‘Utau’ significa ‘cantar’ em japonês. Quem me disse foi Lucas Argolo, de 26 anos. Achei sonoro, bonito e, em meio ao complexo idioma nipônico, uma palavra fácil de pronunciar. Professor de japonês, Lucas não possui ascendência oriental, mas, desde criança, é aficionado por mangás e animes, que são, respectivamente, as histórias em quadrinhos e as animações japonesas.
O jovem aprendeu a língua para conhecer o Japão. Por fatores diversos, a viagem ainda não foi concretizada. Acontece que, se ele não pôde (ainda!) ir à Terra do Sol Nascente, resolveu trazer ao menos um bocadinho dela pra Salvador, a terra do sol quente (embora esse inverno esteja quase europeu).
Lucas Argolo e Thiago Santos: o casal é sócio do Utau Karaokê, casa recém-aberta no Rio Vermelho, nos moldes das casas de karaokê do Japão (Foto: Nara Gentil/CORREIO) |
Lucas é um dos sócios do Utau Karaokê, “primeiro karaokê box japonês da Bahia”, como informa o perfil no Instagram. Há seis meses, o espaço no Rio Vermelho reúne apaixonados por música e cultura japonesa em geral. Ele divide a administração com Thiago Santos, 33, seu companheiro de vida e de aventuras. Já na entrada, um estandarte de tecido com estampa de samurai dá pistas de que a casa de karaokê é ali, ao lado do Largo da Mariquita. Ao subir as escadas do corredor estreito, uma porta de vidro dá para um hall de circulação comum que liga a duas salas, iluminadas apenas por luzes neon e pela tela da TV que exibe as letras das músicas. Nas paredes, leques orientais e prateleiras com mangás chamam atenção. Os quadrinhos teriam como destino final o lixo, mas a Associação Cultural Nippo-Brasileira de Salvador (Anisa) – sim, nós temos uma comunidade japonesa! – acabou doando para os rapazes.
A ideia foi criar um lugar o mais fiel possível às casas de karaokê de Tóquio e Okinawa, no Japão, país de origem do karaokê. Com apenas R$ 7 mil no bolso, Lucas alugou o ponto, que estava em más condições de preservação. Sem dinheiro para contratar trabalhadores, ele e Thiago, mesmo sem experiência nenhuma em reforma, colocaram a mão na massa. Lixaram e pintaram as paredes que já existiam, tacaram argamassa, pegaram objetos de casa e decoraram os ambientes. Só contrataram o pessoal para fazer o isolamento acústico das salas.
Toda a trabalheira valeu a pena. Mesmo sem divulgação oficial, o Utau Karaokê vive cheio. Principalmente de sexta a domingo, dias em que funciona das 14h às 2h da manhã. Tem até gente que sai de Feira de Santana para cantar e retornar em seguida. “Eu tinha muito medo de criar uma expectativa que não conseguisse cumprir, tanto que nem fizemos divulgação na inauguração. Mas tá dando super certo”, comemora Lucas, sem esconder o sorriso de satisfação e orgulho.
Segundo Thiago, o público é variado, mas a maioria dos frequentadores está na faixa-etária dos 20 aos 25 anos. A música mais escolhida pelos jovens para cantar tem mais idade do que eles: ‘Evidências’, sucesso dos anos 90 nas vozes de Chitãozinho e Xororó.
Antiguidade é posto
Quem disse que karaokê é coisa apenas pra jovem? Antônio Ferreira, de 80 anos, dá um show – literalmente – quando o assunto é soltar o gogó. Ele brinca que já fazia karaokê antes mesmo de o conceito existir. Ainda criança, Ferreirinha, como é mais conhecido, colocava discos com músicas instrumentais na vitrola de casa e acompanhava cantando por cima. O amor pelo canto vem de família. Seu avô, João Apolônio dos Santos, era maestro, arranjador e compositor, que ele garante ter sido um dos responsáveis pelo Hino da Independência da Bahia. “Sabe ‘Glória a ti nesse dia de gló-ó-ria’?” cantarola, com voz impostada. “Pois é, meu avô compôs. O nome não aparece nos créditos oficiais porque ele acabou brigando com um dos compositores e rompeu a amizade”.
Aos 80 anos, Antônio Ferreira, o Ferreirinha, é muito conhecido pelo pessoal do karaokê (Foto: Nara Gentil/CORREIO) |
Arquiteto aposentado, o galante senhor faz parte do tradicional bloco carnavalesco Paroano Sai Milhó, que em 2024 completa 60 anos. Quando não está em estúdio gravando com os colegas de banda e nem fazendo vídeos caseiros de suas apresentações musicais, ele pode ser encontrado em alguns bares de karaokê da cidade: “Hoje em dia frequento menos do que antigamente, mas vou sempre que posso”, conta.
