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‘Em 15 anos o câncer poderá ser tratado com comprimidos’, avalia professor da Ufba

Um futuro em que o câncer será encarado como uma doença possível de tratar, curar ou controlar sem que isso implique em perda de qualidade de vida não está longe. É o que revela Marco Aurélio Salvino, professor adjunto de Hematologia na Ufba e autor do livro “A Hematologia do Futuro”, que será lançado nesta sexta-feira (5), às 17h, no Salão Nobre de Medicina da Ufba, no Pelourinho. No livro, Salvino mergulha na ampla experiência adquirida durante sua trajetória na investigação de estudos clínicos para a descoberta de novos medicamentos para a cura de doenças onco-hematológicas, como leucemias, linfomas e mielomas, e projeta que daqui a 15 anos o câncer vai poder ser tratado com comprimidos e a quimioterapia deve deixar de existir.

O professor falou sobre as três novas gerações de terapias que vão auxiliar no combate a doenças hematológicas (relacionadas ao sangue) e que devem ser desenvolvidas nos próximos anos. Ainda, destacou a necessidade de falar de futuro para discutir desde já o acesso aos medicamentos e tratamentos, que devem ser para todos, e demandou a atuação da sociedade civil junto a gestores públicos e privados com o intuito de garantir esse acesso e angariar investimentos em pesquisas. 

Quem é

Marco Aurélio Salvino é professor adjunto de Hematologia na UFBA desde 2011. Atua como Coordenador da Unidade de Terapia Celular do hospital São Rafael, que integra a Oncologia D´Or, em Salvador, e também como pesquisador do IDOR Bahia na área de terapia celular e CAR T-cell. Além disso, é membro das Sociedades Europeia de TMO (EBMT) e ASH internacionais. Membro do Comitê de Aplasia Medular (Aplastic Anemia Working Party) da EBMT. Hoje, no Brasil, é um dos principais pesquisadores do CAR-T Cell, Leucemias Agudas e Terapias Alvo. Salvino é graduado em medicina pela UNICAMP, doutor em biotecnologia, e já passou por centros de excelência em diversos países.

Antes de falar da Hematologia do Futuro, título do livro que você está lançando agora, eu quero saber qual o cenário da Hematologia hoje e por que os recursos que essa área oferece são limitados atualmente para o tratamento do câncer. 

Estamos em uma evolução tecnológica tão rápida que há muitos recursos. Passamos décadas com poucas novidades e de repente temos muitas novidades por ano. Então, a perspectiva de mudança é muito rápida. Em 15 anos, vamos ter muita coisa nova e vai praticamente acabar quimioterapia como conhecemos, cirurgias grandes. Vamos para uma linha muito mais direcionalizada, muito mais eficaz, com muito menos efeito colateral e muito na linha imunoterápica. Isso nós não temos ainda tão disseminado, estamos começando esse processo na rede privada. Na rede pública, ainda está bem distante. Para as doenças genéticas, como a doença falciforme, que para o nosso estado é uma questão de saúde pública, já existem mecanismos de corrigir a doença, corrigir o defeito genético e a pessoa viver como se nunca tivesse tido defeito através de uma terapia gênica. Nós vamos passar a ter como fazer o acesso disso ao longo dos próximos anos. 

O futuro da Hematologia que nos aguarda daqui a 15 anos é promissor e capaz de ser uma cápsula de esperança para quem teme o câncer? 

Para muitas doenças, esse futuro não está distante e esperamos que ele seja capaz de chegar para pessoas que hoje vivem o problema. Aquelas que tiverem os mesmos problemas de quem tem [câncer] hoje, daqui a 10 anos, já sabemos que vamos estar lidando com muito mais ferramentas, inteligência artificial, métodos de diagnóstico de alta precisão, como a individualização da terapia, medicina personalizada, imunoterapia, terapia celular, terapia gênica. São coisas que sabemos que já existem, mas ainda não chegaram de fato para a população. Demora esse processo porque muita coisa está em pesquisa clínica. No livro, eu falo que a previsão é daqui a 15 anos e isso é bom porque podemos abrir esperança para uma série de situações, doenças, pacientes e familiares que já têm alguns dramas e vão poder vislumbrar possibilidades novas.  

Em seus estudos, você concluiu que podemos esperar a chegada de pelo menos três novas gerações de terapias contra doenças onco-hematológicas. Quais são elas, doutor? 

Temos as terapias-alvo, que são remédios que vão na molécula, na raiz do problema, atacam e corrigem determinados problemas de forma muito personalizada. [Temos a] a imunoterapia junto com a terapia celular, que faz com que o câncer seja eliminado usando apenas o sistema imune da própria pessoa. E temos a terapia gênica, que é essa correção de genes defeituosos, tendo como exemplo a doença falciforme. 

A hematologia do futuro anda de mãos dadas com a tecnologia, então podemos esperar o emprego de equipamentos que dispensem cada vez mais as ações mecânicas. Na sua opinião, qual é a vantagem dessas técnicas em relação aos tratamentos? 

O que a gente espera é muito maior eficácia e muito menor efeito colateral. Essa é a nossa expectativa, que a gente consiga tratar muito melhor, curar muito mais e, quando não curar, atingir resultados de sobrevida muito melhores do que hoje e com muito menos efeito colateral do que temos com os remédios, quimioterapia e cirurgias grandes atuais. Então, vamos reduzir muito essa quantidade e, ao mesmo tempo, melhorar a eficácia. 

