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O débil mental

Tenho para mim que a mídia no sentido mais abrangente, incluindo os produtores de conteúdo e, também, os publicitários, assim como as autoridades que exercem cargos públicos e dela se valem para enviar mensagens, partem do pressuposto de que somos débeis mentais, talvez tenham razão, já que não reagimos às provocações e consumimos a mídia como quem come um sanduiche, no fast-food. O básico e nas versões combo.

Parei de assistir certos documentários faz anos, por conta dessas narrações dos dubladores com uma voz que revela no mínimo um tipo de idiotice, quando não a dramatização que não se enquadra no roteiro. Abri uma exceção certa feita e lá estava de novo um cidadão mergulhando com os tubarões e se dizendo apavorado com a situação, simulando situação de grave perigo. Ocorre que o intérprete com voz de abestalhado e o protagonista com trejeitos nada convincentes, passava exatamente o contrário. A trilha sonora pecava pelo exagero.

Das novelas e dramalhões mexicanos, ou sei lá de que origem seja que não assisto, passo a palavra a meu neto Lucas que um dia, faz tempo também, me questionou a respeito: “vovô que novelas são essas que parecem de mentirinha?” Referia-se a um dramalhão num canal de TV, novamente os dubladores, suponho, piorando o que já é ruim. E como se não bastasse o conteúdo de TV temos o drama dos comerciais na telinha e spots de rádio onde os protagonistas simulam situações de alienação mental; supostamente trata-se de bom humor, mas é humor de segunda, nem um pouco sutil, forçado. Ouvindo um spot outro dia com essa pegada me senti o próprio débil mental.

E sem falar nos discursos e frases “inteligentes” de nossas autoridades para justificar as besteiras que fazem, a falta de planejamento, desconhecimento da matéria, ou mesmo a falta de siso perante um questionamento da imprensa. Algumas dessas declarações são antológicas, melhor seria dizer anta-lógicas. Quem não lembra da frase de um certo ministro: “Deus é Brasileiro e deve trazer mais chuvas”, garantia do governo para reservatórios cheios mais tarde. E não há nenhum constrangimento em falar isso, imagina ele que há um débil mental do outro lado da TV.

A propaganda contribui todo dia com a sua cota de alienação e a gente sabe que isso acontece no pressuposto de que somos débeis mentais. A veiculada no rádio, nos jornais, na mídia exterior e na TV é mais escrupulosa. Não é o caso da veiculada na internet. Um exemplo disso é o segmento de receitas de cozinha, todas elas patrocinadas. Os influencers da área listam ingredientes que já sabemos são cancerígenos, ou no mínimo nocivos à saúde, do tipo caldo de galinha Knorr, extratos de tomate, leites de coco industrializados, temperos químicos, margarinas e outras barbaridades para atender as demandas do merchandising. E preparam pratos que cheiram mal só de olhar, a gente tem que substituir o extrato por tomates cozidos, o leite de coco por leite do coco ralado, o caldo de caixinha por caldo de galinha de verdade e assim por diante.

E os influencers gastronômicos fazem caras e bocas e simulam expressões de prazer gustativo que parece prazer na cama para que os débeis mentais que somos nós sejamos motivados a apreciar a receita, comentar e compartilhar para gerar maior audiência e maiores royalties. Não sou muito chegado ao saudosismo, prefiro olhar para a frente, mas repetindo o chavão de “no meu tempo…”, no passado, seguíamos as receitas de Dona Benta e outros livros de cozinha, com receitas legítimas. Comida de verdade.

Nelson Cadena é publicitário e jornalista, escreve às quintas-feiras

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