Foram muitos os concursos de karaokê que participou e ganhou: “Tinha adolescente que brigava comigo porque não sabia perder”, afirma. Para quem toma 23 medicações devido a problemas de saúde, já sofreu quatro infartos, sobreviveu a três afogamentos e, recentemente, se safou de uma tentativa de assalto, a música é um santo remédio: “São Pedro quer me receber lá em cima, mas a música ainda me quer aqui por um tempo. Acho que vou morrer cantando”.
O que a gente quer é que Ferreirinha viva muito para continuar animando o público do bar Lagoa dos Frades, no Stiep, um dos seus espaços preferidos: “Eu só bebo água. Frequento pra cantar mesmo”, ressalta e emenda: “Os jovens olham pra mim e esperam que eu cante um Nelson Gonçalves e eu meto logo uma Ivete Sangalo, uma Claudinha Leitte, um Carlinhos Brown. Gosto dos antigos, mas também conheço muito de música contemporânea”.
O repertório de Ferreirinha conta com cerca de 2.500 canções no equipamento de casa e mil em um caderno que ele carrega em dia de cantoria. “Quando saio pra cantar, já deixo tudo na ordem, para não atrapalhar as pessoas que estão esperando a vez”. Experiente no assunto, ele ensina algumas regras de educação para quem frequenta karaokês: prestar atenção em quem canta; aplaudir mesmo se a pessoa não cantar muito bem; não pedir aplausos (“Porque fica chato”), no caso de ser o cantor ou a cantora; respeitar a fila; incentivar e não criticar quem está ao microfone. “Eu amo cantar no karaokê, mas é pra ser uma diversão, não uma chateação”.
Pioneirismo
Inaugurado em 1992, o Bar e Restaurante Lagoa dos Frades obteve um aparelho de karaokê em 1996, sendo pioneiro nesse tipo de entretenimento em Salvador. “Nosso primeiro equipamento foi alugado, já que comprar era muito caro. A máquina no estilo fliperama precisava de fichas para funcionar e era necessário escolher a música digitando o número”, lembra Pedro Chaves, sócio-proprietário.
Ferreirinha e Pedro Chaves, no Bar Lagos dos Frades, Stiep, onde tudo começou (Foto: Nara Gentil/ CORREIO) |
Pioneiro: Pedro Chaves, em 1996, com a primeira máquina de karaokê do Bar Lagos dos Frades, no Stiep (Foto: Arquivo pessoal) |
Na época, mesmo sem cantar nada, ele teve que dar uma de artista para chamar a atenção dos clientes para o karaokê. O sacrifício valeu a pena: o sucesso foi tanto que não demorou para adquirirem o próprio aparelho. Vinte e seis anos depois, e com equipamento bem mais moderno, a casa é uma referência quando se fala em karaokê. (“Tem aquele do Stiep”, me disseram todos os amigos quando comecei a pesquisa de lugares para a matéria).
O jamaicano Brian Sturff , 36, canta Michael Jackson, seu ídolo musical (Foto: Marcelo Souza MS/ Divulgação) |
Muito mais recente é o Point Santo, em São Caetano, que conta com karaokê há apenas cinco meses. Para quem procura pelo serviço, o bar e restaurante oferece um catálogo de mais de 10 mil músicas. Há dois anos em Salvador, o jamaicano Brian Sturff, 36, sai do Rio Vermelho, onde mora, em direção ao bairro, religiosamente, às quintas-feiras. Lá, brinda os clientes não com o reggae do conterrâneo Bob Marley, mas com sucessos de Michael Jackson, seu grande ídolo. E consegue fazer com que os frequentadores parem por pelo menos alguns minutos para vê-lo executar músicas como ‘Heal the world’, do rei do pop. “Toda vez que canto me sinto feliz”, declara.
Brian Sturff e Marcelo Souza, o MS, que produz a Noite do Karaokê em São Caetano (Foto: Divulgação) |
Professor de inglês, Brian se apresenta também nas festas que Marcelo Souza, o MS (como prefere ser chamado) produz. MS é fotógrafo e produtor de eventos. Há cerca de dois anos, criou A Noite do Karaokê, um evento itinerante que circula pelos bares de São Caetano. “Atualmente, os gêneros que predominam entre o pessoal que canta são o arrocha e a MPB”, assegura. Por R$ 350, ele aluga tudo que é necessário para uma divertida noite musical entre amigos: o equipamento inclui o som (caixa e microfone), telão, jogo de luz e máquina de fumaça. MS vai junto, para garantir o perfeito funcionamento.
