Nessa quarta-feira (15/10), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) indeferiu a licença prévia para implementação de uma termelétrica em Samambaia, no Distrito Federal. A decisão foi tomada após parecer técnico do próprio órgão apontar série de inviabilidades ambientais do projeto.
Entre os principais pontos de conflito está o impacto direto e irreversível sobre a Escola Classe Guariroba, uma instituição pública que atende cerca de 560 estudantes em situação de vulnerabilidade.
Conforme a Diretoria de Licenciamento Ambiental do Ibama (Dilic), a demolição ou remoção da escola representaria “grave prejuízo pedagógico, social e cultural”, contrariando o interesse público e o direito à educação.
Segundo apurado, a instituição de ensino passou por uma remoção provisória anterior, em 2016, o que resultou em queda do rendimento escolar, aumento da evasão e reprovação de alunos. Com isso, o Ibama concluiu que o benefício privado não supera o dano coletivo.
Uma outra alternativa, de manter a escola no local concomitantemente com a usina, também foi descartada. Para o órgão, seria inviável expor os menores a riscos significativos à salubridade e segurança, como a emissão de poluentes atmosféricos, ruídos, vibrações e a proximidade do gasoduto.
Controvérsias legais
Além da escola pública, o Ibama declarou que para um projeto de grande porte como o apresentado pela Termo Norte Energia Ltda. seria necessário gasoduto. Durante apuração, equipes do órgão identificaram que a Licença de Instalação de gasoduto da empresa está vencida desde 2019.
“Pondera-se quanto fato de que o empreendimento termelétrico em questão não se viabilizaria sem o gasoduto”, informou a Diretoria de Licenciamento.
Um terceiro entrave envolvendo a instalação da termelétrica encontra-se na Justiça. Em 10 de junho, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT) determinou a suspensão da autorização que permitia a captação da água do Rio Melchior por parte da usina.
De acordo com a decisão liminar, caso a usine utilizasse a água do rio, a devolveria “em elevada temperatura”: “O que obviamente afetaria a fauna que eventualmente ainda sobrevive a duras penas no maltratado curso d’água e respectivas imediações”.
A decisão derrubou as outorgas concedidas, em abril, pela Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal (Adasa) à Termelétrica de Brasília para captar e devolver água do Rio Melchior.
A suspensão de uma audiência pública, em junho, devido a protestos intensos da população, que gritava “Fora Termelétrica” e que pedia a defesa da Escola Guariroba e do Rio Melchior também foi considerada pelo Ibama no momento de indeferir a licença prévia para instalação da usina.
Segundo o instituto, o objetivo da audiência era apresentar, dirimir dúvidas e colher críticas ou sugestões relativas ao Relatório de Impacto Ambiental (Rima).
Risco Ambiental e Sustentabilidade
O documento que determinou o indeferimento foi assinado pelo presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, e ressaltou que há “aspectos considerados de inviabilidade tanto ambiental quanto locacional” para a implementação da usina.
No parecer técnico, a diretoria do Ibama mencionou fatores como a pressão sobre o rio Melchior. Segundo a Dilic, os parâmetros do rio, classificado como curso d’água classe 4, não seriam compatíveis com novas cargas poluidoras.
Além disso, segundo o instituto, foi solicitado Inventário de Emissão de Gases de Efeito Estufa com o objetivo de fornecer subsídios para o monitoramento e avaliação sobre possibilidades de remoções e reduções dos impactos no meio ambiente.
Conforme o órgão, a operação da Usina Termelétrica de Brasília é estimada para gerar emissão anual de 412 MtCO₂e – Milhões de toneladas de CO₂ equivalente. Essa emissão corresponde a aproximadamente 1,15% do inventário global nacional e levanta questionamentos sobre a conformidade com o Plano Carbono Neutro do Distrito Federal.
A termelétrica
A usina que gera energia à base de gás metano seria construída em Samambaia, pegando até uma faixa do Recanto das Emas.
A área de influência, contudo, seria ainda maior. Especialistas dizem que os malefícios do empreendimento poderiam chegar ao DF em períodos de seca. Isso por ser uma usina à base de uma energia poluente, o que afeta a qualidade do ar, especialmente na estiagem.
Ainda há dúvidas quanto aos reais impactos da termelétrica. As informações da empresa por si só apresentam contrastes. Para a liberação da licença, a Ambientare preparou o Relatório de Impacto do Meio Ambiente (RIMA) e o Estudo de Impacto Ambiental (EIA).
O Rima é um resumo do EIA, pontuando alguns aspectos do estudo. É o relatório que fica disponível para a população consultar e tirar as principais dúvidas. O EIA, contudo, é um material mais robusto, feito para que uma equipe técnica avalie os dados informados para liberação das licenças.
Em relação aos efeitos, chama a atenção que enquanto o Rima aponta que “a qualidade do ar será pouco impactada quando a usina estiver em pleno funcionamento”, o estudo mais completo, por sua vez, diz o contrário: “Na fase operacional, a diminuição da qualidade do ar decorrerá da queima de gás natural que tem o potencial de expelir contaminantes para a atmosfera”.
O documento ainda continua a descrever o prognóstico local a partir da implementação da termelétrica.
“No que se refere aos fatores que afetam os elementos do ambiente físico, a instalação da usina resulta em um aumento significativo nos fatores de pressão ambiental, com impacto notável na qualidade do ar, devido às emissões de poluentes atmosféricos pelas indústrias. Além disso, observam-se elevações nos níveis de poluição sonora”.
Desde o início deste ano, o Metrópoles tem denunciado os riscos da implementação da termelétrica. Por meses, a reportagem foi até o local onde seria levantada a estrutura para ouvir moradores da região e demais brasilienses que sofreriam os impactos da criação da usina.