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Construção sem peão? Auditores da Receita sobrevoam imóveis de luxo em busca de irregularidades

Às 10h30 do dia 12 de maio, um helicóptero com três pessoas a bordo deixou Salvador. A equipe, da Receita Federal, partiu com uma missão: produzir imagens que vão ajudar a identificar possíveis irregularidades fiscais em condomínios de luxo em Salvador, a partir da Avenida Paralela, e na região que motivou a operação e uma das que mais crescem na Bahia, o Litoral Norte.
 
Dentro da Receita Federal, os auditores percebiam que algo na conta não batia. Havia uma notável expansão da quantidade de imóveis de alto padrão, sobretudo na parte mais ao norte da cidade Salvador e do litoral baiano, mas o volume dos tributos recolhidos não parecia acompanhar o de obras.
 
O voo serviu para verificar essa hipótese, levantada a partir de cruzamentos de dados. Auditores contrastaram, por exemplo, o número de alvarás informados por prefeituras, as informações de dados da própria Receita (como notas fiscais de materiais de construção) e informações do habite-se (documento que comprova a regularidade da construção de um imóvel) frente ao volume de tributos recolhidos.
 
Faltava, no entanto, ver o que as estatísticas e as imagens de satélite talvez não conseguissem mostrar. Ou seja, a real expansão da construção de casas de alto padrão entre o Norte de Salvador e o litoral norte. O sobrevoo foi só uma das fases da Operação chamada Obra Legal.

Imagem aérea da operação (Foto: Divulgação/Receita Federal)

O principal objetivo é verificar a regularidade do pagamento da contribuição previdenciária dos trabalhadores da construção civil, como os pedreiros. É isso que garante, em casos de acidentes de trabalho, que as vítimas fiquem afastadas e com remuneração mantida pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). No futuro, é o que financia a aposentadoria.
 
Os trabalhadores da construção civil têm sido umas das principais vítimas de acidentes de trabalho na Bahia. Essa contribuição pode ser paga ao longo da obra ou ao final. Qualquer construção de casa ou edifício, sem auxílio de construtora ou empreiteira, exige o recolhimento da contribuição previdenciária.   
 
Mas os novos dados coletados pela Receita Federal também podem servir a um segundo fim: identificar gastos com construções que sejam incompatíveis com os rendimentos declarados anualmente pelos proprietários ao órgão, quando preenchem a declaração de imposto de renda. Nesse caso, poderia ser apurado se houve crime de sonegação fiscal.
 
Só em 2023, a Receita Federal emitiu 600 avisos de cobranças a empresas ou pessoas que realizaram construções, na Bahia, sem pagar as contribuições previdenciárias devidas – no Brasil, foram 42 mil em cinco meses do ano. Os números não incluem o resultado da nova operação.
 
Como funciona a procura por irregularidades no repasse previdenciário?

O voo sobrevoou, por quase três horas, à altura de 200 a 500 pés (entre 60 e 152 metros) as regiões escolhidas. A condição climática ajudou – o dia foi de sol.
 
As imagens geradas durante o voo são georreferenciadas, o que permite associar as coordenadas geográficas aos dados já disponíveis. Uma equipe de 28 pessoas trabalha, agora, em uma nova análise para chegar até quem não pagou o que devia. Não há prazo para a conclusão do trabalho.
 
O avanço de construções pelo Litoral Norte motivou a operação. A região já conhecia dois booms de habitação. O primeiro, a partir de 1975, quando da construção da Estrada do Coco. O segundo depois da implantação da Linha Verde.

Imagem aérea do Litoral Norte (Foto: Divulgação/Receita Federal)

As mudanças – sociais, econômicas e urbanas – registradas durante a pandemia da covid-19 geraram um novo fluxo de migração para o Litoral Norte.

“É notório, de percepção de todos, um crescimento louvável do litoral norte, que  é uma região belíssima, mas por um outro lado, uma percepção de que há um recolhimento de contribuições previdenciárias menor que o volume de construções naquela região. Há uma impressão de que poderíamos ter mais informações das prefeituras, alvarás e habite-se”, explica o auditor-fiscal Bruno Nagem Cardoso, que está chefe da divisão de fiscalização da Superintendência Regional da Receita Federal na Bahia.

