Quem vê a Avenida Paralela, hoje, como o principal vetor de desenvolvimento de Salvador, com uma boa estrutura viária, não imagina (ou mal lembra) que há pouco mais de três décadas, passar de um lado a outro da via, a pé, era quase uma tentativa de suicídio. Assim como as reportagens sobre saidinhas bancárias foram, durante muitos anos, uma rotina nas nossas páginas, antes do advento do Pix, as matérias sobre atropelamentos com morte na Avenida Luís Viana Filho também eram do cotidiano das coberturas do Correio, especialmente quando por lá não havia passarelas para pedestres – equipamentos que eram alvo de reivindicações constantes até o início dos anos 1990.
Na edição de 25 de setembro de 1986, o jornal trazia duas reportagens sobre um protesto ocorrido na via, na altura do Imbuí, motivado pelos recorrentes acidentes com vítimas fatais. “População interdita Avenida da Morte e pede segurança” era o título de uma das matérias, a qual trazia uma foto dos manifestantes, com faixas e cartazes cobrando providências urgentes ao poder público. “Desesperadas pelos acidentes registrados, as pessoas exigem que se construa a passarela na avenida”, descrevia a legenda da imagem logo acima do título.
“Os moradores e funcionários dos conjuntos residenciais e empresas localizadas nas proximidades da Paralela protestaram, ontem, contra a falta de providências das autoridades para reduzir o alto índice de acidentes no local, interditando o tráfego entre 7h30 e 8h30. Eles reivindicaram uma passarela ou um elevado, como solução imediata, exibindo faixas e cartazes que denunciavam as mortes por atropelo na Avenida da Morte”, iniciava o texto da reportagem, que não estava assinada.
A ausência do equipamento motivou até a criação de uma Comissão Pró-Passarela, com o objetivo de chamar a atenção do então prefeito, Mário Kertész. Ele havia mandado avisar que a construção do equipamento estava prevista apenas para o ano seguinte.
Morte de menino
Menos de uma semana depois, na edição do dia 30 de setembro, a situação ganhou contornos ainda mais dramáticos: um menino de 12 anos, que distribuía jornais também na região do Imbuí, acabou atropelado e morto na avenida. Na capa do jornal, a imagem do garoto estirado no chão (era comum mostrar fotos de corpos, na época) e logo abaixo a manchete: ‘Mais uma morte na pista maldita: Paralela’.
O incidente mais uma vez motivou reclames. “A população do Imbuí e da Boca do Rio voltou a se mobilizar ontem, exigindo a imediata instalação de uma passarela, na Avenida Paralela, logo após o atropelo fatal do jornaleiro José Abílio Rodrigues Filho, de 12 anos. O menino foi atropelado às 8h30 pelo motorista de um Caravan, que fugiu em excessiva velocidade, abandonando o corpo na pista”, citava a reportagem.
“Meia hora depois, dezenas de pessoas, moradores dos conjuntos Imbuí, Rio das Pedras, Marback e da Boca do Rio estavam reunidos na pista da Paralela, no sentido Rodoviária-Centro Administrativo, em frente ao Posto 2, protestando por mais uma morte violenta na rodovia da morte”, citava um dos textos.
Hoje em dia
O cenário da Paralela mudou bastante nas últimas duas décadas, com a chegada de shoppings, prédios residenciais, centros comerciais e faculdades, incluindo até um metrô entre as largas pistas. Com a atração de investimentos, a infraestrutura viária melhorou bastante, e o apelido de Avenida da Morte ficou pelo caminho, assim como boa parte da mata atlântica que a circundava nos acidentados anos 80.
Mas o desenvolvimento, claro, não fez com que as mortes sumissem, ainda mais depois que a via passou a ser a mais movimentada da cidade. Segundo dados da Transalvador obtidos nesta semana, em média 85.763 veículos transitam diariamente pela Paralela, nos dois sentidos. Logo atrás dela vem a Avenida Mário Leal Ferreira (Bonocô), com 74.836 veículos/dia, seguida da Avenida Octávio Mangabeira (orla), com 35.989 veículos passando por lá diariamente.
Entre 2021 e 2022, o número de acidentes com feridos na Paralela se manteve estável, mas a quantidade de mortes quase dobrou. Enquanto em 2021 foram 199 sinistros com feridos, e 5 mortes, no ano passado foram 198 acidentes com vítimas, sendo 9 delas fatais. Em 2023, esse tipo de acidente ocorreu 44 vezes, mas há uma boa notícia: não há registros de mortes até agora. Já o número de vítimas do trânsito (incluindo aí atropelamentos) também manteve patamares semelhantes entre 2021 (com 241 feridos) e 2022 (249 feridos), mas o número de mortes saltou de 5 para 11. Já em 2023, são 55 feridos e nenhuma morte até aqui.