A guerra que se desenrola na Ucrânia há quase três anos passou por vários momentos de transformação tática, mudanças estratégicas e o recente robustecimento dos arsenais de ambos os beligerantes, todavia, um padrão parece se repetir pelo terceiro ano seguido, no terceiro inverno do conflito, a falta de energia elétrica na época mais fria do ano. Desde o desafiador inverno de 2022, a Rússia tem sistematicamente atacado a infraestrutura energética ucraniana em seus pontos principais, comprometendo não só o fornecimento de eletricidade para milhões de pessoas, mas o acesso delas aos serviços básicos em um momento, que são extremamente necessários.
Em um contexto de guerra híbrida, na qual a tradicional dinâmica de uma guerra de infantaria se mistura com a utilização de drones modernos e ataques cibernéticos, muitos parecem se esquecer que para as milhões de pessoas em ambos os lados do conflito, a vida precisa seguir seu curso normal e para realizar as tarefas diárias é fundamental ter acesso àquilo que consideramos como elementos banais de nosso cotidiano.
A falta de energia elétrica em pleno século 21 significa que as pessoas não terão mais acesso a pequenos luxos como assistir televisão, ou usar um micro-ondas, mas para uma nação em guerra corresponde à perda da comunicação com familiares e amigos no fronte com celulares sem bateria, representa a dura escolha de médicos em priorizar certos pacientes sem poder utilizar alguns aparelhos hospitalares, além da limitação de todos os outros serviços essenciais em um momento de crise como farmácias e supermercados. Como agravante no caso de um país no leste europeu, tudo se torna ainda mais preocupante por conta das negativas temperaturas.
A Rússia sabe muito bem o quão rigorosos podem ser os invernos nessa parte da Europa. A história do Império Russo e da União Soviética, que por séculos também englobou a atual Ucrânia, foi escrita por batalhas heroicas e sangrentas, por vitórias e derrotas em um território pintado de branco. Hoje a situação é diferente daquelas frias trincheiras de Stalingrado em janeiro de 1943, a tecnologia e a evolução das guerras, permitiram que menos pessoas fossem atingidas ao mesmo tempo por um mesmo conflito armado, mas no caso da Ucrânia, a utilização do frio e da escuridão como arma de guerra por parte da Rússia, parece uma forma de tortura psicológica à medida que o novo inverno se aproxima.
O Kremlin argumenta que o aumento na intensidade dos ataques à capital é reflexo das provocações ucranianas das últimas duas semanas ao utilizarem armamentos de longo alcance dos Estados Unidos e do Reino Unido para atacar o território russo. Hoje centenas de mísseis e drones provenientes do lado russo deixaram praticamente um terço da população da capital Kiev sem acesso à energia elétrica.
Para o exército de Vladmir Putin essa estratégia parece ter funcionado nos dois primeiros anos, e com isso, espera que funcione novamente. Em invernos gelados e com tantos danos infraestruturais, os limitados recursos ucranianos são revertidos para o reparo e reconstrução do sistema de distribuição elétrica e outras estruturas essenciais para manter o país trabalhando à medida do possível, enquanto os russos se preparam para mais uma sequência de avanços, assim como fizeram na primavera de 2023 e de 2024.
Com a iminente chegada de Donald Trump às mesas de negociação no primeiro trimestre de 2025, Vladmir Putin parece compreender que a estratégia bem-sucedida de invernos anteriores deverá ser mantida caso queira suas demandas atendidas por Washington. Do lado ucraniano, a falta de armamentos e de soldados dá sinais de que o inverno que se aproxima será uma reprise dos dois últimos. O povo ucraniano seja nas guerras dos czares, dos soviéticos ou pela sua própria independência, aguentaram temperaturas mais adversas e esperam mais uma vez poder contar com a resiliência inata em cada um dos seus para atravessar mais uma nevasca.