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Reféns do medo: Condomínio na Federação vira alvo de facções e apavora moradores

Facilidade para chegar ao boêmio Rio Vermelho e aos centros médicos e clínicas em Ondina, assim como a rapidez para acessar o Hospital Geral do Estado (HGE) e o Hospital Aliança, bem como a opção de fazer compras em três grandes redes de supermercado. As vantagens de morar no Conjunto Santa Madalena, às margens da Avenida Vasco da Gama, seriam inúmeras, não fosse a guerra diária do tráfico no entorno. Os moradores da região que tem 85 edifícios, no Engenho Velho da Federação, estão aterrorizados com os confrontos entre duas facções. Alguns proprietários querem sair, mas têm dificuldade para vender ou até mesmo alugar o imóvel. Eles relatam também que os assaltos viraram rotina.  

Quem chega ao Conjunto Santa Madalena e pega a pista da direita, entra na Rua Deputado Newton Mouta Costa, considerada o trecho mais perigoso. Basta andar um pouco para notar placas informando que apartamentos estão sendo alugados ou vendidos. Do início ao fim da rua são 15 edifícios que tem no fundo a comunidade do Forno, região dominada pela facção Comando Vermelho (CV), que vive em guerra com a Lajinha, do Bonde do Maluco (BDM). Segundo os moradores, cada prédio tem pelo menos um imóvel à venda ou para alugar, ou seja, 15 unidades vazias.

“Mas ninguém quer. As pessoas têm medo de vir para cá por causa dessa briga entre eles. Tem gente aqui que há muito tempo comprou dois apartamentos, um para morar e outro para alugar, e hoje não consegue nem a venda, tampouco o aluguel”, contou uma moradora. 

Todos os apartamentos no Santa Madalena têm dois quartos e, há três anos, eram vendidos por até R$ 170 mil. No entanto, a relação de proximidade do local com as comunidades e os tiroteios frequentes vem desvalorizando os imóveis, que atualmente são vendidos entre R$ 110 e R$ 150 mil, dependendo do estado de conservação. “Tem um [apartamento] aqui que ficou mais de um ano com a placa para vender e com o anúncio em um site. Parece que o dono desistiu por causa dos tiroteios e está reformando para aventurar o aluguel”, relatou outra moradora.  

Um homem que aluga um dos apartamentos do Santa Madalena confidenciou que busca outro lugar para viver com a família. “Não dá mais para aguentar isso. Eles passam por aqui a qualquer hora cheios de armas ou fugindo ou indo atacar os rivais. Estou aqui há uns 10 anos, mas nos últimos sete a morada aqui passou a ser arriscada. Tem dia que a gente não consegue dormir de tanto tiro que eles disparam. Às vezes, voltando do trabalho para casa, minha mulher pede para eu não voltar, com medo deles ou de uma bala perdida. Apesar de aqui ser perto de tudo, do meu trabalho, da escola dos meus filhos, eu vou sair”, desabafou.  

Reflexo do tráfico: imóveis chegam a ficar mais de um ano para serem vendidos

(Fotos: Marina Silva/CORREIO)

A reportagem esteve na Rua Deputado Newton Mouta Costa na segunda-feira, 17. Era por volta das 10h e não havia um pé de pessoa. À medida que a equipe se aproximava do final da rua, os poucos moradores que espiavam de suas casas, saiam das janelas. O clima ficou ainda mais tenso quando a equipe foi avisada para retornar a 100 metros de um largo que dá na comunidade do Forno. Uma mulher de passos largos que vinha em direção contrária informou que havia traficantes na entrada da comunidade. E, de fato, havia um grupo de jovens sentados em um muro com a atenção voltada para o carro da reportagem. 

Em um local fora do condomínio Santa Madalena, a reportagem conversou com a mulher que avisou do risco. “Eles são perigosíssimos. Não consideram nem os parentes que se metem na vida deles. Uma senhora que fazia jogo do bicho, da família de um deles, foi morta há um ano porque disseram que era informante da polícia”, contou. Ela relatou que semana passada o Esquadrão Antibombas da Polícia Militar foi chamado para retirar um artefato explosivo. “ Era uma granada que estava no largo, perto do último prédio. É por isso que as pessoas não querem vir pra cá e quem está aqui quer sair”, disse ela. 

Assaltos
Além dos tiroteios, os moradores sofrem com os assaltos na porta de casa. E não tem horário para acontecer, embora o período de maior ocorrência seja no início da manhã, quando as pessoas estão a caminho do trabalho.

“Eles abordam 6h, 7h, 8h, horário de pico. Tem gente aqui que nem o celular leva mais. Mulheres que não saem mais com a bolsa. Às vezes, quer ir para um local mais arrumado e sai usando algo mais simples e no local de destino veste a roupa que estava escondida na sacola”, contou um rapaz. 

Roubo de veículos é algo constante no conjunto. “Há dois anos levaram o meu carro. Botaram a arma na minha cabeça quando parei em frente ao meu prédio. Depois, fiquei sabendo, eles usaram o meu carro para roubar um delegado no Rio Vermelho. A polícia esteve aqui na ocasião, somente, e os roubos continuam. Quem tem moto não pode dar um vacilo que eles chegam junto, afinal, pegam para fazer outros assaltos”, relatou um morador.  

História

O Conjunto Santa Madalena foi criado em 1969. São 75 edifícios com oito apartamentos cada, distribuídos nas ruas Deputado Newton Mouta Costa e Padre Raimundo Machado. Um tempo depois da criação do Santa Madalena, surgiu o Conjunto São João, na Rua São João, que virou uma extensão do primeiro conjunto, com 10 prédios e oito apartamentos.

