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Vai fazer Enem? Tem gente que não…

Em 2016, 8.627.371 de pessoas se inscreveram no Enem. Neste fim de semana, haverá mais um dia de prova da edição deste ano, que registrou 3.396.632 de inscritos. Afinal, onde foram parar os alunos que pretendem fazer o Exame Nacional do Ensino Médio? Nesta crescente evasão no número de jovens que sonham com o acesso às universidades, motivos não faltam para explicar esse sumiço ano a ano. O principal deles engloba uma situação que poderia facilmente se encaixar em tema de redação: o Brasil está novamente no mapa da fome. 

Com dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão que aplica e desenvolve o Enem, a Universidade Federal do Rio de Janeiro divulgou um estudo que afirma: apenas 1 em cada 4 alunos de escolas públicas fez a prova de 2021, ou seja, cerca de 26% dos estudantes do último ano do ensino médio inscritos, incluindo a rede particular de ensino. Para a pedagoga e mestre em educação, Izzie Madalena, esta evasão pode até ter jovens que procuram outros caminhos ou que simplesmente não querem fazer, de forma voluntária. No entanto, a grosso modo, esta evasão é a ponta de um iceberg que esconde os reais motivos para tanta evasão. 

“Há uma série de fatores que colaboram para o aumento crescente desta evasão. Ao mesmo tempo que pode ser um desinteresse, é também uma falta de possibilidade. Para o Enem dar certo, é preciso uma série de outras medidas políticas para que o exame tenha êxito. Está faltando a criação de um pacote de políticas públicas que viabilizem o acesso de forma integral. Se o Governo [Federal] reduz em 60% a verba para ação social, necessariamente você vai aumentar a quantidade de jovens que voltam para uma realidade muito distante da educação, pois ele vai pensar primeiro em matar a fome”, disse Izzie, formada pela Unilab São Francisco Do Conde, graças a políticas públicas de ensino. 

“O jovem que necessita levar o pão de cada dia para dentro de sua casa, vai pensar por meio da viabilidade. O que é viável naquele momento? A alimentação, a moradia… Aquilo que deveria ser um direito básico da população, se torna uma conquista para poucos. Crescemos a quantidade de pessoas morando na rua e retornamos ao mapa da fome. Ao mesmo tempo, vemos uma evasão do Enem. Não é coincidência. Uma política pública vai retroalimentando a outra. Quando uma engrenagem para, afeta a todos, incluindo o Enem”, completa Izzie, que também atribui a evasão pela falta de aplicação das provas em cidades do interior. “Um estudante que mora numa cidade que não aplica a prova, provavelmente terá dificuldade de ir para outra cidade”.

A edição do Enem 2022 ainda não divulgou dados detalhados sobre o exame. Contudo, 2021 mostra que a diminuição dos inscritos são, na esmagadora maioria, de jovens com vulnerabilidade social. Segundo pesquisa do Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior (Semesp), 362,3 mil estudantes se declararam pretos no Enem do ano passado. Em 2016, o número chegou a ser de 1,1 milhão de inscritos pretos. 

O abandono do Enem também pode afetar a saúde mental do jovem, principalmente para quem está prestes a terminar o ensino médio e, além das dificuldades financeiras na família, também tem a sensação de incapacidade pela falta de preparo no sistema de ensino público. 

“A desigualdade no país cria na mente do jovem uma ideia de incapacidade, uma total desmotivação diante do grau elevado de dificuldade que ele enxerga no Enem em comparação com a educação que ele recebeu na rede pública de ensino. A pessoa passa a não ter perspectivas acadêmicas porque não se sente estimulada, incentivada e preparada o suficiente para tal caminho”, garante Alison Ribeiro, professor de psicologia da Unesulbahia e coordenador da Eduque Emoções.

“Isso contribui para uma condição de estresse, sentimentos de inferioridade, quadros ansiosos e depressivos e tudo isso acaba virando uma ‘bola de neve’, pois é uma forma de reforçar a desigualdade social no país”, complementa. 

Segundo dados do Inep, o Enem deste ano tem um número maior de pessoas que já concluíram o ensino médio em anos anteriores, quando o natural é termos um número mais expressivo de estudantes que ainda estão no terceiro ano, o último antes do exame. O estudante Pedro Henrique, morador de Camaçari, decidiu não continuar sua vida de estudante após a conclusão do ensino médio. Não fará o Enem, assim como seu irmão mais velho. Ambos ajudam no negócio da família, um mercado de bairro. 

“Além de pensar em manter o legado, não me vejo continuando a estudar, principalmente para o Enem. Vai levar meu tempo que eu coloco no mercado. Talvez no futuro posso pensar em fazer algo como administração, mais pelos negócios da família mesmo. Não agora. Lá na escola a maioria não vai fazer também”, alega Pedro, que terminará o ensino médio na rede pública de ensino. 

Por mais que pareça absurdo, o jovem tem o direito de escolha, principalmente quando resolve percorrer um caminho contrário ao natural, neste caso, o Enem. Claro, quando estas escolhas não envolvem motivos sociais e de exclusão, é preciso entender a decisão do jovem. “O Enem passa a ser um fator associado ao adoecimento psíquico quando o jovem começa a receber pressões internas e externas para alcançar certos resultados, entrar em certas universidades ou cursar certas graduações”, diz Alison Ribeiro. 

“É importante entender que muitos jovens escolhem outros caminhos e, desde que essa escolha seja de forma consciente, fruto de uma análise aprofundada de como se pretende viver a vida, essa escolha deverá ser respeitada. Em minha carreira profissional, eu vejo muitos jovens que negam fazer o Enem porque pretendem seguir os passos dos pais, cuidar dos negócios da família, morar fora do país, entre outros…”, completa.  

Alternativas
Para quem não pretende fazer o Enem, mas quer aperfeiçoamentos para o mercado de trabalho, a solução pode estar nos cursos profissionalizantes. O Instituto Federal da Bahia (Ifba) oferece 41 cursos técnicos presenciais, além de 11 cursos técnicos na modalidade à distância. Cursos que vão desde a área de Informática a Técnico em Alimentos. Isto serve até para quem já está na faculdade. 

“O público que procura o curso técnico é formado por jovens, principalmente de classes sociais menos favorecidas, que buscam uma rápida inserção no mercado de trabalho. Muitos jovens que estão fazendo o Enem também buscam o ensino técnico, pois possibilita uma profissionalização para ter uma renda enquanto cursam a faculdade. O Ifba tem uma ampla oferta de cursos técnicos, principalmente na área industrial e tecnologia. O acesso é através de seleção pública”, explica o diretor do Ifba de Santo Antônio de Jesus, Lucio Mauro Borges. 

Segundo pesquisa do Senai em 2021, as grandes empresas procuram mais jovens com nível técnico nas áreas de eletrotécnica e eletromecânica. Cada curso dura em média 1 ano e meio, muito menos que um curso de graduação. O salário médio é de R$ 4.500.
 

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