InícioEditorialCirurgia criada na Bahia recupera pênis amputado com ereção e tudo

Cirurgia criada na Bahia recupera pênis amputado com ereção e tudo

Um jovem teve seu pênis arrancado pelo cachorro quando era um bebê, mas ainda sonha em ter uma vida sexual ativa. Outro rapaz, após um surto psicótico, decepa o pênis, mas se arrepende depois. Um garoto tem vergonha dos seus dois centímetros de falo e quer um aumento peniano. Um trans não quer ter só um órgão masculino, mas algo funcional. Todos estes homens queriam algo em comum. Eles desejam o prazer da ereção no meio de um caos aparente. E a ciência também opera seus milagres.  Graças a um procedimento criado e realizado na Bahia, além de inédito no mundo, a vida destas pessoas mudou: todos reconquistaram o prazer do pinto duro.

O procedimento é novo e apenas seis pessoas passaram pelo bisturi do médico Ubirajara Barroso Júnior, coordenador da disciplina Urologia na Universidade Federal da Bahia (Ufba) e professor da Escola Bahiana de Medicina. Todos foram feitos no Hospital das Clínicas, em Salvador, e de graça. Especialista em reconstrução genital, o doutor baiano criou um procedimento que promete revolucionar a funcionalidade do pênis.  Batizado de Mobilização Total dos Corpos (TCM, sigla em inglês), é possível crescer, reconstituir e possibilitar ereção no lugar onde, em alguns casos, não tinha nada. Ou quase nada.

Para entender como é este procedimento, pense em um iceberg – pode ser aquele que derrubou o Titanic. Na superfície, consegue-se ver a ponta do bloco de gelo. Porém, a parte que está submersa é bem maior. Assim é o pênis. O que se vê externamente é somente a parte de um órgão que tem uma porção bem significativa internamente, dentro do períneo. “Ou seja, dentro da pele que vai até perto do ânus e acaba se inserindo nos ossos da bacia”. Guarde bem esta informação citada pelo médico Ubirajara. Toda esta parte “submersa” é grande, mas boa parte dela fica colada na camada óssea.

Nas cirurgias comuns de aumento peniano ou reconstituição, é possível fazer só o procedimento na parte interna do pênis, próxima da superfície, utilizando muitas vezes de métodos artificiais, como próteses, para obter algum tipo de ereção. Até então, a significante parte colada no osso não era mexida, pois oferecia sérios riscos em caso de retirada. “Não era possível emergir todo justamente por conta desta fixação no osso, impedindo sair na sua totalidade. Nesta parte fixada, há uma circulação arterial, um vasinho que leva sangue e vai nutrir o órgão [na ereção, inclusive]. Mas este vaso é terminal. Se lesar ele, há uma necrose, uma perda do pênis. Não dava para desgrudar do osso sem danificar estes vasos”, explica.

Estes vasos passam por dois corpos cavernosos grudados no osso e servem como cilindros para ‘regar’ o pênis. Quando existe um estímulo sexual, estes vasos ajudam em todo processo do pinto duro. Contudo, eles estão grudados também nesta parte óssea. Arrancar de uma forma convencional era sinônimo de perda da ereção, pois danificaria estes vasinhos. Muito risco. Contudo, a cirurgia TCM encontrou um jeito de fazer isto. 

“Desenvolvemos uma técnica em que vamos por dentro do osso, descolando não somente esta estrutura do pênis, como também uma pequena parte do que chamamos de periósteo do osso da bacia. Isso faz com que os vasos sejam mobilizados juntamente e que não sejam lesados. É como se pegasse o conjunto completo, um bloco inteiro e desloca-se tudo”, conta o médico, lembrando da referência do iceberg.

“Quando tira toda estrutura, ele fica solto. Você pode levá-lo à superfície, como o iceberg mesmo, [que] tem uma pequena parte fora da água e outra submersa. É como se pegasse toda porção dentro da água e colocasse pra fora, ficando uma montanha grande. O que fazemos é justamente isso: pegar um pênis que está dentro do corpo e colocá-lo para fora do corpo. Este procedimento preserva a ereção, pois todas as estruturas do pênis estão ali, preservadas”, detalha.

Como os vasos cruciais para ereção também ficam na parte grudada do osso da bacia, a equipe médica resolveu retirar também uma raspa do osso. Para ilustrar, é como se fosse arrancar cabelo com o couro cabeludo, mas neste caso é o periósteo, uma espécie de primeira camada do osso. Ou seja, o vaso continua “achando” que está grudado na camada óssea. Não termina aí. Se toda estrutura está solta, onde vai fixar para que o pênis ereto consiga a penetração na relação sexual sem retornar para dentro do corpo? A fixação na bacia é para não ter este perigo de retração. 

De vermelho está a parte da estrutura do pênis colada ao osso

“Utilizamos este próprio osso que ficou colado no pênis para fixá-lo no púbis, fazendo com que ele não volte, não retraia. Se eu não tivesse esta forma de fixar o pênis, na hora da penetração ele viajaria e entraria novamente no corpo”, explica o médico. 
O primeiro caso foi feito recentemente, com um jovem que já havia passado pelos cuidados de Ubirajara. Ele teve seu pênis arrancado por um cachorro quando estava no berço, aos 8 meses de idade. Perdeu toda estrutura genital. Aos 11 anos, a família do menino procurou o profissional, que fez um retalho de pele, apenas para dar uma aparência de pênis. Mas nada dentro. Contudo, o garoto virou um jovem com desejos sexuais. Foi aí que surgiu o primeiro caso tratado com o procedimento.

