sei como começou esse meu interesse, sempre esteve dentro de mim. Sempre me interessou esta proximidade com os países vizinhos, sempre quis conhecer a cultura deles. E nós, como brasileiros, não temos acesso a essa irmandade que existe na América Latina. Nos vemos mais próximos do europeu e dos estadunidenses”, diz o estudante de Relações Internacionais, em tom de lamentação.
Mas Guilherme agora está mais próximo deste contato com a cultura latino-americana: junto com a colega de turma Amanda Cerqueira, de 21 anos, ele foi selecionado para um estágio na Secretaria do Mercosul, que teve início há cerca de três semanas. São os únicos dois brasileiros selecionados para o programa, que é o sonho de muitos estudantes desta área.
Amanda também diz que sempre desejou atuar em um órgão como o Mercosul: “Acho que em nenhum momento desejei ser diplomata. Entrei no curso pensando em atuar em organizações internacionais, como ONU ou Mercosul. E minha área sempre foi a América Latina”.
Guilherme e Amanda são estudantes do quarto semestre da Unijorge e souberam das vagas para o estágio através da faculdade. O processo de seleção foi bem rigoroso e teve diversas etapas. “Mandamos o currículo em junho e não tinha esperanças. Fui selecionado e me pediram mais documentos”, lembra o estudante.
Mais tarde, veio uma das partes mais tensas, que foi a entrevista online, em espanhol. “Quando abri a câmera, fiquei surpreso, porque eram cinco pessoas. Não esperava que fosse tão formal. Parecia coisa de filme, eles estavam com a bandeira do Mercosul atrás. Só aí entendi a complexidade do estágio. Durou uns 15 minutos, mas pareciam horas”, recorda Guilherme.
Amanda também foi surpreendida com a própria aprovação, porque trata-se de uma vaga muito cobiçada e a concorrência era grande. Participavam da seleção alunos de cinco instituições brasileiras, entre públicas e privadas. Ela nunca havia estudado espanhol formalmente, mas sempre teve contato com o idioma através de séries, músicas e novelas. “Tinha estudado apenas um semestre num curso de línguas e na Ufba, me matriculei em algumas disciplinas de espanhol avançado”. Guilherme, ao contrário, tinha um certificado de proficiência, obtido também num curso da Ufba.
Não pense o leitor que, depois de tanta luta pela aprovação, Guilherme e Amanda terão a remuneração que merecem: nenhum deles recebe sequer uma ajuda de custos. No entanto, para os dois, a experiência de três meses – que deve ser renovada para seis – vale muito a pena, pois enriquece o currículo. Além disso, os custos são baixos, porque o trabalho é em casa, pela internet.
A carga horária é de três horas por dia, de segunda a sexta, porém normalmente se estende. Os colegas atuam na área de documentação do Mercosul e são responsáveis por revisar as atas de reunião e apontar as eventuais correções que precisam ser realizadas.
Para Guilherme, a rotina é corrida, porque ele ainda estuda no Bacharelado Interdisciplinar de Humanidades na Ufba. Uma curiosidade: ele era colega de Amanda lá também, mas ela decidiu trancar a matrícula para se dedicar só ao curso de Relações Internacionais.
Guilherme, que cursou o Ensino Médio numa escola pública de Ipirá, mora em Brotas, com a irmã. Sai de casa cedo para o curso na Unijorge, na Paralela. Depois, retorna e almoça para, em seguida, iniciar o estágio. Quando termina, tem que correr para a Ufba. Volta para casa e ainda tem que preparar o almoço do dia seguinte.
Nascido em uma família que não dispõe de privilégios econômicos, Guilherme afirma que não pode perder tempo desempregado quando se formar. “Preciso trabalhar para me sustentar, então sempre me preocupei porque a área que escolhi não oferece muitas oportunidades em Salvador”. Ele não desanima e tem ambições: “Depois do Mercosul, vou tentar estagiar na ONU, que tem escritório em Salvador e oferece estágio em relações internacionais”.