O rapper Emicida, autor do livro “Amoras”, fez um desabafo nas redes sociais depois que sua obra foi vandalizada em uma escola particular de Salvador. Nesta terça-feira (7), a mãe de um dos alunos se revoltou com citações às religiões de matriz africana e escreveu citações da Bíblia para criticar a obra.
O artista contou que ficou triste ao saber do episódio de intolerância religiosa, mas “não derrotado”. “A tristeza é por essas pessoas que querem que a sua religião, no caso o cristão, protestante, conhecidos como evangélicos, seja respeitada, e deve ser respeitada, mas não se predispõem nem por um segundo a respeitar outras formas de viver, de existir e de manifestar sua fé”, pontuou Emicida.
Emicida revelou que não foi a primeira vez que o livro foi alvo de preconceito. A obra conta a história de uma menina negra que está aprendendo a se reconhecer no mundo.
“No começo, imaturo, eu fiquei com raiva e levei para o pessoal, mas era uma questão muito maior. Então, eu fiquei triste porque é de entristecer viver entre radicais que se propõem a proibir e vandalizar livros infantis. Livros. Sobretudo um livro tão inofensivo como esse, Amoras. Quer dizer inofensivo para os não racistas”, disse.
Veja abaixo o desabado do rapper:
Entenda o caso
O livro infantil ‘Amoras’, escrito pelo rapper Emicida, foi uma das obras de literatura solicitadas por uma escola particular de Salvador. Ao folhear a obra, a mãe de um dos alunos se revoltou com citações às religiões de matriz africana e começou a escrever frases de cunho cristão, com citações da Bíblia, para criticar os orixás. Logo na contracapa a mãe já escreveu “antes de começar essa leitura, leiam ou peça para lerem o Salmo 115;4-8”.
O livro foi entregue a escola e seria repassado para outras crianças. A intenção da mãe era de que o futuro leitor descredibilizasse a obra, focando apenas na Bíblia ou em outros textos religiosos do cristianismo.
O versículo citado pela mãe diz: “Os ídolos deles são prata e ouro, obra das mãos do homem. Têm boca, mas não falam; têm olhos, mas não veem; têm ouvidos, mas não ouvem; têm nariz, mas não cheiram; têm mãos, mas não apalpam; têm pés, mas não andam; nem som algum sai da sua garganta”. Uma clara crítica aos orixás, tentando descredibilizá-los.
Ela seguiu rabiscando em outras páginas. Ela chegou a dizer que as divindades africanas “não são deuses” e sim “anjos caídos”, atribuindo a eles um caráter “diabólico”.
Além das críticas religiosas, ela ataca teorias científicas que já foram provadas em diversas oportunidades, como a de que a raça humana surgiu no continente africano. A mãe cristã sugere que as crianças busquem informações sobre a criação do ser humano no livro Gênesis, da Bíblia, onde é citada a história de que somos descendentes de Adão e Eva.
Ela também apontou a Teoria da Evolução como “anticristã” e uma “blasfêmia ao Deus vivo.”
Na parte em que o livro fala sobre a escravidão no Brasil, quilombos e Zumbi dos Palmares, ela segue as críticas. “Ao longo dos anos, a história da humanidade e do Brasil vem sendo modificada a fim de esconder a verdade para que vivamos no engano. Não se limitem a uma versão da história.”
Ela, no entanto, não chegou a dizer qual seria essa segunda interpretação da história que apresenta uma espécie “nova visão” sobre a escravização de negros provenientes do continente africano.
O autor também não passou ileso. Ela garantiu que o nome Emicida era a junção de “MC” com “homicida”. O rapper afirmou recentemente nas redes sociais que a origem do nome artístico era o acrônimo “Enquanto Minha Imaginação Compuser Insanidades, Domino a Arte”.
Há também a versão apontada por ela. No entanto, o “homicida” em questão não seria uma referência a assassinatos e sim por ele “matar” – no sentido figurado – os adversários nas batalhas de rima.
Mãe defende ‘críticas’
Em contato com a TV Bahia, a mulher, que não quis se identificar, negou praticar intolerância religiosa. Ela disse crer que a obra abordaria apenas a questão racial. Ao se deparar com citações às religiões africanas, ela quis apresentar um “contraponto” para que “os pais pudessem ler diferentes versões a seus filhos”.
A escola irá repor o livro por uma versão original, sem os comentários da mãe cristã.