InícioEditorialManipulação e dor: processos por alienação parental crescem, na Bahia

Manipulação e dor: processos por alienação parental crescem, na Bahia

Criada para evitar abusos psicológicos e morais em crianças e adolescentes, a Lei de Alienação Parental foi instituída em 2010 no Brasil mas ainda é sinônimo de muita controvérsia. Lara* – *nome fictício para proteção da fonte – é mãe da pequena Isabel*, de 7 anos, e está sendo processada pelo ex-companheiro com acusação de afastar a filha do genitor. Vítima de violência doméstica e com medida protetiva para si mesma e a criança, a mãe reclama que a lei, neste caso, foi utilizada para o ex continuar atormentando a vida das duas. 

“[Me acusou de] alienação, disse que eu proibia ele de ver a criança. Eu nunca proibi, a residência, telefone nunca mudaram. Ela [que] rejeita ele pelas atitudes [de abuso psicológico] dele com ela. Vomita quando fica na presença dele, sente pânico e ansiedade”, lamenta. A história de Lara acontece em meio ao disparo de casos de alienação na Justiça. Na Bahia, o número de processos por alienação parental cresceu 48 vezes em uma década, segundo dados do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA). 

Em 2011, um ano após criação, foram registrados três processos por este motivo no estado. Já em 2021, foram 148 processos, o que equivale a um aumento de 4.833% em uma década de legislação. Em 2022, 113 novos processos foram iniciados no estado. Comparando os últimos cinco anos, o crescimento foi de mais de 300%, já que em 2018, o TJ-BA registrou 26 processos. 

A Justiça Brasileira registrou 2.749 novos processos de alienação parental até julho de 2022, informa o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). No período, a Bahia ocupou o 14° lugar no ranking de estados com ações judiciais pelo tema. O estado tinha 60 casos na época.

Minas Gerais (521), São Paulo (478) e Rio Grande do Sul (301) encabeçam a lista. O Tribunal de Justiça do Estado do Acre registrou apenas dois processos no primeiro semestre de 2022 e estava na última posição. O CNJ não possui os dados do ano completo e por capital, as informações tem base nos dados dos Tribunais.  

A advogada especialista em Direito de Família, Carol de Paula, explica que a Lei da Alienação Parental dispõe que a manipulação da criança ou do adolescente promovida por um dos genitores, avós ou guardião legal para repudiar imagem do outro genitor prevê penalidades, podendo até reverter a guarda. Apesar do intuito, que também tem uso legítimo, mães acusadas de alienação questionam a legislação e dizem que ela pode encobrir pais abusadores a continuar tendo contato com os menores.  

Crescimento na pandemia
Na pandemia, o número de processos deu um salto. Foram 26 ações em 2020 e 148 no ano seguinte. O crescimento foi de 469%. A tendência de alta – considerando os números anteriores à pandemia – permaneceu em 2022, quando teve 113 novos casos. Antes da crise sanitária o maior número de ações em um ano foi de 26, em 2020 e 2016. 

A advogada explica que muitos pais deixaram de cumprir com as pensões durante o período, devido à redução salarial. Por sua vez, quem detinha a guarda afastou a criança da convivência com o genitor como barganha, mas alegando que o motivo era a pandemia. Daí, o uso da Lei de Alienação Parental. “A maioria desses processos ocorre em segredo de Justiça, […] mas utilizou-se do período de pandemia para afastar da convivência dos pais e o outro utilizou da Lei de Alienação Parental como fundamento para pedir direito de convivência”, diz. 

Outro fator foi o afastamento contra pais que mantiveram contato direto com público, como profissionais da área de saúde, motoristas e agentes de segurança. Neste caso, no período que ainda não havia liberação da vacina para crianças, a Justiça decidiu pelo encontro virtual, como em videochamadas. 

Para Carol, as pessoas passaram a ter conhecimento da legislação através dos meios de comunicação, resultando na maior aplicação da lei. Ela esclarece que antes usava o Estatuto da Criança e do Adolescente [ECA], Código Penal, entre outros argumentos para afastar o alienador do convívio da criança. A partir da criação da lei, as demandas foram se direcionando.

