A professora Raquel Queiroz, de Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo, tinha acabado de voltar ao trabalho, depois da licença maternidade, e ainda amamentava o pequeno Vitor, quando sentiu um caroço no peito pela primeira vez. Era 2021, e ela estava com 33 anos.
“Eu achava que era o leite empedrado. O médico falou: ‘É bom fazer um ultrassom para ver o que tem aí’. Eu não fui porque tinha um filho muito pequeno, tinha medo de pegar Covid, e deixei para depois”.
No ano seguinte, ela começou a sentir o peito dolorido e resolveu marcar uma consulta. “No dia que eu fui na mastologista ela já ficou bem assustada. Era um nódulo bem grande”. Raquel estava com câncer de mama.
Dali para frente, ela passou por uma série de sessões de quimioterapia, imunoterapia e radioterapia, além de uma cirurgia, para tratar o tumor. Hoje em remissão, Raquel defende que as mulheres se coloquem em primeiro lugar e separem um tempo para cuidar de si mesmas como forma de detectar mais cedo a doença.
“Eu não tinha nenhum autocuidado comigo. […] Estava sempre sobrecarregada, dava aula online, tinha que cuidar das demandas da casa, das demandas do meu filho, e me deixava sempre pra depois. E às vezes não tem depois. […] O nosso filho precisa da gente, mas a gente precisa da gente também. A gente precisa estar bem.”
O recado vai ao encontro do que três especialistas em saúde ouvidas pelo Metrópoles defendem quando o assunto é câncer de mama: que as mulheres precisam ter tempo de autocuidado para conseguir perceber, inclusive, quando há algo de errado com seu corpo. E que a sociedade precisa se esforçar para proporcionar esse tempo de autocuidado a elas.
1 de 4
Raquel Queiroz descobriu o câncer aos 32 anos, quando ainda amamentava o filho
Arquivo pessoal
2 de 4
Depois do tratamento, ela decidiu investir no autocuidado e agora reserva momentos para relaxar e observar o próprio corpo
Arquivo pessoal
3 de 4
O nosso filho precisa da gente, mas a gente precisa da gente também. A gente precisa estar bem”, diz Raquel, após tratamento de câncer
Arquivo pessoal
4 de 4
Agora com 38 anos, Raquel diz que reserva tempo para se cuidar
Arquivo pessoal
“A mulher é ensinada desde cedo a estar no lugar da pessoa que cuida, que provê cuidados para os outros. E, naturalmente, ao ocupar esse papel, ela sai de cena. […] E aí a última coisa que entra é a sua necessidade, um espaço seu de autocuidado”, afirma a psicóloga especialista em Alto Desempenho, Aline Woff.
“Não é um autocuidado para ficar bonita. É o autocuidado do entendimento profundo do que eu preciso. A mulher está acostumada a ter que aguentar e suportar, e aí esses sinais passam. E, não raramente, a mulher se sente culpada por ter deixado o sinal passar. Como sociedade, a gente precisa ajudar a mudar, precisamos fazer algo pra cuidar dessa mulher.”
A oncologista Allyne Queiroz, que atua no Hospital Alemão Oswaldo Cruz, reforça o argumento e explica que a rotina sobrecarregada das mulheres acaba dificultando a atenção que pode ser essencial no reconhecimento da doença.
“A mulher, hoje em dia, tem uma sobrecarga muito grande em cima dela. É provedora, tem que balancear o cuidado dos filhos, o cuidado da casa, o cuidado da profissão. […] Mas se ela conhece o corpo, vai notar esses pequenos sinais de ‘opa, eu não tinha isso’, ‘eu tô perdendo peso sem motivo’”, diz a médica.