 
A reportagem perguntou às prefeituras de Salvador, Mata de São João e Camaçari a quantidade de alvarás emitidos desde 2019. Não houve respostas.
 
Estão sob o radar da nova operação da Receita das construções em andamento àquelas finalizadas nos últimos cinco anos. A dedicação da operação a imóveis de alto padrão se baseou no potencial de impacto de regularização da área.
 
A operação considerará as casas construídas por famílias – ou seja, pessoas físicas, que costumam ter mais dificuldades para entender como funcionam os processos de regularização de uma obra. No ano passado, foram recolhidos, na Bahia, R$ 10,7 milhões em contribuições à previdência em obras. De janeiro a abril deste ano, foram R$ 3,3 milhões em recolhimento.
  
A ideia é iniciar um processo de autorregularização, que poderá ser feita no site da Receita – veja ao fim da reportagem quais passos você deve seguir.

“Estamos apostando na autorregularização. Precisa existir o fiscalismo, mas queremos chamar o contribuinte para a autorregularização”.

Embora a operação seja voltada para pessoas físicas, o presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário da Bahia, Cláudio Cunha, disse que ela ajuda o mercado.

“Essa é uma ação importante para buscarmos que o mercado imobiliário e a sociedade tenham a segurança de imóveis legalizados. Os nossos associados trabalham na formalidade, com segurança jurídica, acima de tudo. Para se obter o Registro de Incorporação, financiamento, certidões,  é necessário apresentar, dentre outros documentos, a regularidade com o INSS”, avaliou Cláudio Cunha, presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário da Bahia

Como saber se meus repasses previdenciários são feitos?

A contribuição previdenciária é um direito do trabalhador, devido pelo empregador. No Brasil, essa contribuição  é um imposto. Por isso, é a Receita Federal quem fica responsável por fiscalizar o pagamento desse tributo, destinado aos gastos do INSS.
 
Há casos em que o desconto na folha salarial do trabalhador acontece, mas o valor, na verdade, não é repassado ao INSS. Essa ausência de pagamento do imposto – deliberada ou por desconhecimento – pode impactar diretamente a vida de qualquer trabalhador.

“Por exemplo um pedreiro que tenha mais de 60 anos, ele pode chegar para pedir a aposentadoria e talvez metade do tempo dele não tenha sido recolhido. Aí ele vai ter que trabalhar mais 10, 15 anos”, explica o procurador Ilan Fonseca, promotor do Ministério Público do Trabalho da Bahia. 

Foi o que aconteceu com C., um pedreiro de 65 anos que prefere não ter o nome identificado nesta reportagem. Depois de perder os pais, aos 18 anos, ele, o primogênito da família, passou a trabalhar para ajudar na criação dos sete irmãos.

Foram 48 anos de labuta em obras (nem todos com vínculo formal) e cinco carteiras de trabalho preenchidas ao longo da vida, segundo ele. Mas quando pediu a aposentadoria, há quatro anos, veio a surpresa: faltavam pelo menos quatro anos de contribuição previdenciária.

“Juntando as quatro empresas, faltava uns quatro anos. Se eu tivesse conseguido, já estaria mais tranquilo na minha vida. E nessa idade, é mais perigoso. Estou hoje desempregado e correndo atrás para fechar o tempo que falta”

C, também participou da construção de casas, contratado informalmente por famílias que não fizeram os descontos da contribuição previdenciária. “Já construí muita coisa, imagina de 1975 até agora. [Agora] Era para está descansando”

É possível checar se a sua contribuição previdenciária tem sido recolhida diretamente no site do INSS, a partir do número do PIS (disponível na carteira de trabalho).

Se houver algum erro no sistema, é necessário procurar o INSS para checar se houve falha no sistema. Se a falha, na verdade, for a falta de recolhimento, é preciso acionar a Justiça.
 
A diária do trabalho de um pedreiro com carteira assinada custa, em média, R$ 74,32, segundo o Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Construção e da Madeira da Bahia.
 
Para erguer uma casa de alto padrão, com dois andares, um dos diretores do Sintracom, Marcos César, estima que precisem trabalhar quatro pedreiros e três ajudantes – cada um destes deve receber R$ 44,43 por dia.

