O Ministério Público Federal (MPF) encaminhou, nesta terça-feira (14), requerimento ao governador Jerônimo Rodrigues (PT) e ao secretário estadual de Meio Ambiente (Sema), Eduardo Sodré, para que adotem as providências necessárias para a imediata revogação da autorização da licença de instalação para um megaempreendimento turístico-imobiliário na Ilha de Boipeba, em Cairu. A área, conforme nota do MPF, é federal e reservada a comunidades tradicionais.
O MPF pediu também que os gestores determinem ao Inema que não autorize, nem licencie, qualquer empreendimento em áreas públicas federais, principalmente aquelas que envolvam comunidades tradicionais protegidas constitucionalmente, em especial nas áreas das comunidades Cova da Onça, Monte Alegre, Moreré, Boipeba, Garapuá e Batateira, em Cairu.
Outro requerimento foi enviado à Superintendência do Patrimônio da União na Bahia (SPU/BA) para que cancele, de imediato, qualquer inscrição de ocupação ou ato similar em favor da empresa Mangaba Cultivo de Coco, ou quaisquer de seus sócios ou sucessores, pessoas físicas ou jurídicas. A SPU deve ainda avaliar, de forma conjunta, a situação de todas as inscrições (bens da União) nas Ilhas de Tinharé e Boibepa (Sul da Bahia), garantindo o uso sustentável do território em favor das comunidades tradicionais.
De acordo com os procuradores da República Ramiro Rockenbach e Paulo Marques, que assinam os ofícios, as medidas objetivam assegurar a devida proteção aos direitos dos povos e comunidades tradicionais. Nos documentos, eles destacam que a atuação do Inema tem sido obstáculo ao modo de ser, viver e existir das comunidades tradicionais na Bahia. “O órgão ambiental tem em seus quadros dezenas de servidores e servidoras dedicados e comprometidos com a temática socioambiental. Há, no entanto, grave postura no poder decisório”, ressaltam.
Entenda o caso
O Inema autorizou emissão de licença para um empreendimento imobiliário de cerca de 1.651 hectares (16.510.000m²), que o grupo econômico Mangaba Cultivo de Coco pretende instalar na Fazenda Castelhanos, antiga Fazenda Cova da Onça, em área que equivale a quase 20% da Ilha de Boipeba. O projeto inicial prevê 69 lotes para residências fixas e de veraneio, duas pousadas com 3.500 m² cada, além de mais 82 casas, parque de lazer, píer e infraestrutura náutica, aeródromo e área para implantação de um campo de golfe de 3.700.000 m².
De acordo com o MPF, o projeto viola as diretrizes e recomendações do Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental Tinharé-Boipeba. Além de atingir diretamente ecossistemas costeiros de extrema vulnerabilidade, como manguezais e faixas de praia, prevê consumo de água desproporcional na ilha, remoção de vegetação de Mata Atlântica, pavimentação do solo, cercamento de terras e caminhos tradicionais, destruição de roças e a desconfiguração do modo de vida tradicional de centenas de famílias de pescadores, catadores e catadoras de mangaba e marisqueiras das comunidades de Cova da Onça, Moreré e Monte Alegre.
Para os procuradores, a concessão da licença representa, ainda, ilegalidade de caráter fundiário. Isso porque as terras de Boipeba, onde se pretende implantar o megaempreendimento, são públicas, da União, e, por lei, devem ser prioritariamente destinadas aos usos ambientais e tradicionais das comunidades.
Em 2019, o Ministério Público Federal já havia emitido a Recomendação 01/2019 pedindo a interrupção do processo de licenciamento do empreendimento imobiliário Ponta dos Castelhanos, na Ilha de Boipeba. Na mesma oportunidade, o MPF também recomendou à SPU que conclua a regularização fundiária das comunidades tradicionais e fiscalize possível desvirtuamento da ocupação do imóvel da União, inscrito sob regime precário de ocupação.