O que eu sei é que até pra ser terrorista a pessoa precisa de estilo. Quesito, entre tantos, no qual também falharam, miseravelmente, os viventes que invadiram as sedes dos três poderes, na capital federal, semana passada. Aos gritos, histéricos, repetindo as incríveis palavras de ordem “porra” e “caralho”, defecando em cima de mesa, quebranu as coisa tudo e roubando o que dava, eles fizeram um negócio que a gente conhece bem: quando é de pobre, pelo menos, é “arrastão” que fala. Agora, evidentemente, muitos deles se somam à população carcerária – já numerosa – criando, assim, mais um problema para a nossa sociedade. Inclusive, onerando o Estado. Estou falando dos extremistas autointitulados “patriotas”, claro. Realmente, que belo trabalho.
A mistura de chopada de medicina, farra do boi, excursão da terceira idade e rebelião de penitenciária pretendia “tomar o poder”, “tirar esses bandidos daê”, e ocupar o “isso aqui é nosso, porra”. Motivados, estavam, não podemos negar, dá pra ver nas imagens. Mas quem lidera pessoas sabe que motivação é apenas um dos elementos para o sucesso da equipe. As criaturas precisam saber o que fazer quando estiverem motivadas. Depredar o “isso aqui é nosso, porra”, por exemplo, é de uma contradição assustadora. Elementar: quer dizer que, se as pessoas que queriam “ocupar o poder” de lá não fossem retiradas, não sobraria um pedaço de concreto da sede do Governo Federal? Nem cadeira, nem mesa, nem nada? Como é isso? Que sentido faz?
No caso dos “terroristas” daqui, parece que ninguém explicou a eles mesmos o significado do que eles mesmos falam. Noções básicas do sentido de “amor à pátria”, “ocupação”, propriedade pública, propriedade privada, de quem é o quê e tal teriam ajudado. Porque, ao que parece, eles acharam que era tudo de Lula e Xandão, tipo a casa deles, e desceram o sarrafo, na força do ódio. Até nas obras de arte (aí no que dá a falta de educação artística na escola), nos vidros, no mobiliário. Sobrou pra tudo e todos, sem que qualquer tipo de raciocínio lógico pudesse ser identificado.
(É óbvio que, no meio da horda, devia ter gente roubando a arma “certa”, o documento “certo”. Talvez, queimando o arquivo “certo”, enquanto os doidões chamavam a atenção com a papagaiada. Mas, divago.)
Além de criminosa, a ação foi de um ridículo provavelmente insuperável. Um dos motivos pelos quais, agora, nem direita, nem esquerda, nem centro, nem – pasme! – a própria extrema direita quer a vergonha de estar associada ao ato. Quem é doido? Só sobraram mesmo Regina Duarte, Victor Fasano e mais uns três gatos pingados achando massa. A filha de Regina – que, inclusive, vinha sendo bem paciente – chegou ao “agora basta” e cometeu a excomunhão contemporânea, parando de seguir a própria mãe nas redes sociais. Nem o ex-presidente elogiou o arrastão, pelo menos publicamente. Ou seja, é grave.
Ninguém quer os vândalos de Brasília, temos esse fato. Agora, a mendicância ética e intelectual vaga nos presídios reclamando da força policial que sempre exaltaram e exigindo os “direitos humanos” que sempre acharam desnecessários. Dizem que a comida tá ruim, que as condições da detenção estão precárias. Fazem vaquinha para pagar fiança e advogados. Teve um que disse que tentou “salvar a pátria” e que agora é isso: tá lascado. Quando estava lá, achou o arrastão “melhor do que show de rock”. Então, pronto. Tudo certo. Que aproveite a ressaca.
Datafolha fez pesquisa e divulgou que 93% dos brasileiros condenam o arrastão. Ufa, que alívio! Nos 7% que sobram, há aqueles que “não querem, não sabem, não podem responder”. Então, isso quer dizer que, menos de 7% da população brasileira gostaram da presepada. Menos de 7% não entendem que a pessoa pode ser de direita, pode ser de esquerda, pode ser conservadora, pode ser liberal e que isso não é um problema. Menos de 7% dos brasileiros não entendem que as pessoas são livres para se alinharem à proposta política com a qual mais se afinarem e que essa não é uma questão. Menos de 7% das pessoas deste país detestam o fato de que vivemos em uma democracia e não cansam de atacá-la.
Uma minoria absoluta. Uma insignificância que começamos a conhecer pelos nomes e daqui a pouco é capaz de sabermos todos de cor. Acabei de ler que a “vovó-quebra-tudo” – que ficou famosa pelos vídeos em que “quebrava tudo” no arrastão – tem denúncias por falsificação, estelionato e já foi condenada por tráfico. O nível é esse aí. Colheram fezes, urina e sangue no local dos crimes para que outros “terroristas” – além dos que já estão presos – possam ser identificados. Esse povo espancou um cavalo, jogou mobílias pela janela, destruiu obras de arte, vandalizou patrimônio público. Esse povo chama isso de “manifestação” e acha tudo natural.
Eles são menos de 7% da população. Os outros 93% votaram em Lula, em Bolsonaro ou nulo. Ou nem foram votar. São a favor ou contra a legalização do aborto, a favor ou contra e descriminalização da maconha, são religiosos ou ateus. Gostam de sertanejo ou MPB, são a favor ou contra as privatizações. Provavelmente, sabem o que são manifestações pacíficas, debates de ideias e construções. Nesses 93%, mora a normalidade do jogo político que nos apaixona, nos exalta, nos diverte e até nos causa desafetos, mas não nos destrói. Porque é essa a metáfora daquele arrastão, daquelas pessoas: destruição, descontrole, caos. Decadência ética e moral. Aquela é imagem da nossa pior parte. A parte mais desprezível. A escória. Aquele foi o “grande ato” da escória e 93% dos brasileiros entrevistados o repudiaram. Que bom. Que os “terroristas” sigam sozinhos e paguem pelo que fizeram. Aqui fora, segue o Verão e o baba democrático.