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Fé, oração e caminhada sob o sol: relembre os melhores momentos do Bonfim

De um lado, uma fiel católica segura o crucifixo enquanto pede bênçãos. Do outro, uma devota dos orixás, vestida de branco, amarra a fitinha do Bonfim no pulso. No meio, a repórter, que não é nem de uma crença, nem da outra. Mas, na Festa do Bonfim, mesmo a mais cética das criaturas não é capaz de afirmar que não sente o impacto das demonstrações de fé e emoção.

Após dois anos com o cortejo suspenso devido a pandemia da covid-19, já era esperado que milhares de pessoas se deslocassem para a Conceição da Praia, nesta quinta-feira (12), onde desde às 6h, os fiéis já se reuniram mesmo debaixo de um leve chuvisco, no Santuário de Nossa Senhora da Conceição da Praia. A procissão teve o maior público dos últimos anos antes da covid, segundo os organizadores da festa. 

Emocionado, com as mãos em reverência diante da imagem do Senhor do Bonfim ainda no início do trajeto, o bancário Francisco Silva, 60, conta que sentiu um vazio nos dois últimos anos em que a procissão não ocorreu. Ele, que vai ao festejo desde pequeno, não sabe descrever a sensação de retomada: “É uma celebração muito bonita, parecia que faltava alguma coisa [durante a pandemia], mesmo eu sendo devoto do Senhor do Bonfim e indo todo final de semana na igreja”. 

Devotos se emocionam, em cerimônia religiosa

(Fotos de: Marina Silva / CORREIO)

Uma das ‘tradições da festa’ que nunca muda é justamente a chuvinha no início da caminhada. “Vai chover?”, perguntou um devoto. “Você não conhece a festa, não? Todo ano dá uma chuvinha e depois vem o sol ‘de lascar’”, respondeu outro. 

Para quem conhece o Bonfim, uma das novidades desse ano foi o uso de máscara facial adotado por alguns fiéis. Fora isso, o sol de fato logo apareceu e foi sob um calor de 32° C – que parecia bem mais – que os devotos e ‘céticos curiosos’ seguiram em procissão, com direito a cantoria, oração e a já esperada paletada de mais de 6 quilômetros – que na lenda urbana das tradições festivas de Salvador viraram 8 – até a Colina Sagrada.

Sob o já icônico grito de estímulo “quem tem fé, vai a pé!” [slogan de uma das antigas campanhas da festa que colou no léxico do baianês], a caminhada até a Igreja do Nosso Senhor do Bonfim começou em clima de celebração, às 7h, quando a imagem do padroeiro, levada de barco para a Conceição na véspera, finalmente aponto no adro da igreja. 

No caso dos mais penitentes, parte do caminho até o Bonfim é feito de joelhos. A mesma fé quem, diz o ditado, move montanhas, é que estimula os devotos a subirem a Colina Sagrada. 

Sagrado Fitness
De tênis, roupa de academia e boné, grupos de caminhada aproveitaram a festividade para unir a fé com a atividade física. Bem preparada, a professora Marize Souza, 58, ainda levou máscaras extras e saiu distribuindo. “É a minha primeira vez aqui. Antes só via pela televisão. Já fiz minhas preces ao Senhor do Bonfim”.

No meio do caminho, nem os mais velhos se entregaram ao cansaço. “Essa caminhada não é nada se comparado ao que Ele nos dá. É cansativo para as pernas, mas não para a mente e o coração”, garante o cinegrafista, Carlos Alberto, 63. 

Ao lado da esposa, ele contou que estava na Festa do Bonfim para agradecer. “Durante a pandemia, eu estive na igreja todos os dias pedindo por saúde para minha família e ele me atendeu em cada pedido. Curou o câncer dos meus três cunhados”, conta. 

Pedidos é o que mais de escuta no cortejo. No meio da multidão, uma voz repetia: “Senhor do Bonfim cuida da minha mãe, cura minha mãe”. Ao olhar para trás, me deparei com uma mulher vestida de branco, em posição de súplica na direção da imagem e com os olhos cheios de lágrimas. Impossível não me comover.

A mulher em oração era a autônoma Izabel de Jesus, 60, cuja mãe, de 82, caiu e quebrou o fêmur. “Passei por muitas coisas e estou agradecendo a Deus por hoje estar aqui. Quero que minha mãe fique boa. Estou cansada, super cansada, mas estou aqui para agradecer e pedir que ela ande. Sou eu sozinha para tudo e fica difícil. Tenho fé e acredito nele, minha mãe vai ficar boa”, ora. 

Pedidos mais ouvidos por ítalo são de prosperidade e saúde

(Foto: Esther Morais/ CORREIO)

Para Jesus e Oxalá
Enquanto os católicos reverenciam Senhor do Bonfim no cortejo, muitos seguidores do candomblé homenageiam também Oxalá. Vestidas de branco e com as jarras de água de cheiro, as baianas seguem perfumando os caminhos da procissão. 

