Deixar para comprar quiabo de última hora pode se tornar um perrengue, principalmente às vésperas da celebração dos santos Cosme e Damião. Este ano, no entanto, a Feira de São Joaquim, que costuma concentrar muitos dos retardatários, esteve um deserto nas últimas horas antes do primeiro caruru como pede a tradição, desde a pandemia de covid-19.
Para o vendedor de quiabos Manuel de Jesus, 57 anos, a explicação está na alta de preços e no atraso da safra. Do mês passado para cá, o valor da iguaria subiu 33%. Segundo ele, até agosto, o cento custava R$ 15, agora sai por R$ 20. O aumento é de se esperar em épocas de festa, mas as subidas progressivas podem ter contribuído para espantar os clientes.
Além disso, os maiores volumes de chuvas retardaram a colheita de quiabo, impulsionando ainda mais o valor final. “Trabalho aqui a vida inteira e meu pai trabalhou antes de mim. Nunca vimos algo assim. O preço está nas alturas, os clientes não estão aparecendo e as poucas sacas de quiabos que vemos por aqui estão ficando”, afirmou o comerciante.
Os vendedores de quiabo também eram poucos. No local, a reportagem contabilizou cinco trabalhadores na primeira entrada. Outros seis foram vistos espalhados ao longo da feira. “Temos pouquíssima gente por aqui. Seguimos a demanda dos clientes e este ano vieram pouquíssimos. Uma hora dessas, há 3 anos, aqui estaria muito cheio, mesmo sendo de tarde”, lamentou José Oliveira, trabalhador da feira há 20 anos.
A reportagem chegou ao local por volta das 15h30 em busca dos retardatários. Entre os que somavam o movimento reduzido, descrito pelos comerciantes, estava Jandara Batista, 37 anos, acompanhada da sua mãe, Maria das Graças Batista, 57. A matriarca distribuía caruru no dia de Cosme e Damião desde 1985, ano em que a filha nasceu.
A promessa foi cumprida até Jandara completar 19 anos, quando assumiu a tradição que segue até hoje. Por isso, mesmo com as consequências da inflação sobre o quiabo, ela fez questão de garantir o produto para o caruru que distribuirá.
“O valor está alto, mas conseguimos um desconto de R$ 5 em relação aos preços oferecidos pelos outros vendedores, por causa da grande quantidade que pegamos [dois centos]. Não está fácil para ninguém. O preço subiu e prova disso é o movimento fraco aqui. Mas fizemos um esforço, porque a fé vem acima de tudo”, disse Jandara.
Enquanto para a Igreja Católica as figuras de Cosme e Damião são cultuadas e comemoradas no dia 26 de setembro, no Candomblé e na Umbanda são celebrados hoje, dia 27. Na religião de matriz africana, os irmãos representam os dois orixás Ibejis, filhos gêmeos de Iansã e Xangô.
Essas duas entidades que se amaram no passado, pediram uma criança e vieram duas, por isso, a tradição de distribuir doces. É uma forma de agradar os dois Ibejis. Este ano, no entanto, por causa dos preços elevados, a devota Juliene Martins precisou suspender o ato.
A solução encontrada para alimentar a fé foi fazer uma oferenda diretamente aos santos. “Não deixei de comprar o quiabo, mas comprei apenas o suficiente para pôr no altar. Infelizmente não conseguirei distribuir o caruru nem os doces, pois tudo está muito caro”, contou ela.
O mesmo fez a aposentada dona Dete – como prefere ser chamada -, de 70 anos. Desta vez, o caruru será degustado apenas pelos 15 convidados de uma reunião que ela fará em celebração. “Tudo caro. A gente tenta pesquisar, ir em um [vendedor], e em outro, mas não adianta. Como de jeito nenhum passaremos em branco, comprei esse saquinho menor de quiabo para fazer o caruru de almoço após a reunião que realizo todos os anos”.
Programação (27/9)
- Missas em celebração a Cosme e Damião
Local: Paróquia São Cosme e São Damião, no bairro da Liberdade
Horário: 5h30, 7h, 8h30, 10h, 12h, 15h30 e 18h.
- Procissão celebração a Cosme e Damião
Local: Saída da Paróquia São Cosme e São Damião, no bairro da Liberdade, até o Largo da Lapinha, retornando pela estrada principal da Liberdade
Horário: 17h
*Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo