Recentemente, em um encontro em Alexandria, ouvi de um professor egípcio a pergunta: por que, nos anos 70, ele recebia luzes do Brasil, como de Celso Furtado, e no começo do século XXI não recebe qualquer nova ideia saída daqui? Lembrei disso ao ser informado esta manhã da morte de Celso. Ela representa um empobrecimento para a inteligência brasileira.
Poucos brasileiros deram tamanha contribuição ao pensamento mundial quanto Celso Furtado. E a grande lição para nossos professores e intelectuais é que ele não contribuiu traduzindo ideias estranhas, mas formulando as suas próprias, daqui de dentro.
Esta talvez seja a resposta que o professor egípcio queria: os intelectuais brasileiros deixaram de contribuir para o pensamento mundial, porque ficaram prisioneiros de textos importados ao se submeterem à obtenção de seus doutorados. Deixaram de pensar o Brasil pelo Brasil. Passaram no máximo a interpretar o Brasil com olhos de estrangeiros.
A segunda lembrança é de que ele formou uma geração, porque escreveu para que todos pudessem ler e com isso terminou traduzido no exterior. Os intelectuais brasileiros de hoje escrevem de maneira que só os iniciados em suas profissões entendem, porque escrevem pensando no público externo e este público não precisa ouvir aqui cópia do que eles pensam e escrevem por lá.
Celso Furtado foi um exemplo da teoria ligada ao compromisso prático da política. Isto enriqueceu seu pensamento, no lugar de aprisioná-lo, porque ele fez isso com coerência. Coisa rara em profissionais que entram na política e terminam perdendo, nos meandros do poder, a coerência intelectual.
Celso Furtado, ao morrer, deixa mais pobre a inteligência brasileira, mas deixa um país mais rico por sua obra e por tudo o que fez por nosso desenvolvimento, por sua colaboração à nossa ética e pelo exemplo de seriedade e coerência.
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O primeiro a dar as últimas (nem sempre)
Por Ricardo Noblat
Se eu não disser, ninguém dirá por mim.
Este blog, ontem, foi o primeiro a noticiar a morte do economista Celso Furtado. Aqui saiu às 13h15. No Globo Online, às 13h32. Último Segundo, às 13h36. No portal Terra, às 13h42. No JOB Online, às 13h45. Na Folha Online, às 13h52. Na agência Estado, às 14h09.
(Publicado aqui em 21 de novembro de 2004)