O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisão inédita e unânime, autorizou que mães entreguem os bebês para adoção sem a necessidade de consentimento do pai ou família biológica extensa. Esta é a primeira vez que a Corte julga este tipo de ação no Brasil.
A decisão foi tomada a favor de uma mulher assistida pela Defensoria Pública em Divinópolis (MG), que solicitou que a entrega voluntária para adoção de seu filho se desse sem o conhecimento do pai, com quem não possui nenhum tipo de relação, e da família extensa.
No relatório social, a mãe disse que no momento que soube da gravidez, já sabia que não teria condições de criar o bebê.
“A forma como ganho dinheiro é fazendo minhas faxina. Como eu iria trabalhar nelas tendo um bebê e não tendo ninguém para me ajudar a cuidar dele?”, questionou.
Ao ser perguntada sobre a possibilidade de deixar a criança sob os cuidados da família, ela revelou que não permitiria, visto que sua mãe não cuidou dos próprios filhos e tem 12 netos com os quais não tem qualquer vínculo afetivo e suas duas irmãs têm “casamentos ruins” e situação financeira complicada.
O juízo reconheceu, em primeira instância, o direito da mãe de entregar o bebê para adoção depois de comprovar que a família também não tinha condições de criar a criança. No entanto, o Ministério Público (MP) recorreu da decisão, defendendo que, apesar do nome do pai não ter sido divulgado, o sigilo não se estenderia à família extensa, que deveria ser consultada.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) aceitou o recurso do MP e revogou a decisão inicial, estabelecendo que a criança fosse colocada em uma família substituta, mantendo o sigilo do nascimento somente em relação à família extensa.
O que levou a Defensoria Pública a recorrer da decisão, levando-a ao STJ, que manteve a decisão da primeira instância.
Decisão amparada no ECA
O ministro do STJ Moura Ribeiro, relator do caso, ressaltou que a Lei 13.509/2017 introduziu no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) o instituto da “entrega voluntária”, previsto no artigo 19-A, permitindo que a gestante ou parturiente, antes ou logo após o parto, opte por entregar judicialmente o filho para adoção, sem exercer os direitos parentais.
Segundo o relator, essa nova abordagem garantirá uma alternativa mais segura e humanizada, voltada para a proteção da vida digna do recém-nascido e para evitar práticas como o aborto clandestino e abandono irregular de crianças.
“O instituto agrega, ao mesmo tempo, o indisponível direito à vida, à saúde e à dignidade do recém-nascido, assim como o direito de liberdade da mãe. Ela terá a liberdade de dispor do filho sem ser prejulgada, discriminada ou responsabilizada na esfera criminal”, afirmou Moura Ribeiro.
O relator, em seu voto, disse que “no caso concreto, o estudo social realizado com a mãe concluiu que a decisão de entrega do seu filho para adoção foi refletida e madura, se baseou em argumentos lógicos e concretos, no exercício livre e responsável de sua autonomia como mulher madura e ciente das suas obrigações e de que também não poderia, mesmo se quisesse, contar com a família extensa da criança”.
A defensora pública Karina Roscoe Zanetti, da Defensoria dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes na Unidade da DPMG em Divinópolis, defendeu que é preciso respeitar o direito ao sigilo da mãe.
“Conseguimos garantir isso por meio da decisão do STJ, que entendeu e adotou a melhor interpretação possível da lei. E esta decisão agora torna-se um parâmetro nacional de respeito àquela mãe que, normalmente, desconhece este direito. Com esta decisão, mulheres que se encontram nesta situação sabem que poderão ser acolhidas no judiciário e não sofrerão um escrutínio geral de sua vida”, completou a defensora pública.