Abertura de Copa do Mundo. Esperava-se grande festa, que veio no pré-jogo. Com muitas ressalvas, ao menos ao meu gosto. Em pleno dia da Consciência Negra, sofremos um #tbt negacionista ao reouvir a voz de Morgan Freeman. Ao menos o discurso foi mais pra documentário mala que pra desensinamentos. Confesso: não prestei muita atenção – nem a ele, nem a toda a cerimônia. Vi apenas de relance o Zé Gotinha voando pelo céu de Doha. Bacana.
Mas desde que em 2006 o país-sede passou a abrir a Copa, o pontapé inicial perdeu uma parte do charme. Uma das maiores mobilizações mundiais era torcer para ver o campeão mundial cair na estreia. Roger Milla derrotando a Argentina em 90, Diop arrasando a França em 2002, ah!, quanta festa! Aquele fluxo gostoso de energia negativa, capaz de redefinir as forças ludopédicas e unir o planeta contra o maioral.
Faz sentido esta mudança, no entanto. É uma premiação ao país-sede fazer-se protagonista do primeiro jogo. Ainda mais depois que tantos esforços e recursos foram empenhados para organizar o maior evento esportivo do planeta.
Bate no peito o local. Vejam o meu instrumento musical novo. Drones voam pelos estádios, rasantes ao pôr-do-sol, emprestando cores e brilhando os olhos de quem vê.
No entorno, sobram obras inacabadas, problemas de mobilidade, pobreza escondida em tapumes. O que os olhos não veem, o coração não sente. Disso sabemos eu, você, os organizadores, patrocinadores, todos. Suspeito de que seja parte do mise-en-scène, de um acordo tácito entre países-sede para o que o antigo não se sinta assim tão mal pelas falhas estruturais. Além de ser prato cheio para as matérias que mostraram ‘o outro lado’ da Copa.
Se em 2006 e em 2014 vimos titãs do futebol abrindo a Copa em casa, nos outros, bem, o futebol não foi lá essas coisas. E talvez seja esse apelo menor o que causa o sentimento ainda não difundido de que vai ter Copa.
Mas o torcedor é antes de tudo o otimista. No que abri mão de afazeres para acompanhar com afinco a primeira partida. Que criou o primeiro herói de sua edição: o atacante equatoriano Enner Valencia.
Foi dele o primeiro gol da Copa, anulado por impedimento captado pelo VAR. Foi ele quem sofreu o pênalti e ele mesmo quem cobrou para abrir o placar. E foi dele o segundo do jogo, dando números que seriam finais ali pouco após a metade do primeiro tempo. Era Valencia contra a rapa.
Já se previa um passeio equatoriano no Al Bayt, o imponente estádio da abertura, mas de onde menos se espera é que não vem nada mesmo.
Se nos primeiros 30 minutos vimos a excitação tomar conta na expectativa da goleada, o que tomou conta depois foi… o sono. Qual o quê! Chovia gostosamente em São Paulo, a temperatura caiu, entrava uma brisa marota pela janela. Sabe como é, né? O olho pesou e…
Durante o que se dizia futebol, torcedores equatorianos cantavam no estádio que queriam suas cervejas. Sabedoria popular. Era necessário goles extras de álcool para aguentar o deixa-que-eu-deixo que se arrastou até o apito final.
Se quem estava lá, ao vivo, não estava aguentando, quem sou eu pra me fazer de forte? Não aguentei.
No que sugiro para as próximas Copas uma junção das aberturas possíveis: que o jogo 1 seja entre o anfitrião e o atual campeão do mundo. O que seria preferível em 2026: um Canadá x Austrália, ou um Canadá x Brasil?
Problema vai ser se o país sede for um titã da mesma monta. Mas deixemos este problema lá pra 2030. Enquanto isso, vai ter Copa, cochilo, clichês, heróis, vilões e muita história pra contar.
Gabriel Galo só perde um cochilo em casos extremos.