“Teve este caso índice [o primeiro], do garoto que teve seu pênis arrancado pelo cachorro.  Não tinha nada mais o que fazer nem o que puxar. O que tinha de pênis estava grudado no osso, como já expliquei. Conversamos com a família sobre este estudo que estávamos fazendo e como seria o procedimento. Eles toparam. O menino está doido, já se masturba e tudo. Tem 23 anos, me disse que está namorando, mas ainda está um pouco inibido para ter a primeira relação sexual. Natural, é algo novo para ele. Mas é uma questão de tempo”, diz Ubirajara. O garoto, que não tinha pênis, ganhou 8 centímetros após a cirurgia. Tudo de forma natural. 

Trans
A cirurgia será um avanço para os trans, pois também é possível fazer a mudança do órgão e mantê-lo funcional (com ereção). Tudo graças ao clitóris. Trata-se de um pequeno órgão erétil do aparelho genital feminino, podendo ser visto, para melhor entendimento, como uma espécie de “pinto da mulher”. “No trans em questão, o gênero é masculino, mas o sexo biológico é feminino. A mulher tem o clitóris, que é um pênis em miniatura, com as mesmas estruturas que têm no órgão masculino. Como no período de transição do trans existe uma administração de hormônios, o clitóris fica um pouco mais robusto. Então, o que nós fazemos é como se tratasse algo ainda menor que o micropênis para poder fazer um novo órgão genital, preservando a ereção. O clitóris da mulher tem ereção. Ele endurece. Aproveitamos isso”, revela Ubirajara. 

Apenas um trans passou por esta cirurgia, há pouco mais de dois meses. O médico acabou de liberar a masturbação, e o paciente disse estar satisfeito, segundo Ubirajara. Por questões éticas, nenhum teve sua identidade divulgada. O processo cirúrgico do trans tem algumas etapas antes do procedimento TCM. Primeiro, é preciso estruturar uma uretra, para que o trans consiga, por exemplo, fazer xixi em pé. É realizado um enxerto com parte do céu da boca do próprio paciente.

Como ainda é um processo novo para a medicina, a cirurgia é delicada e leva tempo. Um procedimento TCM pode durar nove horas na mesa cirúrgica. A técnica inovadora nascida na Bahia já virou tema na revista científica International Brazilian Journal of Urology. Para quem tem estômago, é possível inclusive ver todo procedimento cirúrgico e detalhes sobre a cirurgia, que tem a equipe formada por outros médicos: Bruna Venturini, Eliakim Massuqueto, Filip Prado, Ana Castro e Hebert Santos, todos da divisão de Urologia da Ufba. 

O próximo passo agora é colocar em prática e realizar mais cirurgias, encurtando o tempo na mesa cirúrgica. Aos médicos interessados, em janeiro de 2023 haverá cursos sobre o procedimento. Basta procurar a equipe na Ufba. Curiosamente, toda pesquisa foi feita com cadáveres no IML Nina Rodrigues, se baseando em outra cirurgia, a Técnica de Kelley, que corrige uma má formação rara na bacia. Para quem precisa fazer a cirurgia, é preciso procurar o Hospital das Clínicas, no Canela, fazer um cadastro e regulação. Em seguida, entrará numa fila de espera, mas sem previsão de quando será chamado. A cirurgia é feita em casos de amputação, micropênis e trans. 

Na próxima segunda-feira, Ubirajara fará a sétima cirurgia TCM. O paciente será um caseiro que teve a roça invadida por bandidos, que trocaram tiros, e uma bala atingiu o pênis dele. Em alguns casos, é possível elevar o tamanho do pênis de 4 cm para 12,5 cm. “Esta cirurgia também tem seu caráter social, pois vai trazer de volta uma saúde psicológica para essas pessoas que estão perdidas e sem esperança. Tive um paciente que, num surto psicótico, decepou seu órgão. Recuperamos. Podemos ajudar a curar uma depressão profunda, por exemplo. Já existe um processo de mestrado para avaliar as consequências destas cirurgias na vida destes pacientes”, diz Ubirajara. 

Segundo dados do Ministério da Saúde, a amputação do pênis cresceu 1.604% no Brasil nos últimos 14 anos. A maioria dos casos é por causa de câncer. A Sociedade Brasileira de Urologia estima que 500 homens por ano precisam retirar o órgão devido à doença. Atualmente, existem outras formas de crescimento do pênis ou tentativa de reconstrução, como a faloplastia, que tem cobertura do SUS. Ela pode aumentar o pênis por meio de prótese, folha de silicone ou avançando o pênis, mas sem a parte grudada no osso, impossibilitando um crescimento maior. Alguns homens, inclusive, têm realizado este procedimento mesmo sem ter patologia, por caráter estético. Nestes casos, o urologista recomenda outro método: procurar um psicólogo.

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