Em 1986, a chegada da mamãe sacode, as mudanças das mortalhas, a diminuição das fantasias e grande quantidade de blocos carnavalescos na Avenida Sete e na Barra/Ondina fizeram com que Rui Costa tivesse uma ideia que iria mudar a sua vida completamente. O artista plástico criou um grupo de palhaços com amigos e familiares para circularem pelas ruas da capital baiana durante o Carnaval daquele ano.
A “palhaçada” foi ficando cada vez mais conhecida que, a cada ano, mais pessoas iam entrando na organização. Com medo de virar um bloco, o artista decidiu parar de sair, retornando apenas quando Margareth Menezes decidiu criar o bloco Os Mascarados, já no final dos anos 90. “Pensamos em resgatar os palhaços e voltamos com 300 pessoas”, e que perdura até os dias atuais, com mais organização e milhares de pessoas pelo bairro boêmio de Salvador.
O Movimento Cultural Palhaços do Rio Vermelho, atualmente, reúne moradores do próprio bairro, soteropolitanos de várias partes da cidade, além de turistas de diversas cidades do estado e do país, 15 dias antes do Carnaval de Salvador. Hoje, o bloco mais longevo tem uma banda própria, o “Marmelada”, nome bem tradicional para a folia dos palhaços. “Estamos há 11 anos no Rio Vermelho manifestando a palhaçada e resgatando os bloquinhos com fantasia que se perderam ao longo dos anos”, diz.
Para Lúcia Menezes, outra fundadora do movimento, os Palhaços do Rio Vermelho são importantes para resgatar a história dos blocos de rua e o quanto a sociedade está com saudade de uma boa festa após dois anos sem o evento devido a covid-19. “Existe uma vontade do povo curtir, de aproveitar as características dos movimentos culturais e mostrar para essas crianças e adolescentes que ficaram presos em casa na pandemia, que o Carnaval de antigamente era na paz”.
E falando em pandemia, a organizadora frisou que esse ano, por causa de um possível aumento de casos em Salvador em dezembro de 2022, os Palhaços não iriam sair. “Demoramos até de anunciar, né? Não queremos ninguém infectado novamente”, comenta. Para Lúcia, a estimativa é de que mais de 20 mil pessoas tenha circulado pelo Rio Vermelho.
Blocos, batuques e fervo
Entre tantos blocos, um grupo familiar chamava a atenção por onde passava. As fantasias feitas por Urania de Souza Ferrari, da cidade de Laje, a 226 km de Salvador, abrilhantaram as ruas do Rio Vermelho, mesmo que tenham sido feitas antes da pandemia. Ela costura as roupas desde 2019, quando conheceu o movimento com o genro, Cláudio Duran, administrador de empresas e palhaço nas horas vagas.
“Começamos há quatro anos e eu me vestia em uma festinha de família. Descobri a festa, não queria vir sozinho e chamei todo mundo da família. É um momento para trazer crianças e curtir o melhor dia do verão”, exalta.
Família Ferrari no Palhaços do Rio Vermelho 2023 (Foto: CORREIO / Brenda Viana) |
Já o grupo Zambiapunga, diretamente de Taperoá, a 227 km de Salvador, vem à capital baiana há 10 anos para movimentar sua manifestação folclórica. O criador do grupo, Deco, reforça que a festa dos Palhaços do Rio Vermelho é de extrema importância para a cultura da Bahia. “A tradição deve ser mantida. A gente tem a ajuda da prefeitura para fazer acontecer esse evento aqui em Salvador. Começamos a confeccionar três meses antes, então é necessário que essa cultura seja preservada”.
Grupo Zambiapunga no Palhaços do Rio Vermelho (Foto: CORREIO / Brenda Viana) |
No Bloco da Latinha, palhaços que se vestem com latas recicláveis, cerca de 30 pessoas desfilaram logo no começo do evento. Aloisio Jesus da Silva, criador do grupo, explica que é necessário juntar entre 400 a 1.050 latinhas para confeccionar a roupa. “Precisamos comprar latas porque o brilho vai sumindo ao longo do ano. Começamos quando estávamos doando as latas para o Aristides Maltez, mas muitos catadores não conseguiram mais fazer doação e a gente confeccionou as roupas de brincadeira. Hoje temos esse grupo cultural”.
Bloco da Latinha no Palhaços do Rio Vermelho (Foto: CORREIO / Brenda Viana) |
Um batuque organizado era escutado no Rio Vermelho, mas que, segundo Daniela Pena, professora do projeto Toca Tambor, a maioria dos percussionistas não sabiam tocar até entrar na oficina. Com cerca de 90 pessoas, 80 percussionistas e 10 músicos de sopro, o grande grupo saiu tocando as músicas que ensaiaram desde o final de dezembro. “A gente dá aula o ano todo e, quando chega perto do Carnaval, focamos no ritmo afrobaiano”.
“Esse mito de que eu só posso tocar quando nasceu com dom, não é real. O Toca Tambor é a prova viva disso de que qualquer pessoa está apta para a música”.
Grupo Toca Tambor no Palhaços do Rio Vermelho (Foto: CORREIO / Brenda Viana) |
No meio de tanta gente, uma ala bem pequena, mas que chamava a atenção, mostrou a importância da cultura passada de geração para geração. Baianas da organizadora Dete Laurindo, saem há 11 anos junto com os Palhaços do Rio Vermelho. “Tem filha, neta, então é um movimento que tem até agregados. Não vamos deixar morrer a cultura porque o mundo hoje precisa de respeito, cultura e arte”, frisa.
Ala das Baianas no Palhaços do Rio Vermelho (Foto: CORREIO / Brenda Viana) |