As cenas de radicais invadindo as sedes dos Três Poderes, em Brasília, no último domingo (8), não foram assistidas com perplexidade apenas por brasileiros. As imagens colocaram o mundo em alerta. “Tenho escrito sobre esses perigos há anos. Alguns brasileiros sabem disso, mas agora todos têm que reconhecer, porque isso é muito sério”.
Quem diz isso é o professor Jason Stanley, docente do Departamento de Filosofia da Universidade de Yale (EUA) e um dos principais estudiosos do fascismo na atualidade. Para Stanley, que é autor do bestseller internacional Como funciona o fascismo: a política do “nós” e “eles” (L&PM, 2018), as Forças Armadas brasileiras precisam garantir que apoiam a democracia.
Em seu livro, ele fala sobre os perigos de normalizar o fascismo. “As pessoas começam a pensar que o fascismo é parte da vida política normal e se voltam contra a democracia”, diz. Por telefone, ele conversou com o CORREIO na última terça-feira (10), e comentou a situação no Brasil, os riscos à democracia e como promover o inverso – ou seja, desfascistizar o país.
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Confira os principais trechos da entrevista
Como o senhor vê o que aconteceu no Brasil não apenas no último domingo, mas nas últimas semanas? Alguns apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro que não aceitaram o resultado eleitoral estavam acampando em Brasília desde outubro. Na diplomação de Lula, atearam fogo a ônibus e tentaram explodir uma bomba perto do aeroporto.
O que precisamos observar é o quanto tem a ver com os militares e a polícia. Os golpes que têm sucesso têm os militares com eles. Todos estão felizes que passou, mas me parece que é algo que vai continuar acontecendo por um tempo.
O fascismo na América Latina está ligado a ditaduras. O Brasil é uma democracia jovem, que teve uma ditadura militar muito recente. Então, Bolsonaro passou toda a sua administração agindo como se aqueles anos no Brasil tivessem sido anos maravilhosos.
Mas mesmo antes de Bolsonaro, vocês (brasileiros) tinham pessoas falando atacando Paulo Freire, toda aquela coisa anticomunista e histeria fascista. Vocês também têm uma extrema-direita cristã pentencostal em que muitos não condenaram o que aconteceu. Então, vocês têm todos esses elementos na sociedade brasileira: os militares, os cristãos.
Em todos os países, a extrema-direita está sempre tramando. Bolsonaro, ainda bem, só teve quatro anos, mas passou todo o tempo falando sobre como a ditadura foi maravilhosa e isso vai soar atrativo para os militares.
Oficialmente, os militares não falaram nada. Isso vai continuar acontecendo e não precisa realmente de Bolsonaro, honestamente, porque ele criou essa nostalgia pelo fascismo.
Você diria que as pessoas que invadiram o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal e o Planalto são fascistas? Podemos dizer isso?
Certamente podemos. Lula disse. Isso é o fascismo latino-americano. Os brasileiros fascistas de 1930, com Plínio Salgado, eram católicos reacionários. Agora eles não são católicos, mas pentecostais.
É possível dizer que Bolsonaro e seus apoiadores são fascistas?
Ele é um fascista. Se ele não é fascista, quem mais seria? Olavo de Carvalho (astrólogo e guru da extrema-direita, morto em 2022) era como um teórico fascista.
No seu livro, o senhor fala sobre a normalização da ideologia fascista. Qual é o perigo de normalizar o fascismo?
As pessoas começarem a pensar que o fascismo é parte da vida política normal e se voltarem contra a democracia. Você vê que eles se voltam contra minorias, contra a população LGBTQIA+. O fascismo trata o sistema como “quem está na festa do líder”. Os tribunais podem mudar porque as pessoas na festa do líder podem fazer o que querem. Não existe mais lei, apenas a norma do líder carismático que está falando sobre a ameaça da masculinidade pelas minorias, pela população LGBTQIA+.
Em seu livro, Stanley fala sobre o perigo de normalizar o fascismo (Imagem: Reprodução) |
De que maneira fascismo e nazismo são diferentes atualmente do que costumavam ser no século passado?
