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Conheça o professor que considera o funk mais complexo do que a música clássica

Nascido em Uauá, Thiago de Souza se despiu do rigor da música erudita para valorizar a batida pop do funk na academia

Foi preciso que Thiago de Souza, 33 anos, se despisse, peça por peça, do personagem de músico erudito  para ocupar um novo papel. Depois de uma década dedicada só ao piano e ao violão, o baiano vive imerso no funk, gênero que, para ele, pode ser mais complexo do que a obra de Johann Sebastian Bach (1685-1750). 

Até duvidaram da sanidade mental de Thiago quando ele apareceu com argumentos como esse. Mas, segundo o próprio,  é reflexo do preconceito que, desde os anos 70, mirou no funk. Talvez você já conheça Thiago e não tenha associado nome à pessoa. Em um dos vídeos viralizados na internet, ele afirma que Bumbumtamtam, de MC Fioti, é mais complexa que as composições de Bach, de quem Fioti pegou emprestado um trecho na parte em que canta “é a flauta envolvente que mexe com a mente”. 

Não é por associar beleza a complexidade que Thiago recorre a comparações. A ideia do funk como  expressão cultural das periferias estava consolidada, mas ele queria mais: mostrar o valor musical do gênero. No último mês, lançou um curso online em que ensinava aspectos da música clássica ao funk. Teve 90 alunos.

Doutorando em música pela Universidade de São Paulo (USP), ele estuda a musicologia do funk. Tornou-se uma espécie de divulgador científico do gênero e enfrenta assédio e violência verbal desde então. Constantemente,  é chamado de “maluco” ou “polêmico”.

“O funkeiro só é bom para o velho pesquisador quando fica quietinho”, conta ele, que recebeu “mensagens agressivas” de um “velho pesquisador”.

Com topete descolorido e bigode com as pontas para cima, Tiago liga a câmera frontal do celular e produz sozinho seu  conteúdo. Nos vídeos dele, há de Bethoven ao sample de Senta ni Mim, além de descobertas sobre as novas tendências.  Na semana passada, esteve no Baile do Helipa, em Heliópolis, zona sul de São Paulo, e mostrou como o bate-estaca das raves está cada vez mais presente nos bailes.

De Uauá ao funk
Criado em Santo André, no ABC paulista, Thiago divide seu tempo entre a pesquisa para o doutorado, análises sobre o funk publicadas no Instagram e aulas de piano. Ele não abandonou a função de professor autônomo e tenta ensinar aos alunos, a maioria jovem, o valor de outros gêneros musicais. 

Era 2017 quando Thiago decidiu falar sobre o funk na internet. O músico estava “indignado” com a dinâmica de sempre do ambiente acadêmico “ser regido pelas mesmas políticas de passar no concurso e ser uma pessoa quadradinha”. O marco da mudança foi  um vídeo em que ele apresenta, na Universidade do Estado de São Paulo (Unesp), onde  fez graduação e mestrado, uma análise da música Ô Xanaína, de MC Lan.

Na época, mesmo envolto em décadas de preconceito, o gênero já havia inspirado novas musicalidades e bailes cada vez maiores. Para Thiago, produzir funk requer “vivências que só a periferia dá”. Antes, ele não entendia assim: achava que música digna de ser estudada era só a clássica, e se vestia a rigor para passar uma imagem erudita. 

Foi seu pai quem, talvez sem perceber, incentivou o filho a enveredar pela  música clássica. Aos 16 anos,  começou a estudar piano e violão num conservatório  de São Paulo, para onde se mudou com a família, aos seis anos, saído de Uauá. 

A ópera O Guarani, de Carlos Gomes, foi a primeira peça que Thiago ouviu quando morava no sertão baiano. Ficava fascinado até com o brilho do disco:

“Acho que isso a tem a ver com o que Pierre Bordieu falava de capital simbólico. Ninguém sabe  o que é aquela coisa que todo mundo dá valor. Todo mundo acha que música clássica é coisa de intelectual”.

O funk e Thiago: a descoberta
Thiago de Souza nasceu em 1989, ano de lançamento do primeiro álbum de funk  no Brasil. O LP Funk Brasil, do DJ Marlboro, desaguou um movimento iniciado nos bailes dos anos 70. Nessa época, os bairros periféricos do Rio importaram o funk porque cultuavam a música negra dos Estados Unidos, onde o gênero surgira na década de 60, influenciado pelo blues, soul, jazz e R&B. Nos EUA,  era tocado por guitarra e baixos elétricos, bateria e metais.
 

Aqui, no entanto, o funk não usou instrumentos tradicionais ou elétricos (o DJ opera um computador e o MC canta) e sintetizou referências do maculelê e congo de ouro que, por exemplo, acompanham cantos religiosos afrobrasileiros.

Como aconteceu ao samba, nos anos 30, o funk virou alvo de repressão policial. Os bailes eram organizados nas favelas, onde tradicionalmente a polícia primeiro bate e depois pergunta o porquê. 

Na infância, Thiago não tinha ideia desse movimento que se articulava. Só na adolescência tomou conhecimento e logo se interessou pela “genialidade que ele tem”. Passou a frequentar bailes,  mas sem que o universo respingasse em sua vida profissional.  Hoje, ao olhar para trás, vê que cresceu com muitos preconceitos: “Agora que sai do armário sou bem mais feliz”.

3 décadas fundamentais para o funk
1960 – O funk norte-americano surge como um gênero de música negra, com influência do blues, soul, jazz e R&B

1970 – No Brasil, o funk nasce inspirado no movimento norte-americano e se consolida como um gênero de música eletrônica, sem uso obrigatório de instrumentos tradicionais  

1989 – O pioneiro  DJ Marlboro lança o primeiro álbum de funk do país, o LP Funk Brasil. Marlboro é um dos artistas precursores do funk carioca, marcado por um ritmo mais acelerado e com batida afro mais preservada. No funk paulista há mais influência da marcação do bate-estaca  
 

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