5 outubro, 2025
domingo, 5 outubro, 2025

Mais um capitalismo (por Gustavo Krause)

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Recebi uma visita agradável: o suave neto Matheus na adolescência plena dos 15 anos. “Vô, preciso de sua ajuda sobre o tema do trabalho escolar, o capitalismo”. Para netos somente existe o advérbio sim. Impor limites é tarefa dos pais, embora haja controvérsias. Num primeiro momento, pensei argumentar com a minha real e sincera ignorância o que, com certeza, ele não acreditaria. “Claro que ajudo!” Respondi e, ao mesmo tempo, propus: vamos conversar, pensar e aprender juntos.

Percebi que ele calçava um tênis novinho em folha e indaguei: “Está calçado com um sapato tênis bonito. Ganhou de presente?”. “Não. Comprei. Juntei o dinheiro dos presentes de aniversário e completei com parte da mesada”. “Foi caro? – provoquei – é uma marca famosa”. “Antes de comprar, visitei meia dúzia de sites e comprei pelo menor preço – arrematou – estava em promoção”.

“O início da nossa conversa, meu neto, é um exemplo do funcionamento do capitalismo no nosso dia a dia”. Com ar de surpresa, mandou um “como assim?”. O ato de comprar envolve, de um lado, o comprador/consumidor à procura de satisfazer necessidades/desejos; de outra parte, o vendedor/produtor/comerciante que oferece a mercadoria/bem material ou imaterial/serviços em troca de um valor/preço/moeda que remunere os interesses em jogo.

O que parece simples, passei a explicar, é de uma complexidade enorme por conta de fatores e variáveis que interferem nas decisões econômicas das pessoas. O capitalismo é um modo de organizar a economia assim entendida como a produção e a troca de bens e serviços. Seus elementos básicos e estruturais são a propriedade privada dos meios de produção (matérias-primas, máquinas, infraestrutura, serviços básicos e tudo mais que possa contribuir para a eficiência do sistema econômico e o bem-estar social); o livre mercado cujos pilares são a livre concorrência sob a regulação da lei da oferta e da procura, tendo sempre por objetivo o lucro; o mercado de trabalho, espaço em que as relações entre trabalhadores/empregados e empresários/patrões travam uma luta sociopolítica em função de um justo salário.

Apesar da explicação superficial, percebi que poderia complicar o entendimento de Matheus. Interrompi e perguntei: “você comprou o sapato por necessidade ou pelo desejo de obter um modelo mais novo? Ele não hesitou: “Mais por necessidade, pelo preço e, também, pela marca”. Muito bem. Vamos focar no consumidor. É uma das molas mestras do capitalismo e da produção em larga escala que gera o chamado “consumo de massas”, um padrão cultural dominante e, mais amplamente, a sociedade do consumo.

A aritmética é aparentemente singela. Quanto mais consumidor, mais compras, melhores preços e maior lucro para o capitalista. Certo? Depende. Se existem muitos ofertantes a oferta é grande, a concorrência entre as empresas leva à disputa da preferência dos consumidores no espaço que a ciência econômica denomina de “mercado competitivo”. Vencer a competição é uma luta feroz. Exige estratégia, métodos sofisticados, legítimos que enfrentam, frequentemente, alternativas ilícitas que promovem ganhos condenáveis.

Cabe salientar que tudo é muito complexo pela simples razão de que estamos lidando com comportamentos e decisões humanas. Os mecanismos do sistema capitalista produzem riqueza em grandes proporções o que é uma virtude, porém, a qualquer preço, a exemplo dos passivos sociais e ambientais, é um equívoco brutal e grave ameaça à integridade planetária.

“Então GK (codinome familiar), esta é a razão das fortes críticas ao sistema?” É a razão principal. Apesar dos defeitos, o capitalismo é o sistema dominante. Repassa uma sensação de crise permanente. No entanto, é inegável a capacidade de coexistir e assumir formas compatíveis com as transformações estruturais por que passam as sociedades.

A título de exemplo, é possível identificar muitos “capitalismos”: o comercial, industrial, financeiro, informacional, o paradoxal capitalismo de estado em que a organização estatal assume as decisões dos agentes econômicos. Em qualquer modalidade, no entanto, prevalece a lógica da acumulação.

Como estava diante de um representante da “geração Z”, não podia faltar um breve comentário sobre o “Capitalismo da Atenção” que vem a ser o título do livro de autoria do jornalista, comentarista político e escritor americano Chris Hayes (Editora Globo, 2025). Trata-se de mais um capitalismo, dessa vez, adaptado às tecnologias disruptivas da era da informação.

A propósito, a compra do tênis, mencionada no início da conversa, começou no site de lojas esportivas, o que revela a dinâmica do capitalismo de atenção cuja centralidade é o “vício das telas”. Seus dependentes, usuários obcecados pelo celular, zap, tablets, Instagram, tik tok, aplicativos, plataformas digitais etc. têm a atenção capturada, transformada em mercadoria, devidamente monetizada e comercializada. Passa, pois, a ser um recurso escasso e valioso. Escravizados, os usuários são manipulados na direção do consumo e no modo de gastar o tempo.

Neste sentido, os adolescentes fazem parte de uma população mais vulnerável, porém ninguém está fora do alcance das “telas”. Vale transcrever a constatação de Chris Hayes: “Independentemente de ser ou não a única causa a vida na era da atenção é mais ansiosa e mais deprimida, mais isolada menos social. Temos menos amigos e os vemos menos. Temos dificuldades de manter a atenção e ler com profundidade, de aprender coisas novas. A esfera política está cada vez mais fragmentada, polarizada; e a atmosfera de informações cada vez mais poluída”.

Fiz uma pausa após a leitura do texto. Matheus deu-se por satisfeito. Despediu-se com um abraço carinhoso e uma sutil mensagem: “Vô, obrigado pela atenção!”

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