“Aqui não tinha nada disso que acontece hoje. Já tem uns sete anos que tudo começou, os roubos, furtos, meninos andando armados durante o dia, essa situação insustentável”, declarou uma mulher que reside há mais de 10 anos no local. 

Ela e outros que já residiram na região relatam que a violência cresceu após os traficantes da extinta facção CP (Comando da Paz) da Cangira, comunidade que surgiu nos fundos do São João, virar o Comando Vermelho (CV). “O tráfico sempre existiu, mas eles não mexiam com a gente. Era eles lá e nós aqui. Mas o pessoal novo que chegou na Cangira não quis saber de nada e começou a assaltar qualquer pessoa, em qualquer horário. Eles saem dos becos armados e passam por dentro do condomínio para se juntar com a turma do Forno e atacar os oponentes e nós vivendo esse terror diariamente”, disse um morador.

Há cinco anos, a Associação de Moradores adotou algumas medidas de segurança diante da inoperância do Estado: instalou refletores e câmeras e contratou o serviço de segurança privada. “Eles descobriram e destruíram tudo. Os moradores ficaram desanimados e desistiram de contribuir mensalmente. Sem dinheiro, os seguranças foram embora e hoje vivemos esse inferno!”, disse um morador.   

Traficantes destruíram câmeras e refletores instalados pelos moradores

(Foto: Marina Silva/CORREIO)

Desvalorização
De acordo com o Conselho Regional de Corretores de Imóveis na Bahia (CRECI-BA), a violência vem impactando o mercado imobiliário “de maneira muito forte”. “Hoje, a segurança é um dos maiores itens procurados pelo cliente. Primeiro a localização porque também se traduz o nível de segurança e logo depois os equipamentos que um condomínio tem para a proteção dos moradores. Então, quanto mais segurança, mais valorizado é o condomínio”, declarou Noel Silva, diretor do CRECI-BA. .  

Apesar de não tem conhecimento da situação no Conjunto Santa Madalena, ele pontua que o problema existe em outros locais de Salvador. “A situação é recorrente em outros conjuntos residenciais. Cabula, Pernambués, Jardim das Margaridas e Mata Escura têm problemas semelhantes”, enumera Silva. 

Segundo ele, a violência diária reflete no valor do imóvel. “A insegurança impacta negativamente na venda do produto, ocorrendo a redução do preço. Uma localização ruim, um entorno ruim, sujeito a episódios de violência, evidentemente, causam um impacto negativo.  Mas o fundamental é escolher bem a localização do imóvel, um condomínio com um bom nível de equipamentos de segurança, seja com câmeras, sistema de alarme, cerca elétrica, por exemplo”, explicou.

Guerra do tráfico

Ainda de acordo com os moradores do Santa Madalena, nos últimos dias os tiroteios têm se intensificado. No dia 02 de outubro, primeiro turno das Eleições 2022, um homem morreu e cinco pessoas ficaram feridas na Rua Apolinário Santana. No dia seguinte, um outro homem foi assassinado no bairro, na Rua Santa Martha. “Foram muitos disparos. Daqui dava para ver a correria deles pelos becos, com armas para cima. Até quando a guerra vai durar?”, indagou uma moradora. 

De acordo com fontes da Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA), no dia 2 traficantes do BDM mataram um parente do traficante Henrique, um dos líderes do CV no Engenho Velho da Federação, juntamente com Kell.  “O cara que morreu era sobrinho do Henrique. Ele era trabalhador, tinha uma barraca de frutas. Não entrava em nada. Estava passando, quando pegaram ele. Depois, o mesmo grupo atirou em outras pessoas”, disse um policial. 

Segundo ele, Henrique está fora da Bahia e Kell no exterior. “Mesmo assim, eles continuam exercendo um grande controle da facção e, ao que tudo indica, essa guerra está longe de acabar”, declarou. 

A reportagem foi à 7ª Delegacia, no Rio Vermelho, unidade que atende as ocorrências do Conjunto Santa Madalena. O titular da unidade, o delegado Nilton Borba,  disse que a Polícia Civil vem fazendo ações constantes no enfrentamento do tráfico de drogas no bairro. “Já prendemos diversos criminosos, apreendemos várias armas e grande quantidade de drogas e vamos continuar para garantir a segurança à população”, declarou. 

Sobre os assaltos, o delegado disse que há sete meses não há registro na delegacia em relação ao Conjunto Santa Madalena. “O caso mais recente foi em abril, quando um estudante da Universidade Federal da Bahia teve o celular roubado por dois homens em uma moto quando descia uma ladeira. Mas peço às pessoas que compareçam à delegacia para registrar as ocorrências para que possamos trabalhar em cima da mancha criminal”, disse o delegado.   

Em relação à insegurança relatada pelos moradores do Conjunto Santa Madalena à reportagem, a Polícia Militar informou que o policiamento em toda a região é realizado pela 41ª CIPM (Federação), com o apoio de unidades especializadas e equipes da Companhia Independente de Policiamento Tático (CIPT) Rondesp Atlântico, por meio de rondas de caráter preventivo ou mediante acionamento pelos canais institucionais (190 ou 181, sendo garantido o sigilo da fonte).

A PM disse ainda que “ressalta ser imprescindível o acionamento por qualquer cidadão que se depare com circunstâncias que fujam à normalidade do local, bem como o registro do fato em delegacia”.

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