“Mas para os trabalhadores contratados por serviços particulares fica bem difícil fazer esse controle, saber o que está sendo pago e o que não está”, diz Marcos.

Isso porque, em 2017, mudanças na legislação trabalhista retiraram a necessidade de homologação dos contratos nos sindicatos. 

Construção civil vive boom de denúncias trabalhista, diz procurador
 
Entre janeiro de 2019 e o último dia 17 de maio, o MPT da Bahia recebeu 234 denúncias relacionadas a infrações trabalhistas cometidas em áreas de construções – 94 só nos primeiros cinco meses deste ano. 
 
Das denúncias, todas relacionadas a obras de construtoras, 62 viraram inquéritos (investigações para descobrir se algum direito foi violado) e 18 embasam ações judiciais.

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Pedreiros estão entre principais vítimas de acidentes de trabalho (Foto: Elza Fiúza/Agência Brasil)

As queixas, geralmente, estão relacionadas ao meio ambiente de trabalho: a falta de fornecimento de equipamento de proteção individual, falta de refeitórios e falta de fardamento, por exemplo.

“Pelos dados, houve explosão de denúncias na construção civil em relação às condições de trabalho. É interessante porque os acidentes de trabalho têm uma lógica cíclica: quanto maior a construção civil, quanto mais economia da construção civil aquecida, mais acidentes e mais isso repercute. Isso é esperado”, diz o procurador Ilan Fonseca.

Os setores econômicos mais responsáveis por afastamentos causados por acidentes em 2022 foram atividades de atendimento hospitalar (4,3 mil), transporte rodoviário de carga (4,3 mil), comércio varejista de mercadorias em geral (3,3 mil), bancos (3,1 mil) e construção (2,6 mil). Mas, no caso dos acidentes fatais, o cenário muda.
 
Em uma série histórica realizada pelo MPT, entre 2012 e 2021, 39 empregados na construção civil morreram – as segundas maiores vítimas. Antes deles, estão os motoristas de transporte rodoviário: 118 deles morreram nesse período. Neste ano, já foram cinco trabalhadores de construção civil mortos.

O Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia acompanha se obras estão de acordo com a lei que exige a contratação de um profissional da Engenharia Civil e os casos de acidente de trabalho que tiveram participação de algum profissional da área – por exemplo, em situação de negligência ou imperícia. Nesses casos, são avaliados se houve infração ao código de ética profissional.

Sobre as infrações gerais, Arildson de Araújo, supervisor regional de fiscalização – Salvador e Região Metropolitana, diz: 

“De modo geral, em áreas de alto padrão, como uma Alphaville ou localidades como Praia do Forte, o índice de regularidade é grande. Encontramos mais ilegalidades em pequenas obras, como em regiões periféricas, até pelas dificuldades de acesso a escritórios públicos de engenharia”.

 O Sindicato da Indústria da Construção do Estado da Bahia não respondeu à reportagem até o fechamento da publicação.

SAIBA MAIS 

Como regularizar a contribuição dos trabalhadores?

 No site da Receita Federal, por meio do Serviço Eletrônico para Aferição de Obras, disponível no portal e-CAC. Clique na opção Declarações e Demonstrativos. Primeiramente, atualize o Cadastro Nacional de Obras na opção Cadastros, e, em seguida, preste as informações sobre a obra por meio do Sero. O sistema vai calcular o valor devido das contribuições sociais.

 

2 Como gerar o pagamento?

O contribuinte poderá, então, utilizar a opção “Gerar Darf” e emitir o documento de arrecadação para efetuar o pagamento integral na rede bancária ou solicitar o parcelamento do débito (no e-CAC, após o seu vencimento).

 

3 Quem deve regularizar?

 Pessoas físicas ou jurídicas responsáveis pela contratação de mão de obra para construções. Até as obras inacabadas precisam ser regularizadas.  No caso de pessoas físicas, o cálculo das contribuições é feito por aferição indireta, a partir de dados da obra, como área construída, destinação e valor do Custo Unitário Básico da Construção Civil. No caso de pessoas jurídicas, há a opção de apurar o valor das contribuições por meio do registro regular de todas as operações com remuneração de trabalhadores a seu serviço em sua contabilidade.

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