São estruturas antidemocráticas de extrema-direita. O modo como eles funcionam é dizendo que os marxistas vão tomar o controle, que as feministas vão tomar o controle, que a igualdade para as minorias são ameaças aos valores tradicionais. Os movimentos fascistas adotam várias formas diferentes. O nazismo era na Alemanha, o fascismo na Itália. No Brasil, você teve a ditadura militar. Cada país vai ter sua própria forma de fascismo.
O que aconteceu na ditadura? Assassinatos, torturas, governo de extrema-direita que usavam a estrutura do governo para enriquecer e diziam que precisavam fazer isso. Existe fascismo no Brasil desde 1930. Então, vocês não deveriam comparar com o que os alemães fizeram, mas com a ditadura.
O fascismo é um movimento global. (Plínio) Salgado foi um político oficialmente fascista que pegava tudo de (Benito) Mussolini. Então, o fascismo é uma vertente antidemocrática da extrema-direita que diz que não podemos ter democracia porque, se tivermos, a esquerda vai tomar o controle. Defendem que precisamos preservar a nação e que, para isso, vamos sequestrar, torturar, acabar com os direitos das mulheres. Você não precisa falar alemão para ser nazista.
Em seu pronunciamento, no domingo, Lula chamou os invasores de nazistas e fascistas. Mas ele não foi o único que trouxe o tema: em uma de suas decisões sobre os atentados, um dos ministros do STF (Alexandre de Moraes) disse que não deveríamos mais apaziguar com extremistas, como foi feito entre o então primeiro-ministro inglês Neville Chamberlain e Hitler. O que podemos entender a partir das falas deles?
Eles estão falando a realidade. Mas não precisariam olhar para a Europa. A América Latina teve ditaduras fascistas seguidas de ditaduras fascistas. O Chile teve (Augusto) Pinochet. Vocês tiveram a ditadura militar. A ditadura foi um regime antidemocrático de extrema-direita que torturou, usou violência extrema contra seus oponentes e suspeitos.
Não tinha um líder carismático como Pinochet, Mussolini e Bolsonaro, mas ainda era uma estrutura fascista e tinha suporte de apoiadores conservadores religiosos. Estamos vendo isso agora de novo, Bolsonando usando pessoas religiosas.
Vimos alguns vídeos dos invasores orando e cantando para Deus antes de invadir os prédios no domingo. Muitos foram apontados como pastores ou líderes evangélicos em geral. Como o senhor vê essa influência?
Vi um tweet de uma pesquisadora que falava que isso foi planejado nas igrejas. O fascismo brasileiro de Salgado já era cristão, mas católico. Esse não é católico, mas parece evangélico. E, nessa conexão, o fascismo consegue ligar interesses corruptos com religiosos.
Os evangélicos têm essa visão conjunta de democracia como uma ameaça porque permite pecados, então eles precisam de um líder macho e forte, que vai garantir que os valores conservadores serão preservados, que suas crianças ficarão a salvo dos LGBTQ.
Muitas pessoas no Brasil têm falado da importância de desradicalizar o Brasil agora. Como isso pode ser feito? O que podemos aprender com a desnazificação da Alemanha?
Valores democráticos têm que ser ensinados na escola desde cedo até os anos finais. Não pode existir nenhuma pretensão no sentido de que aqueles anos de ditadura tenham sido nada além de um pesadelo no Brasil. E todos devem estar comprometidos com o Brasil.
Desnazificação é um pouco confuso, porque não necessariamente punem as pessoas. Mas é preciso fazer algo a respeito. Acho que as igrejas de extrema-direita são um problema. Existem algumas iniciativas de que, se você tem dedução de impostos, não pode envolver política.
Punir os líderes ajuda, mas você tem que ter prestação de contas. Acho que os militares estavam envolvidos de alguma forma, ainda que não totalmente, e também a polícia local. Vai ser difícil porque os apoiadores de Bolsonaro foram muito bem nas eleições e Lula encara um país dividido.
Eu estou com a democracia brasileira. Tenho escrito sobre esses perigos há anos, dizendo que Bolsonaro é um fascista, que um golpe está vindo. Alguns brasileiros sabem disso, mas agora todos têm que reconhecer, porque isso é muito sério. Os militares precisam garantir que apoiam a democracia.