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Caso de intoxicação de cães chama atenção para como escolher alimentos para pets

Mesmo sem oferecer nenhum petisco industrializado para a cachorrinha Frida, uma dálmata de três anos, a pesquisadora Rebeca Andrade, 26, se desesperou com a notícia de que ao menos 100 cães morreram em após comer guloseimas pet. Apesar de serem raros os momentos em que Frida come petiscos industrializados, ela correu para conferir de quais produtos se tratavam. 

“Mas vi que nunca tinha oferecido nenhum deles a ela. Sempre tive muito cuidado em ver ingredientes e a formulação de tudo que ela come justamente por isso”, explica. A preocupação de Rebeca é a mesma de muitas tutoras e muitos tutores no país. À primeira vista, o problema está restrito a três petiscos – Dental Care, Every Day e Petz Snack Cuidado Oral – fabricados pela empresa Bassar. 

Na semana passada, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) informou que os resultados preliminares das análises indicaram monoetilenoglicol como contaminante de propilenoglicol em lotes diferentes dos que tinham sido detectados inicialmente. Apesar do nome parecido, o monoetilenoglicol é uma substância tóxica, enquanto o propilenoglicol é autorizado e utilizado tanto em alimentos para animais quanto para humanos. 

No entanto, como ainda não se sabe a origem do contaminante, o Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal do órgão determinou no último dia 9 que todas as empresas fabricantes de alimentos e mastigáveis devem indicar os lotes de propilenoglicol existentes em seus estoques e seus respectivos fabricantes e importadores. As companhias devem fazer análises dos produtos e listar os lotes dos que já foram distribuídos e que porventura usem a substância na composição. 

Só que, nas redes sociais, viralizaram campanhas de tutores para evitar qualquer petisco ou outro tipo de alimento que contenha o propilenoglicol enquanto as investigações não forem concluídas. Mas diante de tantas dúvidas, qual é o tamanho dos riscos? A orientação da vice-presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária da Bahia (CRMV), Rebeca Ribeiro, é justamente de evitar o pânico. 

“É um momento de dor, a gente se solidariza com as perdas dos animais de companhia envolvidos nesse lamentável caso, mas a gente tem visto muitas notícias e mensagens inconsistentes circulando em redes sociais, atribuindo ao Mapa ações que não foram tomadas”, pondera. 

Para ela, a preocupação do ministério é motivada pela necessidade de um controle maior sobre o uso do propilenoglicol, já que a origem da contaminação ainda é desconhecida. “É importante frisar que essa suspeita se deu em uma fábrica em específico, com petiscos advindos de lá”, diz. 

Orientação
O medo de muitos tutores é porque o propilenoglicol não está presente apenas em petiscos, mas também em rações, alimentos úmidos e os chamados “mastigáveis”, como bifinhos e ossinhos, como os que têm sido alvo de análise. De acordo com Rebeca Ribeiro, o propilenoglicol é o que deixa os alimentos menos secos e quebradiços, tornando-os ‘mais fofinhos’. 

Até o momento, porém, não há nenhuma indicação do próprio Mapa para restringir o uso, o fornecimento ou mesmo a venda de produtos com essa substância. “Infelizmente, o ministério ainda não conseguiu tratar de toda a rastreabilidade desse lote”, acrescenta a vice-presidente do CRMV.  

Ainda assim, a medida envolvendo outros fabricantes é considerada acertada e oportuna também pela médica veterinária Gabriela Lima, diretora técnica da Sermix Pet Care e sócia da Planeta Animal. Para ela, existem riscos inerentes no momento porque é difícil que os tutores consigam acompanhar o controle de lotes de aditivos nos produtos disponíveis no mercado. 

“Inclusive, os rótulos são bem pequenos. De uma forma geral, os consumidores já estão educados a fiscalizar a validade dos produtos, mas entendo que seja uma realidade um pouco utópica ocorrer essa  leitura dos componentes dos rótulos, embora muito necessária”, avalia Gabriela, que é mestranda em Ciência Animal nos Trópicos na Universidade Federal da Bahia (Ufba).

Apesar da falta de orientação oficial, Gabriela acredita que, nesse momento, evitar o consumo desses produtos seria uma boa saída até que as circunstâncias sejam melhor esclarecidas. “Há uma grande variedade de outros tipos de snacks não processados que podem ser opções para os pets nesse momento crítico”. 

