IMOBILIÁRIO
Distrato imobiliário deixou de ser exceção e virou realidade regulada no Brasil
06/09/2025 – 2:12 h

Especialistas explicam cláusulas abusivas mais comuns nos contratos –
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Nos últimos anos, o distrato imobiliário emergiu como um tema preponderante no Brasil, refletindo a complexidade do cenário atual. A instabilidade econômica, o aumento dos juros e as dificuldades financeiras enfrentadas por muitos compradores tornaram essa prática uma realidade cada vez mais comum, atraindo a atenção de tribunais, construtoras e famílias por todo o país. A promulgação da Lei nº 13.786/2018, conhecida como Lei do Distrato, trouxe uma luz às nebulosas regras anteriores, mas sua aplicação ainda gera controvérsias.
A Lei do Distrato estabeleceu diretrizes claras sobre a devolução de valores. Quando um comprador decide desistir por vontade própria, as construtoras têm o direito de reter até 25% do montante investido — e até 50% se o empreendimento tiver patrimônio de afetação. Contudo, se a rescisão for causada por falhas da construtora, como atrasos superiores a 180 dias, a tendência judicial é de garantir a devolução integral, com correção monetária e possíveis indenizações.
Verônica Albuquerque, advogada especializada em Direito Imobiliário, cita a inadimplência como um dos principais motivos para o distrato. Para ela, “o vício construtivo pode ser resolvido, mas a incapacidade de honrar os compromissos é a maior dor de cabeça para o consumidor”. O presidente do Instituto Baiano de Direito Imobiliário, Carlos Onofre, aponta um perfil crescente de investidores que desistem de contratos ao não conseguirem revender imóveis adquiridos na planta, revelando o lado menos glamoroso do mercado imobiliário.
Os especialistas são unânimes em enfatizar que, quando a responsabilidade é da construtora, a Justiça garante ao comprador seu direito à devolução total. “Além do valor integral, o consumidor pode ter direito a indenizações por danos materiais ou morais”, destaca Albuquerque. Em contrapartida, nas desistências voluntárias, a jurisprudência ainda é um campo nebuloso, onde práticas costumam variar. Apesar da lei estabelecer percentuais de retenção de 25% a 50%, muitos juízes têm aplicado valores entre 10% e 30%, dependendo da situação específica.
Outras cláusulas frequentemente questionadas incluem prazos excessivos e multas altíssimas em caso de atraso no pagamento. Os tribunais têm se mostrado mais rigorosos, considerando que os prazos de 180 dias já abragem situações de força maior. As multas acima de 2% também têm sido vistas como abusivas, criando mais um motivo para que os consumidores fiquem atentos.
A transparência ainda é um desafio constante. Muitos contratos contêm cláusulas obscuras que dificultam a compreensão do consumidor. Um avanço significativo trazido pela Lei do Distrato foi a exigência de um quadro-resumo nos contratos, mostrando prazos, multas e consequências de forma clara. “Isso ajudou a melhorar a clareza do mercado”, afirma Onofre, embora Albuquerque ressalte que ainda existem espaços para redações ambíguas que podem prejudicar o consumidor.
Os especialistas concordam: a cautela é vital. Os consumidores devem manter um registro detalhado de todas as comunicações e materiais publicitários. Isso pode ser crucial em disputas jurídicas. Antes de formalizar qualquer compromisso, consultar um advogado é essencial para entender as obrigações contratuais. Onofre recomenda verificar o registro de incorporação do empreendimento e analisar a convenção de condomínio, já que surpresas indesejadas, como proibições de locação por temporada, podem ocorrer frequentemente.
Apesar dos desafios, a Lei do Distrato trouxe uma nova ordem ao mercado imobiliário. As incorporadoras passaram a estruturar contratos com uma maior clareza, enquanto os consumidores ganharam uma proteção essencial contra perdas desproporcionais. Robert Beserra, advogado e professor de Direito Imobiliário, observa que o distrato, antes tratado como exceção, agora é uma realidade regulamentada. “Estamos em direção a um modelo onde a transparência e o respeito ao consumidor são prioridades”, conclui.