“Quer um banho de axé, amiga?”, me pergunta uma pessoa. “Estou dando banho de axé para o pessoal. É para trazer prosperidade a quem precisa”, acrescenta Ítalo Ferreira, seguidor do candomblé. Pela primeira vez na festa, ele diz que ficou feliz pela atmosfera de reverência à ancestralidade e pela união entre os povos. “É emocionante estar aqui. Muito bonito. Estou adorando que independente da religião, está todo mundo unido. Todos muito felizes”. 

A fé, como bem lembrou ítalo ao falar da ancestralidade africana, é herança familiar. É neste momento que os pais e mães instruem os filhos no caminho da devoção. De vestes brancas e com as contas coloridas do seu orixá, Wenderson Cruz, 13, tentava passar pela multidão. Ele foi à festa com a mãe: “É bom, mas é muito apertado. Só que tenho que agradecer porque superei a covid, uma doença que matou milhares de pessoas. Preciso agradecer ao Senhor do Bonfim”, disse.

Público recorde
A segunda quinta-feira do ano pode até ser como qualquer outra para o resto do Brasil, mas em Salvador, só quem vai até a Cidade Baixa – e olha que dá pra encontrar até quem venha da França participar – entende a beleza do cortejo que sai da Basílica da Conceição da Praia e se estende até a lavagem das escadarias do Bonfim. 

Com roupa colorida, sem saber o que era a fitinha do Bonfim e que o costume é usar branco, Bianca Junqueira, 35, que nasceu no Brasil mas mora na França, veio para Salvador a passeio e encontrou o festejo. “É muito bom, eu vou morar aqui”, disse ela, rindo. “O que mais gostei foi do [afoxé] Filhos de Gandhy e, claro, ver a imagem. Agora estamos subindo a Colina para pedir e agradecer pela vida”. 

Os organizadores da Festa do Bonfim deste ano afirmam que o cortejo de ontem bateu recorde de público, embora não tenham o número exato de participantes. No início da manhã, o reitor da basílica, o padre Edson Menezes da Silva, tinha a expectativa de reunir mais de 2 milhões de pessoas, praticamente o público dos circuitos do Carnaval. 

Devido à movimentação, a igreja do Bonfim, na Colina Sagrada, foi cercada com um gradil. Diferente dos anos anteriores, os devotos não puderam acompanhar de perto a tradicional lavagem do adro. Apenas uma das laterais da entrada principal foi liberada para que os fiéis pudessem amarrar as fitinhas e fazer pedidos. Sem poder se aproximar, muitos se encostaram na grade, coberta com um pano branco, para fazer suas orações. Policiais ficaram nas escadarias do templo para evitar que as pessoas se aproximassem do espaço.

O reitor explicou que isso aconteceu para manter a organização do evento. Desta forma, todas as pessoas poderiam ver a cerimônia, uma vez que dentro do adro quem está fora não consegue acompanhar a festa com detalhes. 

“Estou vendo manifestação bonita das pessoas, sorriso estampado no rosto de cada uma. Felizes, com sentimento profundo de gratidão ao Senhor do Bonfim. Estávamos com saudade”, disse o padre. 

Festa segue até domingo, veja programação: 

Sexta-feira (13/01):

19h: Oitava noite da novena
Subtema: Glória a Ti, amado Jesus, Senhor do Bonfim, videira verdadeira. (Jo 15, 1-12)
Pregador: Dom Valter Magno de Carvalho, bispo auxiliar da Arquidiocese de São Salvador da Bahia
Convidados: Santuário Santa Dulce dos Pobres

Sábado (14/01):

19h: Nona noite da novena
Subtema: Glória a Ti, amado Jesus, Senhor do Bonfim, nosso mestre e Senhor. (Jo 13, 12-20)
Pregador: Padre Gilson Magno dos Santos, Capelão da Capela de Nossa Senhora da Vitória – Canela
Convidados: Paróquia Nossa Senhora da Penha de França

Domingo (15/01):

5h: Alvorada
5h, 6h, 07h30, 9h e 15h: Santa Missa
10h30: Santa Missa Solene presidida por Dom Sérgio da Rocha, Cardeal Arcebispo Metropolitano da Arquidiocese de São Salvador da Bahia.
No final da Celebração Eucarística, Dom Sérgio dará a Benção Apostólica com Indulgência Plenária.
16h: Procissão dos Três Pedidos
Local de saída: Igreja Nossa Senhora dos Mares (Largo dos Mares)
Chegando na Colina Sagrada, os fiéis serão convidados a dar três voltas em torno da Basílica Santuário Nosso Senhor do Bonfim, fazendo três pedidos. O momento será finalizado com a bênção do Santíssimo Sacramento e queima de fogos de artifício.

*Com a orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo

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