Naturais
É isso que a pesquisadora Rebeca Andrade costuma fazer com Frida. Raramente compra biscoitos e prefere frutas ou petiscos desidratados. Como a cachorrinha é alérgica e tem restrições alimentares, ler os rótulos com atenção é parte de sua rotina. Se considera que algum é muito evasivo ou pouco específico, é o suficiente para que nem seja comprado. 

A tutora de Frida, Rebeca Andrade, prefere oferecer petiscos desidratados ou frutas (Foto: Acervo pessoal)

Nas últimas semanas, porém, Rebeca diz que o cuidado redobrou. “Produtos conhecidos estão nessa lista e às vezes a gente acha que pode confiar por uma marca ser conhecida. Sempre procuro oferecer o menos industrializado possível para ela, mesmo ela amando uns biscoitos com sabor artificial, então às vezes eu mesma faço biscoito de aveia com banana e canela”, conta. 

A atenção redobrada também é rotineira para a estudante Ana Carolyne Barros, tutora do beagle Zero1, 2 anos, e da lulu da pomerânia Pandora, 1. Ela evita até rações com transgênicos e prioriza comprar produtos cujos ingredientes parecer tem a menor quantidade de substâncias químicas. “Sempre tive cachorro e sempre tentei prezar pela alimentação. Penso que é igual ao ser humano: o animal vai ser o que come”, explica. 

Ela costuma oferecer petiscos todos os dias, já que também usa para adestramentos e comandos. Sempre tem algum pacote na bolsa, no carro ou nas mochilas dos cachorros, mas prefere os naturais. Quando soube das mortes dos animais, a primeira coisa que fez foi conferir se tinha algum parecido em casa, para jogar fora. 

Ana Carolyne evita oferecer petiscos industrializados para Zero1 e Pandora (Foto: Acervo pessoal)

“Detesto petisco com ingredientes químicos e nomes mirabolantes que nem a gente sabe o que tem lá dentro. Então, se não está resolvido o que é seguro e como não comecei a dar fruta como petisco, porque não é nada prático para os treinos, fui procurar lojinhas no Instagram de pessoas que fazem petiscos naturais em casa e vendem. São naturais, sem conservantes e normalmente são feitos com aveia”. 

Como escolher
Na hora de escolher um alimento para o pet, uma dica é sempre conferir se o fabricante tem registro no Mapa, que é quem regulamenta as atividades. No caso da Bassar, a polícia investiga também a empresa Tecnoclean, que seria a fornecedora do propilenoglicol e não teria registro no Mapa. 

Na última quinta-feira (15), foi divulgada uma denúncia que teria sido feita pela A&D Química, que, por sua vez, vendeu o propilenoglicol à Tecnoclean. De acordo com a denúncia, a Tecnoclean teria solicitado um laudo forjado para encobrir irregularidades. A polícia investiga a informação de que a Tecnoclean sabia que substância que foi vendida não poderia ser usada na indústria alimentícia – nem de animais nem de humanos. 

A fábrica da Bassar foi interditada desde o dia 2 e, na última quarta (14), a Secretaria Nacional do Consumidor determinou que a empresa faça o recolhimento compulsório de todas as unidades dos petiscos Every Day e Dental Care. 

Segundo a vice-presidente do CRMV, é importante observar também se o produto está dentro da validade, quais são as condições de armazenamento (na loja onde for comprar) e as especificações para o animal. “O tutor deve conferir se aquele produto atende aquela espécie e raça, se a ração que está comprando é para gato, é para cachorro e para qual idade, se é filhote ou adulto”, ensina. 

Além disso, a médica veterinária Gabriela Lima diz que costuma orientar os tutores que priorizem produtos de empresas amplamente conhecidas. Segundo ela, há muitas marcas de rações e alimentos que seguem processos rigorosos de qualidade, o que minimizaria o risco de contaminação. 

“Não acredito que suprimir completamente o consumo de alimentos que tenham propilenoglicol seja a solução, principalmente quando o animal já faz o consumo rotineiro de uma determinada ração, inclusive para fins terapêuticos. A gente sabe e lamenta extremamente as mortes que ocorreram. Quem tem seu pet sabe o quanto eles são importantes e amados”. 

Nas prateleiras de petshops, é comum se deparar com petiscos naturais e industrializados. No entanto, nem sempre os naturais – aqueles sem componentes artificiais, como aromatizantes e conservantes – são necessariamente superiores aos industrializados, como pondera a médica veterinária. 

“Existem petiscos naturais hoje no mercado que são elaborados por empresas cadastradas no Mapa e formulados para atender as exigências de cada espécie, mas também tem industrializados para atender. Tanto o petisco natural quanto o industrializado precisam passar por um crivo de qualidade”, ressalta. 

