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Elas viram eles: Drag Kings crescem em Salvador para combater machismo

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Entenda o que é a cena drag king, que desafia padrões da masculinidade com humor e crítica

Pedro Hijo

Por Pedro Hijo

12/10/2025 – 6:06 h

A baiana Ramona Gayão interpreta o personagem Tonhão

A baiana Ramona Gayão interpreta o personagem Tonhão –

Acostumado ao glamour das drag queens, o público da plateia demora um pouco a compreender aquele outro tipo de show. No palco, Valentin The King, personagem do artista Valécio Santos, surge como um pagodeiro apaixonado e sedutor. “Expressar o romantismo e a delicadeza é algo válido e as pessoas gostam”, afirma o baiano, que se apresenta como drag king nas noites de Salvador.

A tensão entre estranhamento e descoberta traduz o que é essa cena na Bahia hoje: uma arte ainda em busca de visibilidade, mas que encontra potência na crítica e no riso.

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Ao contrário das drag queens, geralmente homens que reinventam o feminino por meio de performances, a cena drag king aposta em revisitar padrões de masculinidade. Os personagens variam do boêmio mulherengo ao romântico apaixonado, ora satirizando o machismo, ora revelando fragilidades.

Para Valécio, mais do que imitar, os kings expandem e reinventam o que significa “ser homem”. “Acho que o grande problema não é a masculinidade, mas sim a masculinidade tóxica, e nossos personagens tentam desconstruir isso”, afirma.

Tonhão aposta no riso crítico

Tonhão aposta no riso crítico | Foto: Divulgação

A baiana Ramona Gayão lembra bem quando Tonhão, personagem que interpreta desde 2005, ganhou forma. “Ele surgiu inspirado no cara que ficava no fundo do ônibus batucando, mexendo com as mulheres”, define. “Ele é boêmio, mulherengo, apaixonado, mas é também alguém que sabe que está fazendo besteira e pede desculpa”. Para Ramona, o diferencial de Tonhão é ir além de uma performance isolada: ele ocupa o espaço inteiro, interage e se instala como figura viva.

Se Valentin explora o romantismo e Tonhão aposta no riso crítico, Jones, interpretado pela DJ Adriana Prates, nasceu de uma ligação afetiva com a cena. A baiana idealizou, em 2013, o espetáculo Cabaret Drag King, que abriu caminho para outras iniciativas, como o Cena King e o coletivo House of Kings. Para ela, a inspiração sempre foi explorar a potência política.

Segundo Adriana, a cena baiana se diferencia justamente por incorporar aspectos políticos na criação artística. O coletivo criado por ela vai se apresentar no dia 24 de outubro, no espaço cultural Casa Preta, no bairro Dois de Julho, em Salvador. “É um momento de celebração”, diz a DJ.

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Trajetória

Adriana Prates, o Kinn Spada

Adriana Prates, o Kinn Spada | Foto: Divulgação

Foi por meio do Cabaret Drag King que a baiana Karol Senna foi “convocada” a estrear como drag king. O convite partiu de Adriana Prates, e ali nasceu Kinn Spada. “Quis brincar com esse estereótipo da masculinidade, trazendo sexualidade e sensualidade na composição do personagem”, explica Karol. O nome surgiu da junção das iniciais do nome da artista e da imagem do homem viril, sedutor e carregado de desejo.

Ao longo da última década, Kinn Spada percorreu palcos e formatos diversos. Já esteve em espetáculos teatrais, participou de projetos audiovisuais e fez história ao ser o primeiro drag king no Calendrag, publicação do coletivo Distrito Drag de Brasília, em 2023. “Cada performance é especial”, diz Karol. “Todas são construídas com pesquisa e cuidado para entregar o melhor ao público”.

Engajada no coletivo House of Kings, ela investe em oficinas, mostras e intercâmbios para ampliar a rede de artistas e levar a arte king a outros espaços. Para Karol, o caminho sempre foi marcado pelo respeito e pela valorização do trabalho. “Se um dia houver preconceito, vou lidar com informação e diálogo, porque é isso que abre novas perspectivas para a aceitação da nossa arte”, defende.

Críticas

Valentin The King, personagem do artista Valécio Santos

Valentin The King, personagem do artista Valécio Santos | Foto: Divulgação

Mas não é só de política que vive a cena. A diversão também é parte fundamental da experiência. O Visqueira do Tonhão, show temático do personagem de Ramona, mergulha no universo da sofrência e da boemia, trazendo para o palco a figura do “homem de bar”. Adriana destaca as apresentações temáticas como um traço forte do coletivo, que já explorou desde masculinidades não hegemônicas até referências do cinema e da dance music.

“Tem sempre essa preocupação em trazer quem veio antes, em homenagear artistas mais antigos da cena, integrando as drags mais experientes com os kings mais novos”, explica Ramona. Ainda assim, o universo drag king convive com a invisibilidade. Para a artista, o público em geral ainda associa a arte drag quase exclusivamente às queens. “As pessoas não conhecem drag kings, ficam receosas, acham que não pode ser interessante de assistir”, afirma.

Ela acrescenta que, apesar das críticas, têm conquistado cada vez mais público, principalmente mulheres, que demonstram curiosidade e acolhem a performance. “Ainda existe certo olhar desconfiado dentro da própria cena queer, mas estamos mostrando a nossa arte com qualidade, e isso tem feito diferença”.

Valécio, que transita entre as performances da queen Valerie O’Hara e do king Valentin, enxerga as críticas sob um viés de equilíbrio. Para ele, o que importa não é a personagem, mas sim a intensidade e a qualidade do trabalho apresentado. “Não é uma questão de gênero, mas sim do que o artista entrega em cena”, observa.

Conheça os kings:

Tonhão (Ramona Gayão): um boêmio mulherengo em desconstrução, inspirado no “macho soteropolitano” que aborda mulheres de forma invasiva, mas que se critica e se reinventa no palco com humor e crítica social. Instagram: @tonhao.king

Valentin The King (Valério Santos): um cantor romântico e pagodeiro apaixonado, que mistura referências do brega e do romantismo, usando a performance para questionar a masculinidade tóxica. Instagram: @valentintheking2025

Kinn Spada (Karol Senna): um homem espada viril e sedutor, criado a partir das iniciais do nome da artista, que explora sensualidade e crítica à masculinidade hegemônica em performances marcadas por pesquisa e teatralidade. Instagram: @kinnspada

Coletivo House of Kings: fundado por Adriana Prates e outros artistas em Salvador, é o primeiro grupo de drag kings da cidade. Promove shows, oficinas e intercâmbios culturais, celebrando masculinidades, diversidade e protagonismo LGBTQIAPN+ por meio da arte drag king. Instagram: @houseofkingss

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