Após o padê de Exu, cerimônia do candomblé na qual se faz oferenda ao orixá da comunicação – ele é o elo entre a ancestralidade e as pessoas – o povo de santo atendeu ao chamado da mãe natureza e realizou a 14ª Caminhada Pedra de Xangô, em Cajazeira X, na manhã deste domingo (12). Mães e filhos de santo, além de outros adeptos às religiões de matrizes africanas, seguiram do Campo da Pronaica, pedindo o fim da intolerância religiosa, até o símbolo de resistência – a Pedra de Xangô era usada como esconderijo por negros escravizados que fugiam das fazendas localizadas na região, durante o século XIX.
Levados pelo som dos atabaques, agogôs, pelas saudações, mais o banho de milho branco (pedido de paz a Oxalá), e muito axé, centenas de pessoas iniciaram a caminhada por volta das 9h na Avenida Assis Valente, com o destino ao Parque Pedra de Xangô. A multidão ocupava as duas vias. Antes conhecida como Pedra do Buraco da Onça, e também como Pedra do Buraco do Tatu, a Pedra de Xangô foi vivência dos povos indígenas, com grande influência Tupinambá. Um jogo de ifá apontou Xangô como o orixá da formação rochosa, que tem 8 metros de altura e, aproximadamente, 30 metros de diâmetro, que é também chamada de Altar de Xangô – é considerado o maior monumento orixá no Brasil e, com isso, símbolo de luta do povo do axé.
Centenas de pessoas participaram da 14ª Caminhada da Pedra de Xangô (Foto: Bruno Wendel/CORREIO) |
“Pedimos respeito ao nosso povo. Pessoas adeptas de outras religiões estão atacando a Pedra de Xangô, jogando sal e outras coisas, bem como se apropriando das dunas de Itapuã, impedindo nós de realizarmos os nossos rituais. Podemos conviver harmonicamente, respeitando os espaços, mas atacar ou se apropriar do que é coletivo está errado e é preciso luta”, declarou a chefe da casa Ilê Ayê Omin Oyá de Valéria, a mãe-de-santo Iyá Jitadê.
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A mãe-de-santo Iyá Jitadê de Valéria pediu respeito as religiões de matrizes africanas (Foto: Bruno Wendel/CORREIO) |
Valentina Tavares, da instituição filantrópica Voz do Subúrbio, veio de Paripe. Para ela, a intolerância religiosa está associada à falta de conhecimento. “As pessoas veem nossa origem como algo errado. Demonizaram o nosso culto, que é algo muito bonito. As pessoas precisam conhecer e entender a nossa ancestralidade”, explicou a jovem, ao lado da avó, Ângela Cristina, 60.
Presentes em todas as edições, as amigas Maria Auxiliadora, 58, e Gilzete de Jesus, 64, também comentaram a importância da caminhada. “O que queremos é apenas ter o nosso direito cumprir com o sagrado. Nós respeitamos os evangélicos. Ninguém de santo ataca igrejas. Mas eles (evangélicos) destroem os terreiros”, disse ela, da casa Ilê Axé Opá Omin Ogi, de Manguinhos, na Ilha de Itaparica.
Amigas, Maria Auxiliadora (chapéu vermelho) e Gilzete particpam do evento desde a primeria edição (Foto: Bruno Wendel/CORREIO) |
Calendário
Além do respeito à diversidade religiosa, o povo de santo pediu que a Caminha da Pedra de Xangô seja incluída no calendário das festas de Salvador. “Assim como vem sendo a festa do Dia 2 de Fevereiro. Queremos pela grandiosidade do evento, pois esse ato realizado há 14 anos é o nosso grito de liberdade”, declarou Kilson Melo, coordenado da Caja Verde, organização ambiental e cultural de Cajazeiras.
A secretária de Promoção da Igualdade Racial, Ângela Guimarães, também participou da caminhada, e comentou o assunto. “É importante que eventos como esse sejam incluídos nas festas pré-carnavalescas, por causa da visibilidade ao ato, que simboliza a resistência do povo do candomblé”, disse a secretária, durante a caminhada, destacando que a demanda será uma de suas prioridades na gestão.
Secretária pretende incluir a caminhada no calendário dos eventos que antecedem o Carnaval (Foto: Pedro Moares/Sepromi) |
O Parque Pedra de Xangô é símbolo de ancestralidade, e é o primeiro parque do Brasil com nome de orixá, divindade do candomblé e da umbanda. A Pedra de Xangô foi tombada como patrimônio cultural do município em maio de 2017 pela Fundação Gregório de Mattos (FGM).
“Além do símbolo sagrado e elemento cultural afro-brasileiro, foi criada a APA Municipal contra um avanço indesejado sobre a Mata Atlântica, evitando a derrubada de árvores para implantação de loteamentos clandestinos em áreas de proteção”, disse a diretora Patrimônio e Humanidades da FGM, Milena Tavares. Muitos terreiros não têm áreas verdes para seus rituais e por isso usam a mata do parque.