18 outubro, 2025
sábado, 18 outubro, 2025

Polícia de SP apura atuação de servidores em enterro de falso médico

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Dois funci0nários da Prefeitura de Guarulhos, na Grande São Paulo, são alvo de investigação do Ministério Público de Sorocaba, no interior paulista, por suposto envolvimento na liberação irregular de um cadáver de um indigente, usado na encenação do enterro do falso médico Fernando Henrique Guerrero (imagem em destaque), acusado de homicídio e exercício ilegal da medicina.

De acordo com documentos anexados ao processo, obtido pelo Metrópoles, o corpo teria sido retirado de uma unidade municipal de saúde com ajuda de funcionários ligados ao serviço funerário público, que teriam recebido dinheiro para permitir a fraude. A Polícia Civil descobriu que Fernando Henrique forjou a própria morte para escapar da Justiça.

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servidores teriam vendido corpo por R$ 5 mil para falso médico

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endereço residencial virou cenário da farsa da morte.

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Documento usado por réu trazia nome e selo inexistentes, diz MPSP

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Falso médico teria forjado própria morte para fugir de processo por homicídio

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Guerrero se entregou em Guarulhos após meses foragido

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As investigações indicam que entre os dias 6 e 10 de janeiro de 2025, o sistema interno da Secretaria de Saúde de Guarulhos registrou a entrada e posterior exclusão de um cadáver masculino sem identificação. Esse intervalo coincide com a data do falso falecimento de Fernando Henrique, como consta na certidão de óbito apresentada pela defesa, que apontava “falência de múltiplos órgãos e sepse” como causa da morte.

Em relatório, o promotor Marcos Fábio de Campos Pinheiro descreveu existirem “fortes indícios de que o corpo utilizado no falso sepultamento foi desviado de unidade pública municipal, com participação de servidores locais”, acrescentando que “a exclusão do registro e o uso posterior do corpo apontam para a existência de conluio entre agentes públicos e o réu.”

O falso hospital e o velório que nunca existiram

A certidão de óbito indicava o local de falecimento como Hospital Brás Cubas, no bairro Vila Lanzara, em Guarulhos. O endereço, contudo, não corresponde a nenhum hospital cadastrado, mas sim à residência do próprio falso médico, usada como base para a fraude. “O documento não tem origem em cartório habilitado”, diz trecho de parecer do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).

O enterro, conforme o documento judicial, teria ocorrido na Necrópole do Campo Santo, em 10 de janeiro de 2025, com o declarante identificado como Ricardo Rodrigues dos Santos. A Promotoria verificou que nenhum sepultamento foi registrado nessa data no cemitério informado.

Servidores sob suspeita

Dois servidores municipais — cujos nomes são mantidos sob sigilo — são investigados por intermediar a liberação de um corpo sem identidade que estava sob custódia do Serviço Funerário Municipal. Em depoimento anexado ao processo, um dos funcionários afirmou:

“Recebi ordem para liberar o corpo, disseram que seria para uso didático e que não haveria irregularidade, pois o cadáver não tinha família conhecida.”

Outro servidor, também em depoimento, negou participação no esquema, mas confirmou ter visto movimentação “incomum”. “Houve uma retirada à noite, sem registro no livro físico. Quando perguntei, me disseram que era um caso sigiloso, com autorização superior.”

O Ministério Público apura se houve pagamento entre R$ 3 mil e R$ 8 mil para o desvio do corpo. O Instituto Médico Legal Central de Guarulhos foi acionado pelos investigadores para fornecer a relação de cadáveres sem identificação removidos no período, mas informou não haver registros correspondentes, reforçando a hipótese de desvio interno.

A fraude desmontada

A farsa só foi descoberta após o Ministério Público receber comunicação da 2ª Vara Cível de Guarulhos, relatando que o suposto morto havia assinado documento de paternidade dois meses depois da própria “morte”.

A partir daí, o juiz revogou o reconhecimento de óbito e restabeleceu o mandado de prisão de Guerrero. Em manifestação, o promotor Marcos Fábio de Campos Pinheiro escreveu que a falsificação de certidão de óbito, associada à manipulação de cadáver, “revela método sofisticado de fraude processual e corrupção administrativa, cujo alcance ultrapassa o interesse individual do réu”.

A investigação foi encaminhada ao Gaeco (grupo que investiga o crime organizado), que instaurou procedimento próprio para apurar falsidade ideológica, corrupção passiva e vilipêndio de cadáver (crime de desrespeito a um corpo).

Morte em Sorocaba

Fernando Henrique Guerrero responde pelo homicídio de Therezinha Monticelli Calvim, de 67 anos, ocorrido em setembro de 2012, na Santa Casa de Sorocaba. Ele se apresentava como o médico Ariosvaldo Diniz Florentino, embora nunca tenha se formado nem registrado como profissional de saúde.

No processo, testemunhas afirmaram que Guerrero atendia pacientes e prescrevia medicamentos. Uma enfermeira disse, em depoimento, que “ele usava jaleco, carimbo e dizia ser o novo clínico geral do plantão. A gente só descobriu que ele não era médico depois que a paciente morreu.”

O caso correu por mais de dez anos até que, em 2025, a defesa apresentou a certidão de óbito falsificada tentando extinguir a punibilidade.

O que diz a prefeitura

Em nota ao Metrópoles, a Prefeitura de Guarulhos afirmou que instaurou uma sindicância interna para apurar a conduta de servidores. No processo, consta que os dois profissionais foram afastados preventivamente de suas funções.

A sindicância foi aberta em agosto de 2025 e corre paralelamente à investigação do Gaeco.

Como deveria ter sido

  • Identificação e guarda: Corpos sem identificação são recolhidos pelo IML (Instituto Médico Legal), onde são submetidos à necropsia e coleta de impressões digitais. O IML comunica o caso à prefeitura, que deve manter o corpo por até 15 dias aguardando reconhecimento familiar;
  • Autorização para sepultamento: Após o prazo, o corpo é encaminhado ao Serviço Funerário Municipal, mediante autorização formal com número de registro, local de destino e lacre do caixão. Os dados devem ser cruzados entre o IML, o serviço funerário e o cartório de registro civil;
  • Sepultamento público: O sepultamento ocorre em cemitério municipal, com registro nominal ou de “indigente masculino/feminino”, acompanhado de protocolo e mapa de quadra e jazigo.

Onde o sistema falhou

  • O corpo foi liberado sem protocolo formal, usando cadastro que foi posteriormente excluído.
  • O IML não recebeu aviso de destinação.
  • O cartório recebeu certidão com selo digital falso.
  • O enterro foi registrado em cemitério inexistente.
  • O resultado foi a criação de um óbito oficial sem corpo identificado e um enterro fictício com corpo verdadeiro — combinação que burlou todos os controles legais.

Um morto sem nome para um vivo com culpa

Para o Ministério Público, o caso simboliza “a degradação do controle público sobre a morte”. O promotor Pinheiro resumiu, em petição recente, que “enquanto o verdadeiro morto é apagado dos registros, o criminoso se faz morrer para apagar seus crimes. O Estado, nesse caso, foi cúmplice por omissão”.

Em 24 de junho de 2025, Guerrero se entregou à polícia no 1º Distrito Policial de Guarulhos. A Secretaria da Segurança Pública (SSP) confirmou na ocasião que ele compareceu à delegacia acompanhado de advogado, permanecendo à disposição da Justiça. Sua captura se deu após novo mandado de prisão decretado pelo Judiciário paulista, por força da descoberta da fraude da morte.

A investigação agora tenta descobrir quem foi o homem enterrado em seu lugar  e quem ajudou a sepultá-lo.

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