1 de 16
Câncer de mama é uma doença caracterizada pela multiplicação desordenada de células da mama causando tumor. Apesar de acometer, principalmente, mulheres, a enfermidade também pode ser diagnosticada em homens
Sakan Piriyapongsak / EyeEm/ Getty Images
2 de 16
Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), há vários tipos de câncer de mama. Alguns têm desenvolvimento rápido, enquanto outros crescem lentamente. A maioria dos casos, quando tratados cedo, apresentam bom prognóstico
Science Photo Library – ROGER HARRIS/ Getty Images
3 de 16
Não há uma causa específica para a doença. Contudo, fatores ambientais, genéticos, hormonais e comportamentais podem aumentar o risco de desenvolvimento da enfermidade. Além disso, o risco aumenta com a idade, sendo comum em pessoas com mais de 50 anos
Jupiterimages/ Getty Images
4 de 16
Apesar de haver chances reais de cura se diagnosticado precocemente, o câncer de mama é desafiador. Muitas vezes, leva a força, os cabelos, os seios, a autoestima e, em alguns casos, a vida. Segundo o Inca, a enfermidade é responsável pelo maior número de óbitos por câncer na população feminina brasileira
wera Rodsawang/ Getty Images
5 de 16
Os principais sinais da doença são o aparecimento de caroços ou nódulos endurecidos e geralmente indolores. Além desses, alteração na característica da pele ou do bico dos seios, saída espontânea de líquido de um dos mamilos, nódulos no pescoço ou na região das axilas e pele da mama vermelha ou parecida com casca de laranja são outros sintomas
Boy_Anupong/ Getty Images
6 de 16
O famoso autoexame é extremamente importante na identificação precoce da doença. No entanto, para fazê-lo corretamente é importante realizar a avaliação em três momentos diferentes: em frente ao espelho, em pé e deitada
Annette Bunch/ Getty Images
7 de 16
Faça o autoexame. Em frente ao espelho, tire toda a roupa e observe os seios com os braços caídos. Em seguida, levante os braços e verifique as mamas. Por fim, coloque as mãos apoiadas na bacia, fazendo pressão para observar se existe alguma alteração na superfície dos seios
Metrópoles
8 de 16
A palpação de pé deve ser feita durante o banho com o corpo molhado e as mãos ensaboadas. Para isso, levante o braço esquerdo, colocando a mão atrás da cabeça. Em seguida, apalpe cuidadosamente a mama esquerda com a mão direita. Repita os passos no seio direito
Metrópoles
9 de 16
A palpação deve ser feita com os dedos da mão juntos e esticados, em movimentos circulares em toda a mama e de cima para baixo. Depois da palpação, deve-se também pressionar os mamilos suavemente para observar se existe a saída de qualquer líquido
Saran Sinsaward / EyeEm/ Getty Images
10 de 16
Por fim, deitada, coloque a mão esquerda na nuca. Em seguida, com a mão direita, apalpe o seio esquerdo verificando toda a região. Esses passos devem ser repetidos no seio direito para terminar a avaliação das duas mamas
FG Trade/ Getty Images
11 de 16
Mulheres após os 20 anos que tenham casos de câncer na família ou com mais de 40 anos sem casos de câncer na família devem realizar o autoexame da mama para prevenir e diagnosticar precocemente a doença
AlexanderFord/ Getty Images
12 de 16
O autoexame também pode ser feito por homens, que apesar da atipicidade, podem sofrer com esse tipo de câncer, apresentando sintomas semelhantes
SCIENCE PHOTO LIBRARY/ Getty Images
13 de 16
De acordo com especialistas, diante da suspeita da doença, é importante procurar um médico para dar início a exames oficiais, como a mamografia e análises laboratoriais, capazes de apontar a presença da enfermidade
andresr/ Getty Images
14 de 16
É importante saber que a presença de pequenos nódulos na mama não indica, necessariamente, que um câncer está se desenvolvendo. No entanto, se esse nódulo for aumentando ao longo do tempo ou se causar outros sintomas, pode indicar malignidade e, por isso, deve ser investigado por um médico
Westend61/ Getty Images
15 de 16
O tratamento do câncer de mama dependerá da extensão da doença e das características do tumor. Contudo, pode incluir cirurgia, radioterapia, quimioterapia, hormonioterapia e terapia biológica
Peter Dazeley/ Getty Images
16 de 16
Os resultados, porém, são melhores quando a doença é diagnosticada no início. No caso de ter se espalhado para outros órgãos (metástases), o tratamento buscará prolongar a sobrevida e melhorar a qualidade de vida do paciente
Burak Karademir/ Getty Images
A oncologista lembra, como no caso de Raquel, que o câncer de mama está cada vez mais presente em mulheres mais jovens, que estão no auge da carreira e em momentos marcantes da vida pessoal, como os primeiros filhos. Ela diz que, muitas vezes, atrapalhadas pela rotina, essas mulheres acabam demorando para perceber o problema e procurar ajuda.
