InícioEditorial“Doença do pombo” deixa homem com comprometimento neurológico

“Doença do pombo” deixa homem com comprometimento neurológico

Uma rara e inusitada infecção fúngica quase acabou com o sonho de Aguinaelma Figueiroa, 47, e Samuel dos Santos, 45, de se casarem. Ele foi internado em setembro com neurocriptococose, conhecida como a doença do pombo. A enfermidade é causada por um fungo que é transmitido pelo ar a partir das fezes do animal e causa graves comprometimentos neurológicos.

A doença deixou o caminhoneiro internado por dois meses em dois hospitais no Recife (PE) e em tratamentos intensivos para evitar a morte — o risco é alto em casos de neurocriptococose. A história dele, porém, teve um duplo final feliz: ele e Guida, como gosta de ser chamada, se casaram em 31/11 dentro do Hospital Pelópidas Silveira (HPS) e na última quinta-feira (14/11), ele teve alta.

A doença do pombo

Samuel foi internado no início de setembro após procurar auxílio de emergência em uma UPA. Há dias ele vinha sentindo dor no peito, febre e dor de cabeça intensas, que pioravam progressivamente. O homem também começou a apresentar um quadro de confusão mental.

“Samuel chegou de uma viagem a trabalho já reclamando da dor no peito. Depois, passou a sentir tanta dor de cabeça que nem conseguia abrir os olhos. Passamos uma semana indo de UPA em UPA e ouvindo diversos diagnósticos de virose. Em um atendimento, porém, o médico o transferiu para o HPS para tentarem descobrir o que ele tinha”, lembra Guida.

No hospital, foi feito um exame de biópsia que retirou parte do líquido da medula espinhal de Samuel para fazer as análises que detectaram a doença do pombo. “Quando descobriram, ele já não falava, já não andava, era muito vômito, febre, pressão alta, muita dor mesmo. A dor na cabeça dele era horrível, ele ficava todo vermelho”, conta a comerciante.

A neurocriptococose é uma doença causada por um fungo, o Cryptococcus, sendo mais comum em pacientes com imunossupressão. Nesta lista entram os transplantados e pessoas com imunodeficiência, como as portadoras do vírus HIV e pacientes com doenças crônicas graves ou que usam medicamentos que reduzem a resposta defensiva do corpo, como os corticoides.

“A transmissão é pela inalação do fungo, e ele está presente principalmente em fezes de pombos. Depois de inalado, ele se instala na meninge, a película que cobre o cérebro, e pode invadir o órgão. Por isso, é importante evitar que os animais façam ninho perto dos locais em que vivemos. Se a infecção não for detectada e tratada corretamente, pode levar à morte”, alerta o neurologista do HPS Fernando Travassos, um dos médicos responsáveis pelo caso de Samuel.

Ele alerta que o sintoma mais comum é a dor de cabeça. “Normalmente, não é uma dor aguda, mas ela persiste por uma ou mais semanas e pode evoluir sendo acompanhada de sonolência, desorientação, fraqueza muscular e falta de coordenação motora”, alerta o médico.

O tratamento é feito com a administração constante de medicamentos antifúngicos por um longo período, já que a doença é muito resistente. Também inclui o monitoramento constante da quantidade de fungos no organismo para avaliar se há queda na população de patógenos.

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Samuel e sua namorada Guida casaram quando ele ainda estava internado

Casal estava junto há cinco anos
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Samuel era caminheiro e afirma ter dormido em muitos galpões com ninnhos de pombos, que podem ter levado ele a ter contato com o fungo

Acervo pessoal

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Samuel e sua namorada Guida casaram quando ele ainda estava internado

Maira Arrais/SES-PE

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Casal estava junto há cinco anos

Maira Arrais/SES-PE

Uma história de amor em meio a tragédia

No momento em que foi internado e iniciou o tratamento, Samuel era apenas o namorado de Guida. Moradores de Jaboatão dos Guararapes (PE), eles estavam juntos há cerca de cinco anos, mas sempre postergaram a ideia de oficializar a união. Desde o adoecimento dele, ambos foram tomados por um sentimento de urgência de levar o casamento adiante.

“A gente não tinha tempo para nada, mal dava para conversar. Era sempre uma correria. O adoecimento foi o momento que mais nos uniu. Esse foi um tempo de conciliação, de rever os valores, o respeito entre os dois. Cheguei à conclusão que ela era a pessoa que eu queria para a minha vida”, destaca Samuel. Foi para cumprir o sonho do casal que o HPS se organizou para realizar o primeiro casamento desde que foi inaugurado, em 2011.

Guida e Samuel se conheceram quando ela quis comprar um terreno que pertencia a ele em Muribeca, um distrito do município pernambucano. Aos poucos, eles foram se aproximando, apesar do tempo muito corrido dele, que além de caminhoneiro era pedreiro.

“Eu já estava há tempos buscando alguém para mim e ele também queria alguém, mas a correria de tudo não nos dava tempo. O momento que ele ficou doente na verdade foi quando a gente mais pôde ficar junto e isso uniu a gente demais. Acabei tendo que largar meu trabalho para estar com ele. Muita gente me criticou dizendo que eu não devia casar com alguém que ia morrer, mas a gente decidiu ir adiante. Falamos com o pessoal do hospital, que acabou preparando uma festa de casamento surpresa para nós”, lembra Guida.

Tratamento longo e medo das sequelas

Apesar do sentimento que se fortaleceu entre Samuel e Guida, os momentos que eles passaram no hospital foram de intensas dificuldades. O caso de Samuel se manteve detectável por mais de 70 dias. Neste meio tempo, ele teve algumas sequelas neurológicas, com um declínio cognitivo que ainda não foi totalmente quantificado. O caminhoneiro também perdeu muito peso durante o tratamento e teve uma trombose na perna que comprometeu parte de sua movimentação.

Segundo o neurologista, porém, os comprometimentos neurológicos devem desaparecer com o tempo. “Nos casos em que há boa resposta ao tratamento, não costuma haver consequências de longo prazo. A depender, porém, o paciente pode ficar com fraqueza, sonolência e dor de cabeça persistente, então devemos fazer sempre o acompanhamento”, diz Travassos.

O tratamento longo foi acompanhado também das dificuldades econômicas do casal em se manter tanto tempo em um hospital longe de sua cidade. O casal, que agora vive junto, está atualmente vivendo de doações de familiares e amigos até que eles consigam recompor o patrimônio que precisou ser vendido para custear os tratamentos. “Sou grata por ele ter sobrevivido. É uma vitória saber que, apesar de tudo, ele está bem”, conclui Guida.

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