Febre de volta
Febre na década de 1990, o karaokê parece estar novamente em alta. Atenta ao momento, Deborah Almeida resolveu investir no segmento. Na última quinta-feira, o Mariposa Itaigara, espaço do qual é sócia, inaugurou o KintaOkê. O projeto traz uma iniciativa diferente dos outros karaokês da cidade: uma banda ao vivo para acompanhar os e as cantantes. “A ideia é que, caso a pessoa erre a letra ou desafine, a banda ajude”, explica a empresária. Os ouvidos dos clientes agradecem! O ‘vocalista-salvador’, no caso, é Amarildo Fire, backing vocal do Harmonia do Samba.
Apresentador de TV e rádio, Gominho comanda o KintaOkê, novo projeto do Mariposa Itaigara (Foto: Divulgação) |
O evento será todas as quintas, sob o comando de Gominho, comunicador baiano conhecido por apresentar programas de TV e de rádio e por ter participado de A Fazenda. “Vai ser no estilo The Voice, com mestre de cerimônia e premiação para o melhor cantor da noite, escolhido pela plateia, que vai ganhar um voucher de R$ 150”, incentiva Deborah.
Terapia
A terapeuta Terena Cardoso não gostava de karaokê. Achava “chato e sem noção”. Até se render aos seus cantos e encantos. Uma das idealizadoras do Quintta Terapia (projeto com foco no bem estar mental de mulheres), ela foi convencida pela produtora Marília de Sá, também terapeuta, que seria interessante incluir a técnica na programação. “Marília me disse que tinha potencial terapêutico e eu mesma acabei me jogando no karaokê. Inclusive, sou uma das que monopolizam o microfone”, entrega.
A terapeuta Terena Cardoso não gostava de karaokê, mas se rendeu: hoje em dia, monopoliza o microfone (Foto: Raí Silva/ divulgação) |
Terena confirma que o karaokê faz bem para a alma: “Ele reúne os amigos, cria novos vínculos de amizade, faz você rememorar momentos da sua vida. As pessoas escolhem músicas da adolescência, da infância, aquela música que tinha um cunho diferente, músicas das antigas que geram debates e reflexões importantes, no sentido tanto íntimo quanto social”.
De acordo com o psicólogo e pesquisador Boni Sobrinho, dar uns tostões da voz também traz benefícios mentais e físicos. “Cantar é uma atividade amplamente curativa que integra corpo, linguagem, afetos, expressão, pensamento, conteúdos simbólicos à presença de um agora em que tudo pode ser percebido, assimilado e, por conseguinte, elaborado. É como um portal que religa a consciências à vida, às culturas e humanidades”, diz ele, que também é professor da graduação em Psicologia e da pós-graduação em Psicologia Clínica da Universidade do Estado da Bahia (Uneb).
Outra que reforça esse caráter terapêutico é a fonoaudióloga Janaína Leal, segundo a qual “cantar faz respirar melhor, pois estimula de forma mais intensa os mecanismos responsáveis pela respiração; os músculos e estruturas envolvidos na respiração são mais solicitados, até de forma consciente para conseguir ter uma boa emissão vocal, manter afinação, desenvolver a melodia, manter uma nota prolongada”. Ainda de acordo com ela, a atividade “ajuda a ter mais consciência da respiração como um todo”. Então, chega de timidez, respira fundo e solta o vozeirão.
***
Músico que criou o karaokê não ganhou dinheiro com a invenção
A palavra ‘karaokê’ é o resultado da junção de ‘kara’ (de ‘karappo’, que significa vazio) com ‘oke’ (do termo ‘okesutora’ significando orquestra), traduzida literalmente do japonês, significa ‘orquestra vazia’, uma música sem canto. O karaokê foi inventado no Japão, em 1971, por Daisuke Inoue. O músico gravava a versão instrumental das suas canções para os clientes da cafeteria onde trabalhava.
A partir daí, ele passou a montar aparelhos e alugar em bares e hotéis de Kobi, sua cidade natal, para que todos pudessem soltar a voz. Mesmo com o sucesso, o inventor não patenteou a máquina. O filipino Roberto Del Rosario copiou a ideia em 1975, lançando uma aparelhagem com o mesmo sistema. Por isso, Inoue, que hoje tem 82 anos, deixou de entrar para o hall dos milionários.
Nos anos 90, o karaokê ganhou adeptos em todo o planeta. O recorde mundial de maior tempo a cantar em karaokê foi conquistado em 2008, na Finlândia. Os participantes cantaram durante 446 horas, 4 minutos e 6 segundos ininterruptamente. Ou seja: foram 19 dias de cantoria.