A advogada ainda mapeia que há pontos em comum entre envolvidos no processo. “São relacionamentos rompidos de forma abrupta, casais mais novos com dificuldades financeiras que rompem relacionamentos e algumas são pessoas desequilibradas psicologicamente, casais que se uniram porque a criança surgiu ao longo do relacionamento mas não souberam conviver”, descreve. 

A lei assegura aos menores e ao genitor alienado a garantia mínima de visitação assistida, ressalvados casos em que há iminente risco de prejuízo à integridade física ou psicológica da criança ou do adolescente. 

Em caso de indício da prática de ato de alienação parental, o juiz pode determinar perícia psicológica. O laudo pericial compreende entrevista pessoal com as partes, exame de documentos dos autos, histórico do relacionamento do casal e da separação, cronologia de incidentes, avaliação da personalidade dos envolvidos e exame da forma como a criança ou adolescente se manifesta acerca de eventual acusação. 

Tipos de acusações
O advogado especialista no Direito de Família Ronaldo Borges alerta que o alienante pode ser tanto o pai, quanto a mãe, mas as acusações costumam ser diferentes. Enquanto as mães acusam que o pai é autoritário, realiza viagens sem comunicar ou quer usar poder aquisitivo para difamar imagem da mulher, os homens geralmente buscam por não ter acesso ao filho porque deixam de pagar pensão e a mãe afasta os filhos, ou por assumir um novo relacionamento – este caso também se estende para as mulheres. 

É a situação do tecnólogo em radiologia Anderson Reis, 38, cuja ex-companheira tenta afastar a filha dele após separação. “Ela imaginou que eu nunca fosse tomar uma atitude de separação, pelo fato de eu ser muito ligado à minha filha. Depois que assumi compromisso com outra pessoa, ela me fez algumas ameaças. Queria que eu assumisse para sempre os custos dela mais os da minha filha e mandou mensagem pra minha namorada dizendo palavras terríveis”, narra. 

Em maio, o ex-presidente Jair Bolsonaro sancionou modificação nas regras sobre alienação parental. Trata-se da retirada da suspensão da autoridade parental da lista de medidas possíveis a serem usadas pelo juiz em casos de prática de alienação parental prevista anteriormente. Medidas como advertência, multa ao alienador ou ainda a alteração da guarda para guarda compartilhada ou inversão da tutela permanecem previstas.

Mesmo assim, no início de novembro relatores da Organização das Nações Unidas (ONU) fizeram um apelo para que o novo governo brasileiro de Luiz Inácio Lula da Silva revogue a Lei de Alienação Parental.

Alienação interfere na formação psicológica da criança, diz psicóloga 
Para a psicóloga Mirella Almeida, embora exista controvérsias sobre a temática, na perspectiva da psicologia, é possível afirmar a existência da alienação parental e seus impactos emocionais negativos na vida da criança e do adolescente.

“O caso de pais que mudam de endereço sem comunicar tem crescido, assim como outras formas de impedimento do convívio entre pais e filhos, aspecto que tem gerado um número expressivo de adolescentes e crianças adoecidas emocionalmente”, observa. 

Mirella ressalta que na mediação de conflitos entre pais é abordada a importância de priorizar e preservar o bem-estar da criança e do adolescente, especialmente, a saúde mental.

A orientação é que os genitores busquem separar emocionalmente as relações procurem ajuda psicológica para si mesmo e para os filhos quando há a constatação de prejuízos ao desenvolvimento do menor e as demais relações.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define o termo alienação parental como “um problema de relacionamento entre criança e cuidador”, e não como um distúrbio. 

São formas exemplificativas de alienação parental, segundo a lei:

• Realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; 
• Dificultar o exercício da autoridade parental; 
• Dificultar contato de criança ou adolescente com genitor; 
• Dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar; 
• Omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;
• Apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente; 
• Mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós. 

Veja os números de processos nos últimos anos: 
2011: 3
2017: 11
2018: 26
2019: 18
2020: 26
2021: 148
2022: 113

A reportagem do CORREIO solicitou ações de 2012 a 2016 ao TJ-BA, mas a entidade comunicou que não conseguiria enviar os dados até fechamento da matéria, pois o sistema “só possui dados a partir de 2017. Desta forma, a pesquisa só seria viável diretamente nos sistemas judiciais, o que seria demorado”. 

*Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo

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