“Ela tá ali equilibrando vários pratinhos da vida, então é muita demanda. Muitas vezes aquela mulher pode até notar algum sinal do seu corpo, mas pensa ‘vou entrar de férias, depois eu vejo a questão daquele sintoma que eu tô tendo’”.
Dados do DataSUS mostram que, entre 2014 e 2024, o número de internações por câncer de mama no estado de São Paulo cresceu 60,69%, saindo de 1.234 para 1.983, na faixa etária de 30 a 39 anos.
Os diagnósticos da doença, no geral, também cresceram no estado nesta década, e o número pacientes em tratamento de câncer de mama, que foram diagnosticados em São Paulo, mais que dobrou em dez anos, indo de 6.230 para 12.857, também de acordo com o DataSUS.
São Paulo é ainda o terceiro estado com maior incidência de casos por 100 mil habitantes, segundo estimativa do Instituto Nacional de Câncer (Inca) para o triênio de 2023 a 2025.
Renata Maciel, chefe da Divisão de Detecção Precoce e Apoio à Organização de Rede (Didepre) do Inca, diz que, de forma geral, quanto mais cedo um tumor for identificado, maiores as chances de sobrevida e melhor resposta ao tratamento.
Ela ressalta o papel do autocuidado nesse aspecto e diz que não é preciso estabelecer um dia ou hora específicos para o cuidado, mas que esse momento deve fazer parte da rotina das mulheres.
“O câncer de mama também pode aparecer em intervalos dos exames. Então, mesmo fazendo o exame, não retira essa importância do nosso cuidado, de ficar atento e procurar o atendimento em saúde, ainda que esteja com os exames em dia”.
Renata afirma, ainda, que a formação de redes de apoio é importante para garantir essa possibilidade na rotina das mulheres, e defende que as políticas públicas também sejam pensadas de forma a facilitar o acesso à ajuda.
“A gente sabe que muitas mulheres acabam não chegando até à unidade de saúde porque não conseguem faltar ao trabalho, não têm tempo, precisam deixar o filho na escola… Então, a gente também tem que se organizar como sociedade, ter políticas públicas que garantam que as mulheres consigam exercer esse cuidado”.
Ex-paciente oncológica, a empresária Patrícia Costa, de 42 anos, é uma das que hoje também se levantam para defender que as mulheres possam ter essa rotina de autocuidado.
Diagnosticada com câncer de mama aos 36 anos, ela descobriu a doença após passar mal seguidas vezes, no final de 2019, e procurar ajuda médica em 2020. Seis anos depois dos episódios que a levaram ao consultório, a empresária planeja agora lançar uma campanha com o mote “Do autoexame ao autoamor” para promover a conscientização sobre o tema.
“Existem muitas questões femininas, de necessidades que não são olhadas”, diz Patrícia. “Eu fui muito privilegiada e mesmo dentro do privilégio existe muito medo e desconforto. Eu não consigo imaginar mulheres que passam isso e não têm a mesma assistência”.
Patrícia conta que entendeu a necessidade do autocuidado somente durante o tratamento. “Eu precisei me amar em primeiro lugar e saber pedir ajuda. E hoje eu quero poder ajudar mulheres que estão atravessando o câncer com informação e acolhimento [sobre isso]”, afirma.