Já se pensa em como será feito para que esses tratamentos sejam acessíveis? 

Essa é a pergunta que o livro provoca, porque, se não discutirmos isso agora, nós não teremos acesso a essas terapias. A discussão, para que tenhamos daqui a 10 anos um serviço médico brasileiro público e privado que ofereça terapias revolucionárias, precisa começar agora. Envolve financiamento das terapias inovadoras através do sistema público, privado, mas muito através de pesquisas. Então, o Brasil precisa investir muito mais do que investe hoje em pesquisas, porque ele investe muito menos do que os países que estão liderando esse conhecimento. Quem lidera o conhecimento acaba tendo um retorno financeiro muito maior. A gente acaba gastando muito, mas tem retorno financeiro em cima dessa inovação, então precisa inovar, investir em pesquisa, investir na discussão dos modelos de acesso aos tratamentos inovadores e de alto custo. 

Como você avalia a participação dos baianos para os avanços científicos nessa área? 

É muito importante para a sociedade, desde a sociedade médica, intelectual, até a associação de pacientes. Esse movimento é fundamental para pressionar os gestores públicos e privados a olharem para essas situações.  

Por que é que você define a Bahia como um celeiro na criação de novos tratamentos para a cura dos cânceres hematológicos? 

Porque, apesar da dificuldade que temos no país, a Bahia tem terapia celular no Hospital São Rafael, tem universidade de alta capacidade como a Ufba, tem uma Fiocruz. Então, ela tem institutos que são muito de ponta, de níveis internacionais e tenta usar isso a favor do crescimento. 

Como você vê sua experiência como desenvolvedor dessas pesquisas aqui na Bahia? Quais recursos você tem acesso e o que te falta? 

Ao longo dos últimos 15 anos, tenho tido a oportunidade de fazer pesquisas muito de ponta na área de Hematologia e temos acesso a terapias que ainda vão chegar daqui a 5 ou 10 anos. Hoje, trabalho com muita pesquisa clínica no Hospital São Rafael e na Ufba. Eu tenho a sorte de trabalhar com pessoas que realmente têm puxado, ao longo dos últimos 10 ou 15 anos, muito esforço para que a Bahia se coloque num protagonismo nacional muito grande na parte de pesquisa, terapia celular imunoterapia, terapia-alvo, doença falciforme. Então isso atrai muito conhecimento, gente, cientistas e opções de novos tratamentos.  

Quais resultados você já viu de perto e te deu esperança? 

Temos tido resultados incríveis com muitos medicamentos oncológicos. O próprio CAR T-cell, que é uma terapia que você coleta as células da pessoa, modifica geneticamente e devolve essas células de combate ao câncer para a própria pessoa, tem colocado a Bahia numa liderança nacional junto com poucos centros de outros estados que têm essa estrutura. É uma droga viva, porque a célula entra, mata o câncer e a pessoa não pode fazer nada além de esperar até elas agirem contra o câncer. Isso é uma revolução que não imaginávamos alguns anos atrás e que hoje já é oferecido aos pacientes com linfoma, leucemia, mieloma e outras doenças. 

Como serão os futuros medicamentos para combater os cânceres hematológicos? 

A maior parte dos medicamentos como a gente conhece devem desaparecer. A maioria dos medicamentos vão fazer muito essa parte de terapia-alvo. Muitos são comprimidos, então vamos tratar câncer com comprimido inteligente, que não ataca o paciente, mas ataca o câncer. O comprimido terá uma posologia confortável para que a pessoa mantenha sua qualidade de vida, se mantenha fazendo suas atividades cotidianas e até transforme o próprio estigma que temos hoje do câncer, vendo-o não como uma doença fatal, mas como um problema grave que muitos vão enfrentar, curar e controlar, mantendo uma boa qualidade de vida. 

Quando os pacientes oncológicos poderão ter acesso a esses medicamentos? 

Muitos desses medicamentos nós já conseguimos oferecer na pesquisa, porque ela antecipa anos até que o medicamento chegue na prateleira. A pesquisa é onde já temos oferecido e vamos continuar oferecendo, lutando para que através delas consigamos antecipar esses 15 anos para pelo menos alguns. Infelizmente a pesquisa não consegue oferecer para todo mundo porque tem números limitados de participantes, mas já é um caminho brilhante oferecer isso para pacientes que hoje estão com essas situações desesperadoras. Mas o que nós queremos é que isso em pouco tempo saia da pesquisa e comece a ser realmente parte da rotina assistencial da onco-hematologia mundial e brasileira.  

Você acredita que tratamentos como cirurgia, radioterapia e quimioterapia vão desaparecer no futuro? 

Não desaparece de uma vez, mas as pessoas vão ver uma redução progressiva dos tratamentos mais agressivos, então as radioterapias vão ser muito mais localizadas, reduzidas, menos tóxicas. As quimioterapias vão ser menos praticados, devem desaparecer, na minha opinião. Cirurgias não vão ser grandes, mas pequenas, por robôs.  

*Com a orientação da Chefe de Reportagem Perla Ribeiro

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