Daisuke Inoue, o músico que criou o karaokê em 1971, não patenteou a invenção e deixou de ficar milionário (Foto: Divulgação) |
***
Quer cantar? Confira lugares de Salvador que oferecem karaokê
UTAU KARAOKÊ
Onde: Rua João Gomes, 43, 1º andar, Rio Vermelho
Funcionamento: De terça a quinta, das 16h às 23h;
de sexta a domingo, das 14h às 2h
Quanto: R$ 100/h a sala, que tem capacidade para 15 pessoas
Catálogo: Mais de 10 mil músicas
Necessário fazer reserva: Sim
Contato: 71 9 9725-5085
@utaukaraoke
BAR LAGOA DOS FRADES
Onde: Travessa Arnaldo Lopes da Silva, 944, Stiep
Funcionamento do karaokê: De quarta a domingo, das 16h às 22h
Quanto: R$ 4 (por música)
Catálogo: Mais de 12 mil músicas
Necessário fazer reserva: Não
Contato: 71 9 8402-7741
@barlagoadosfrades
MARCEARIA V&P
Onde: Rua Yolanda, 59, São Caetano
Funcionamento do karaokê: Sábado, a partir das 19h
Quanto: O que consumir
Necessário fazer reserva: Não
Contato: 71 9 9103-9738
MARÉ ALTA KARAOKÊ DE ITAPUÃ
Onde: Praça Dorival Caymmi, 3, Itapuã
Funcionamento do karaokê: Todos os dias – Segunda a sábado, das 18h às 3h; domingos e feriados, das 16h às 3h
Quanto: R$ 3 (por música); 10 músicas sai por R$ 25
Catálogo: Mais de 12 mil músicas
Necessário fazer reserva: Não
Contato: 71 9 8889-9096
MARIPOSA RESTAURANTE
Onde: Rua Anísio Teixeira, 161, Boulevard 161, Itaigara
Funcionamento do karaokê: Quintas, a partir das 20h
Quanto: O que consumir
Necessário fazer reserva: Não
@mariposarestaurante
CIEN FUEGOS RESTAURANTE
Onde: Rua Alexandre de Gusmão, 60, Rio Vermelho
Funcionamento do karaokê: Quintas, das 18h à meia-noite
Quanto: R$ 10 a entrada (canta à vontade)
Catálogo: 6 mil músicas
Necessário fazer reserva: Não
Contato: 71 9 9296-7777
@cienfuegosmexicano
FORÇA´S BAR
Onde: Rua Dr. Antônio Carlos, 54, São Caetano
Funcionamento do karaokê: Sextas, das 18h30 às 23h
Quanto: O que consumir
Catálogo: 10 mil músicas
Necessário fazer reserva: Não
@forcasbar
POINT SANTO
Onde: Rua Rezende de Jesus, 111, São Caetano
Funcionamento do karaokê: Quintas, a partir das 18h
Quanto: R$ 3 (uma música) R$ 5 (duas)
Catálogo: 10 mil músicas
Necessário fazer reserva: Não
Contato: 71 9 9704-0873
@opointsanto
TCHELOS LARICARIA E BAR
Onde: Rua Guedes Cabral, 184, Rio Vermelho
Funcionamento do karaokê: Sexta e sábado, a partir das 19h
Quanto: O que consumir
Necessário fazer reserva: Não
Contato: 71 9 8795-4641
@tchelos_
EVENTO QUINTTA TERAPIA
Onde: Colaboraê, Rua Borges dos Reis, 81, Rio Vermelho
Funcionamento: Uma quinta por mês, 19h
Quanto: R$ 60
Necessário fazer reserva: Sim
Contato: 71 9 9222-2669
@quinttaterapia
DIRECT RESTÔ BAR
Onde: Rua Rio Grande do Sul, 40, Pituba
Funcionamento do karaokê: Quartas e quintas, das 19h à meia-noite
Quanto: Apenas consumação
Necessário fazer reserva: Não
Contato: 71 4105-0099
@directrestobar
BAR KARAOKÊ DA LAPA
Onde: Av. Joana Angélica, 35, Nazaré
Funcionamento: Segunda a sábado, em horários que varim
Contato: 71 9 8746-0837
@bar_karaokeda_lapa
MS KARAOKÊ MÓVEL
Aluguel de equipamento de karaokê – som (caixa e microfone), telão, jogo de luz e máquina de fumaça
Quanto: R$ 350 (valor do transporte por fora)
Contato: 71 9 9114-5932
@ms_fottos.