Um grupo de músicos instrumentistas do Theatro Municipal de São Paulo apresentou ao Ministério Público (MPSP) um pedido de intervenção do órgão no equipamento cultural em meio ao novo chamamento público para selecionar a Organização Social que assumirá a gestão do teatro pelos próximos cinco anos.
O edital foi aberto após o prefeito Ricardo Nunes (MDB) anunciar o rompimento de contrato com a Sustenidos, organização que administra o complexo do teatro desde maio de 2021. A decisão foi tomada em meio à pressão política de setores da direita após um funcionário se manifestar sobre o assassinato do ativista conservador norte-americano Charlie Kirk.
A notícia de fato, protocolada pela Associação dos Músicos Instrumentistas do Theatro, aponta supostas “práticas lesivas ao interesse público e ao patrimônio material e imaterial do órgão”, que estariam colocando em risco a concorrência no novo chamamento público.
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A associação alega possíveis irregularidades na condução do chamamento por parte da Fundação Theatro Municipal para o novo edital, aberto no final de setembro.
Entre os fatos citados pela entidade, está a contratação de um ex-dirigente da Sustenidos como diretor de Gestão da fundação, o que acarretaria possível conflito de interesses. Além de fiscalizar o contrato de gestão, Dalmo Defensor também é responsável por gerir o chamamento público, de acordo com a associação dos músicos.
Em nota, a Sustenidos alega que o profissional exerceu o cargo de Diretor Administrativo-Financeiro na organização social entre agosto de 2013 e agosto de 2016.
“Transcorrida quase uma década após sua saída da Sustenidos, passou a exercer suas funções na Fundação, uma vez que não haveria qualquer vedação legal, já que foi ultrapassada qualquer exigência de quarentena. A sugestão de existência de conflito não passa de uma falácia criada apenas para atentar contra a boa imagem e o excelente trabalho realizada pela Sustenidos à frente do Theatro Municipal”, afirma a organização.
Edital prevê provas a cada dois anos
Além disso, os músicos também reclamam de cláusulas presentes no edital de chamamento que obrigaria os artistas a realizarem novas provas a cada dois anos. Eles acusam a Fundação de apresentar dados distorcidos sobre as atuações dos corpos artísticos com intenção de justificar a redução das suas apresentações e dos seus integrantes.
Os artistas ainda relatam que um servidor da Fundação Theatro Municipal teria agredido representantes dos músicos durante uma reunião na última segunda-feira (29). O funcionário teria chutado e empurrado alguns presentes ao abandonar a conversa de maneira abrupta. O encontro foi marcado para discutir o novo edital.
Contrato de gestão
- Um dos principais pontos levantados pela notícia de fato é o próprio contrato de gestão com a Sustenidos, que continuou vigente mesmo após o Tribunal de Contas do Município, em decisão final de recurso ordinário de 2023, ter apontado irregularidades no processo de seleção que o originou o contrato, feito em 2020. A ação foi movida pela entidade perdedora.
- À época, o tribunal determinou uma série de providências que deveriam ser adotadas pela Prefeitura de São Paulo, mas que ainda não foram concluídas. Em fevereiro deste ano, o pleno do Tribunal exigiu o cumprimento integral do acórdão.
- O documento ainda detalha uma série de possíveis irregularidades nas contratações e o comprometimento das instâncias de fiscalização.
- A associação dos músicos ainda afirma que há pouca transparência por parte da Fundação e da Sustenifos em relação às atas das reuniões dos Conselhos Deliberativo e Fiscal em determinado período, o que comprometeria a fiscalização pelo público em geral.
- Diante disso, a Associação dos Músicos Instrumentistas do Theatro pede que a Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital avalie a apresentação de uma possível ação de improbidade, inquérito civil ou ação civil pública.
- O Metrópoles questionou a Prefeitura de São Paulo e a Fundação Theatro Municipal. O espaço segue aberto para manifestação.
Guerra de abaixo-assinados
A polêmica envolvendo a suspensão do contrato de gestão entre a Fundação Theatro Municipal e a Sustenidos também gerou uma “guerra” de abaixo-assinados nos últimas semanas.
No dia 29 de setembro, um grupo intitulado “Comissões dos Artistas Theatro Municipal de São Paulo” abriu um abaixo-assinado em que faz críticas à Sustenidos e afirma que outras mobilizações que tem acontecido desde que a prefeitura anunciou o rompimento do contrato não representa os artistas do equipamento.
“Este abaixo-assinado é o único que parte oficialmente dos artistas do TMSP. Nenhum outro nos representa. Não estamos apoiando a OS Sustenidos nem os atuais gestores da FTMSP (…) Nos causa estranheza que colegas artistas tenham gravado um vídeo com a intenção de defender o TMSP, apoiando a Sustenidos, sem nos consultar sobre a real situação que enfrentamos. Convidamos a conversarem conosco e assinarem nossa petição”, afirma o texto.
Até a manhã desta terça-feira (7/10), o abaixo-assinado havia angariado pouco mais de 6 mil assinaturas. O documento diz, ainda, que os artistas do Theatro “endossam e ratificam” uma nota pública divulgada pelo Sindicato dos Músicos Profissionais no Estado de São Paulo (SindmusSP), que faz críticas à Sustenidos e também ao chamamento público da prefeitura para o edital do novo contrato.
O vídeo mencionado passou a circular nas redes sociais na última semana. Ele traz mensagens de artistas como Camila Pitanga, Denise Fraga, Bete Coelho e Gregório Duvivier defendendo a gestão da Sustenidos. A organização gere o Theatro Municipal desde 2021 e o contrato terminaria em maio de 2026.
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Além do vídeo com os famosos, no dia 22 de setembro, um abaixo-assinado foi mobilizado a favor da Sustenidos. Até a manhã desta terça, o documento contava com cerca de 14 mil assinaturas.
“O Theatro Municipal, o ano todo lota todas (e não há exagero aqui – é mesmo TODAS) as sessões das óperas, com montagens vigorosas, comoventes e inovadoras; o teatro está totalmente bem cuidado e conservado; seu balé – o Balé da Cidade – atualmente tem agenda internacional. É inadmissível que a prefeitura interrompa este trabalho que há quase 5 anos vem gerando estabilidade criativa para o Municipal, assegurando programação de qualidade e com preço acessível”, diz o texto.
“Convidamos os frequentadores do Theatro Municipal, artistas, diretores, outras organizações sociais e culturais, que dizem SIM à permanência da programação até o término do contrato desta OS que revitalizou e ampliou muito o acesso ao nosso Theatro Municipal, para se juntarem a nós contra o desmonte do Municipal e em defesa da Cultura”, afirma o comunicado, organizado por uma pessoa chamada Malu Maia. Ela não quis atender a reportagem.
Já o Sindicato dos Músicos, por outro lado, em nota pública divulgada nas redes sociais, fez diversas críticas à gestão da Sustenidos. A entidade diz que o contrato contém “incongruências”, como as autonomias administrativas e artísticas à OS “nunca antes concedidas” e falta de prestação de contas desde 2022.
“Além das incongruências permitidas pelo contrato, há descumprimento de regimes internos, contratações externas questionáveis, sucateamento da programação dos Corpos Artísticos e outros problemas”, afirma o sindicato, que também condena a redução da participação dos artistas da instituição na programação.
Ainda segundo o SindmusSP, essa redução “gera desequilíbrio financeiro, o que justificaria redução de quadros e sucateamento dos próprios Corpos Artísticos, com queda de qualidade e desvirtuamento das funções e importância do equipamento e do patrimônio público imaterial”.