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Entenda a briga de gangues e a onda de violência que assolou o Haiti

O primeiro-ministro do Haiti, Ariel Henry, declarou-se disposto a renunciar, num discurso à nação divulgado nas redes sociais nesta segunda-feira (11/03). Segundo ele, para a transição até as novas eleições, será designado um conselho presidencial de sete membros, o qual indicará um premiê interino.

Bandos criminosos poderosos, que controlam grande parte do Haiti e quase toda a capital, Porto Príncipe, haviam exigido a renúncia de Henry e agora alcançaram uma de suas metas. “Criminosos se apoderaram do país, não há governo”, comentou o vice-presidente da Guiana, Bharrat Jagdeo, antes da reunião de emergência da Comunidade Caribenha (Caricom).

Há dias, integrantes das gangues vêm atacando instituições estatais, como delegacias de polícia, repartições governamentais e presídios. Consta que há cadáveres pelas ruas, várias centenas de milhares de cidadãos estariam em fuga dentro do país. Na região de Porto Príncipe, vigora o estado de emergência e toque de recolher noturno.

Apesar disso, a polícia praticamente não intervém mais, permitindo passivamente saques e justiçamentos arbitrários. Em 2023, a Organização das Nações Unidas estimava que 80% da capital estava sob controle de gangues. A Alemanha, União Europeia e Estados Unidos, entre outros, retiraram o pessoal das embaixadas, temendo por sua segurança.

Horas antes do discurso de Henry, o líder da Caricom e Presidente da Guiana, Mohamed Irfaan Ali, disse que o conselho de transição será composto por sete membros com direito a voto de vários grupos sociais, incluindo partidos políticos, e dois observadores sem direito a voto: um membro da sociedade civil e um da comunidade inter-religiosa.

Ali garantiu que o conselho não vai incluir qualquer pessoa acusada ou já condenada em qualquer jurisdição, que esteja sob sanções da ONU, que se oponha às resoluções do Conselho de Segurança da ONU ou que pretenda concorrer nas próximas eleições.

O Conselho Presidencial de Transição “selecionará e nomeará rapidamente um primeiro-ministro interino”, que irá liderar o Haiti até à realização de eleições, acrescentou.

Os países caribenhos reuniram-se de urgência na segunda-feira na Jamaica, por iniciativa da Caricom, com representantes da ONU e de vários países, incluindo França e Estados Unidos, para tentar encontrar uma solução para o Haiti. Henry falou por videoconferência com membros da Caricom durante a reunião.

Sem eleições desde 2016, o Haiti não tem atualmente nem um parlamento nem um presidente. O último chefe de Estado, Jovenel Moïse, foi assassinado em 2021.

Como a crise se exacerbou a este ponto? Registram-se sinais de escalada, o mais tardar, desde 7 de fevereiro de 2024, data estipulada, por diversos grupos políticos e da sociedade, juntamente com Henry, para a posse de um novo governo. No entanto o premiê não mandou realizar eleições, propondo no fim de fevereiro, em vez disso, um período de transição até agosto de 2025.

Certamente contribuiu para o atual descontentamento o fato de Henry não ter anunciado essa decisão na capital, mas na cúpula da Caricom na Guiana. De lá, viajou para o Quênia e, desde 5 de março, se encontra em Porto Rico. Durante sua ausência, a situação se agravou sensivelmente: no início de março, membros de quadrilhas invadiram dois presídios, promovendo a fuga de 4.500 detentos.

Quem segue acirrando a situação? Um agravante é o fato de quadrilhas antes rivais terem se aliado. Especialmente importante é a “Família G9 e Aliados”, uma coalizão de nove gangues antes independentes liderada por Jimmy Chérizier, vulgo “Barbecue”. Observadores consideram esse ex-policial um dos homens mais poderosos do Haiti, de facto.

Em entrevista à revista The New Yorker, em 2023, ele citou como seus modelos pessoais Fidel Castro e Malcom X, ressalvando: “Também gosto de Martin Luther King, mas ele não gostava de lutar com armas. Eu gosto.”

Quais as origens históricas do atual estado de coisas? Antiga colônia francesa, o Haiti ocupa o terço ocidental da ilha caribenha Hispaniola, cabendo o restante à República Dominicana, antes dominada pelos espanhóis. A população de ambos os Estados insulares origina-se, em grande parte da costa oeste africana, cujos antepassados os senhores coloniais mandaram sequestrar e escravizar.

O Haiti desligou-se da França em 1804 após uma revolução antecedida por décadas de rebeliões de escravos. Trata-se do único país do Hemisfério Oeste que venceu a dominação colonial sob a liderança de ex-escravos de origem africana. Desde então, contudo, houve diversos períodos marcados por violência e instabilidade, em que diferentes etnias competiam pela predominância.

A partir de meados do século 20, o ditador François Duvalier propagou a deposição da elite etnicamente mista em favor da maioria negra da população. Sob sua liderança, bandos criminosos também se estabeleceram como poder paralelo ao do Estado, agindo com violência e falta de escrúpulos.

Outro evento-chave foi o devastador terremoto de 2010, que provocou centenas de milhares de mortes, e cujas consequências o Estado debilitado não conseguiu reparar até hoje. Desse modo, quadrilhas puderam ampliar sua zona de poder para além dos bairros de origem.

A insatisfação da população cresceu, e em 2019 voltou-se progressivamente contra o presidente Jovenel Moïse, acusado de corrupção. Devido aos protestos, foram canceladas as eleições já programadas. Moïse passou a reagir cada vez mais por decreto, até ser assassinado por desconhecidos em sua residência presidencial, em julho de 2021.

Desde então, quem encabeça o Estado é Ariel Henry, que fora escolhido como primeiro-ministro por Moïse e assumiu também o papel de presidente interino. A ordem pública encontra-se sob pressão crescente desde o assassinato de Moïse, até hoje não esclarecido. Assim, Henry apelou à comunidade internacional, e em outubro de 2023 o Conselho de Segurança da ONU decidiu enviar ao Haiti uma tropa multinacional de segurança, sob a liderança do Quênia.

Quais são as dificuldades iniciais para a tropa de segurança da ONU? Meses antes da resolução do Conselho de Segurança, o presidente queniano, William Ruto, já propusera o envio de até mil agentes ao país pobre do Caribe – não só soldados, mas também policiais. Observadores de Nairobi duvidam que o treinamento e equipagem deles esteja à altura da luta contra as gangues haitianas, em parte pesadamente armadas.

Ainda mais decisivo, porém, é um argumento jurídico: em janeiro, um tribunal queniano estipulou que o conselho de segurança nacional só pode enviar para o exterior soldados, não policiais. No entanto deixou uma brecha aberta para uma missão policial, se houver um acordo de mobilização com o país em questão. O premiê haitiano Henry viajou no início de março para Nairobi a fim de assinar um acordo nesse sentido – porém a oposição do Quênia já havia anunciado uma nova restrição.

O financiamento da missão tampouco está garantido. Nos EUA, o governo de Joe Biden se dispõe a alocar até 200 milhões de dólares para esse fim, contudo é questionável se, em plena campanha eleitoral, a oposição republicana vai aprovar tal proposta no Congresso. Portanto segue em aberto como a comunidade internacional poderá atender ao pedido de socorro do Haiti.

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