Um estudo ainda não revisado por pares, disponível no servidor de pré-impressão arXiv.org, apresenta uma proposta surpreendente que pode alterar nossa compreensão do infinito e da matemática em si.
A ideia vem da teoria dos conjuntos, uma área que busca entender os fundamentos da matemática, como o que podemos provar e o que devemos simplesmente assumir como verdadeiro. Para alcançar esse entendimento, os matemáticos exploram casos extremos, onde as regras tradicionais parecem não se aplicar. Às vezes, eles descobrem que essas regras realmente se quebram em algumas situações, como no estudo do infinito.
O conceito de infinito é notoriamente difícil de entender. Se pensarmos, por exemplo, no conjunto de números naturais (1, 2, 3…), podemos dizer que ele é infinito. Mas isso se aplica da mesma forma a outros conjuntos, como os números pares, frações ou números irracionais? A resposta para todas essas perguntas é “infinito”, mas há mais de um tipo de infinito – e é aí que a matemática começa a ficar estranha.
Para cada conjunto, um infinito
Os matemáticos descobriram que o conjunto dos números inteiros tem o mesmo tamanho infinito (denotado por א0, ou aleph-nulo) que o conjunto dos números pares ou das frações. No entanto, o conjunto dos números reais (que inclui tanto os racionais quanto os irracionais) é muito maior. Esse tipo de comparação e classificação de infinidades leva à introdução dos chamados “grandes cardinais” – números tão grandes que não podem ser provados com as regras tradicionais da matemática.
Os grandes cardinais são uma maneira de tentar entender o infinito em uma escala mais profunda. Eles ajudam a explorar áreas da matemática onde as perguntas não podem ser respondidas apenas com os axiomas tradicionais, como o Zermelo-Fraenkel com Axioma da Escolha (ZFC). Esses axiomas são a base da maior parte da matemática que conhecemos, mas para trabalhar com grandes cardinais, os matemáticos precisam introduzir novos axiomas como suposições.
Existem diferentes tipos de grandes cardinais, classificados por sua força e complexidade. Os menores são chamados de “cardinais inacessíveis”, enquanto os maiores chegam a ser chamados de “supercompactos” ou até “enormes”. No entanto, alguns desses números são tão grandes que contradizem as regras tradicionais da matemática, como o Axioma da Escolha.
Foi nesse cenário que o novo estudo introduziu novos tipos de grandes cardinais, denominados “cardinais exigentes” e “ultraexatos”. Esses números pertencem às regiões mais altas da hierarquia dos grandes cardinais e são compatíveis com o Axioma da Escolha, o que torna sua aceitação mais fácil para a comunidade matemática.
Uma das questões centrais na teoria dos conjuntos é a “conjectura HOD”, que sugere que o universo matemático é organizado de maneira que todos os conjuntos – incluindo os infinitos – podem ser definidos de uma forma ordenada e compreensível. Essa conjectura tem sido amplamente aceita até agora, com muitas evidências a seu favor.
No entanto, a introdução dos cardinais exigentes e ultraexatos traz um novo desafio para essa conjectura. Esses cardinais interagem de maneira estranha com os conceitos tradicionais de infinito, fazendo com que até mesmo os cardinais mais “bem comportados” se comportem de maneiras inesperadas. Eles amplificam outros tipos de infinito, criando uma nova complexidade que questiona a ordem e a estrutura que a conjectura HOD pressupõe.
Juan Aguilera, um dos coautores do estudo, explicou ao site IFLScience que isso significa que a conjectura HOD pode estar errada. Se os cardinais exigentes forem aceitos, pode-se provar que o caos, e não a ordem, domina o universo matemático.
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Universo matemático não é completamente ordenado e definível
Embora a descoberta possa parecer desorientadora, ela não refuta diretamente a conjectura HOD. No entanto, fornece evidências significativas contra a ideia de que o universo matemático é completamente ordenado e definível. Isso abre a possibilidade de que a estrutura do infinito seja mais complexa do que imaginávamos, e sugere que a matemática ainda tem muito a explorar.
Essa descoberta também lança luz sobre os grandes cardinais de uma maneira inédita, revelando uma hierarquia mais intrincada e cheia de nuances. Como os cardinais exigentes e ultraexatos interagem de maneira única com outras partes da teoria, isso pode levar a novas descobertas e avanços na matemática.
Embora os cardinais ultraexatos ainda não sejam aceitos de forma definitiva, eles representam uma área promissora para futuras pesquisas. Para os matemáticos, isso é apenas o começo. A descoberta pode não resolver todas as questões, mas certamente abre portas para novas possibilidades no estudo do infinito e das estruturas matemáticas fundamentais.
A matemática é uma área em constante evolução, e o estudo do infinito, com seus conceitos difíceis de entender, continua a desafiar as mentes mais brilhantes. A descoberta dos cardinais exigentes e ultraexatos pode parecer um pequeno passo para muitos, mas para os matemáticos, ela representa uma nova forma de explorar e entender o infinito.
O que parecia ser uma hierarquia clara de números infinitos agora se mostra mais complexa, e as implicações dessa descoberta podem ser profundas para a matemática como um todo. Com isso, os matemáticos continuam a desbravar esse território desconhecido, buscando respostas para questões que até recentemente pareciam imutáveis.
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