No sertão da Bahia, no alvorecer do século XX, a poeira levantada por um confronto revelava muito mais que uma simples batalha. Anésia Cauaçu, empunhando um rifle “papo-amarelo”, acertou em cheio o dedo do delegado que, atônito, tentava apontar onde seus policiais se escondiam da chuva de balas. Assim, ela não apenas disparou contra o alvo, mas também contra as limitações impostas à mulher em sua época.
Embora Virgulino Ferreira, o famoso Lampião, tenha conquistado a majestade como Rei do Cangaço nos anos 30, a verdadeira soberana da luta no sertão foi Anésia Adelaide de Araujo. Com mais de uma década de atuação antes de Lampião ganhar notoriedade, esta baiana liderava um exército fora da lei: os Cauaçus, que a diferenciavam radicamente das companheiras cangaceiras, como Maria Bonita, que, em sua maioria, se restringiam à execução de tarefas domésticas.
A relevância de Anésia transcende sua habilidade com armas. Kalyane Bárbara Novaes, pesquisadora da ANPUH, argumenta que, enquanto Maria Bonita e outras eram meras acompanhantes de seus maridos, Anésia combatia lado a lado com sua mãe e irmãs e, fundamentalmente, liderava o bando. Em um mundo onde as mulheres eram frequentemente subestimadas, Anésia despontou como uma verdadeira figura de autoridade, mostrando que a resistência e a luta pela liberdade não tinham gênero.
A origem do bando Cauaçu, como muitos outros grupos de cangaceiros, estava imersa em desentendimentos locais e disputas de terra. Em um cenário onde política e violência andavam de mãos dadas, Anésia contava com o apoio de proprietários de terra que viam nos cangaceiros uma forma de intimidar adversários. Assim, bandos como o dela não apenas sobreviviam, mas prosperavam, tornando-se verdadeiros instrumentos de poder no sertão.
Com o crescimento das suas atividades, a situação tornou-se alarmante a ponto de o governador da Bahia ordenar o envio de volantes, destacamentos policiais, para reprimir o que ele chamou de “Conflagração Sertaneja.” O que havia começado como um confronto entre clãs acabou se transformando em um quase estado de guerra civil, onde as táticas de guerrilha e armas de fogo avançadas tornaram-se comuns.
Apesar de várias expedições policiais e conflitos intensos, o notável bando Cauaçu foi desmantelado. Anésia, em um ato de desespero ou busca de paz, acabou sendo capturada pacificamente ao tentar levar uma vida discreta após abandonar o cangaço. Sua prisão, no entanto, não trouxe fim à sua história; ao contrário, ela permanece envolta em mistério, se consolidando como um símbolo de independência feminina e resistência no imaginário cultural baiano.
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