Especificidades
O cenário ideal é seguir a indicação do profissional veterinário que acompanha o animal. Isso porque podem existir situações específicas, como doenças crônicas associadas, que devem ser consideradas na hora de escolher um alimento que tenha grandes quantidades de uma substância ou outra. 

“Às vezes a gente vê receitas na internet também, mas se o seu animal for diabético, por exemplo, você pode estar interferindo negativamente no tratamento dele. Tanto para a dieta caseira quanto a dieta industrial, um médico veterinário ou um zootecnista precisa indicar”, acrescenta. 

De forma geral, alimentos industrializados são seguros e facilitam a rotina das famílias, de acordo com a médica veterinária Gabriela Lima. Ainda assim, se o tutor estiver muito preocupado com riscos de alimentos com propilenoglicol, independente do fornecedor, ela recomenda a alimentação baseada em legumes que o animal tolere bem, a exemplo de pedaços finos de cenoura, beterraba e quadradinhos de maçã.

Assim, é importante buscar alimentos que os animais degustem e se sintam saciados. “Outra alternativa é premiá-los com a própria ração. Eu avalio que o prêmio é uma forma de atenção do tutor para com o seu animal. É um momento em que ele percebe que o tutor está levando um alimento até a boca dele. Não é ‘o quê’, mas o ‘como’ que a gente precisa validar e agradar na hora de fazer um elogio”, orienta. 

Químicos
Tanto o propilenoglicol quanto o monoetilenoglicol, que seria o contaminante, são álcoois. Lembram o etanol, mas ao invés de uma, liberam duas hidroxilas no processo de fabricação. A diferença é que um é muito mais perigoso que o outro, como explica o professor Rennan Araújo, doutor em Química e professor do Instituto de Química da Ufba. 

Segundo ele, o monoetilenoglicol é usado como anticongelante em automóveis. Trata-se de uma substância incolor e altamente solúvel em água. Assim, se ele estiver presente em uma solução, pode não ser percebido. Já o propilenoglicol também absorve a umidade facilmente, sendo missível – ou seja, possível de ser misturado – em água, etanol, éter, acetona e clorofórmio. Ele pode ser usado na indústria alimentícia em pequenas quantidades. 

“Só podem comprar (propileno) de empresas registradas no Mapa porque existe um controle de fabricante. Se você compra uma gasolina de terceiros, por exemplo, ela tem que ter baixo teor de benzeno e substâncias cancerígenas. Mas a partir do momento que foge do controle, você pode ter um produto com contaminante acima do normal”, diz. 

O professor reforça que cada empresa deve ter controles de qualidade. No entanto, nem sempre o ministério controla elementos químicos que também podem ter consequências a quem consome. “A gente trabalha aqui com controle de sódio e potássio que também não estão na lista do Mapa e podem causar hipertensão ao animal. Tem outras substâncias que deveriam ter uma legislação restritiva para aumentar o controle”, defende. 

Uma recomendação é sempre observar o animal depois de oferecer um alimento porque, ainda que os controles de qualidade sejam processos parecidos, há particularidades como de animais alérgicos ou intolerantes. 

“A indústria pet é uma das mais fortes que nós temos. A gente só perde para os Estados Unidos nesse comércio. Em 2020, o Brasil comercializou um total de R$ 27 bilhões nessa área e 22% desse valor está na alimentação dos animais, não só dos de estimação, mas também daqueles que vão para abate”, explica. 

Em caso de suspeita de intoxicação por alimentos contaminados, o Conselho Federal de Medicina Veterinária e os regionais indicaram uma conduta para o tratamento dos animais. Os sintomas incluem comprometimento hepático, diarreia, vômito, prostração e até sinais semelhantes a embriaguez, como andar cambaleante. 

Também foram observados eventuais sinais de agressividade, queda de temperatura corporal, respiração rasa e ofegante, convulsões e aumento de ingestão de água. Alguns cachorros morreram em menos de 72 horas após o início dos sintomas. 

A recomendação aos tutores é buscar um médico veterinário imediatamente. A depender do quadro clínico, o profissional pode indicar indução de vômito, lavagem gástrica, medicamento específico, hemodiálise, diminuição do edema pulmonar e terapia emergencial de suporte à vida. Além de exames detalhados, é preciso vigilância e monitoramento. Em caso de óbito, o CFMV orienta que os veterinários indiquem a necrópsia. 
 

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