Na imensidão da Amazônia, um enigma profundo se revela sob nossos pés: a terra preta, ou biochar, um solo escuro que emerge em manchas próximas a rios e vestígios da antiga presença indígena. Este solo, tão diferente da sua matriz ao redor, não é mero capricho da natureza, mas um testemunho de séculos de interações humanas, como a deposição de resíduos orgânicos e o uso controlado do fogo.
A arqueóloga Kelly Brandão não hesita em afirmar: “Se tem terra preta, aquele local é um sítio arqueológico”. A presença desse solo fértil não apenas redefine nossa compreensão da história amazônica, mas também oferece um vislumbre sobre práticas agrícolas mais sustentáveis, essenciais para o futuro.
“O que para nós poderia ser visto como lixo, para os povos indígenas era parte da paisagem. Esse material entrou em equilíbrio no solo e se preservou por milhares de anos”, explica.
A quantidade de terra preta indica padrões de ocupação ao longo do tempo. Grandes depósitos sugerem presença constante e longínqua, enquanto manchas menores revelam movimentações mais transitórias. O sítio Teotônio, em Rondônia, é um exemplo impressionante, com quase 10 mil anos de história onde a terra preta foi meticulosamente acumulada, contrastando com locais como Boa Esperança, que apresentam um registro menos extenso.
“No sítio Teotônio, em Rondônia, há registros de quase 10 mil anos de ocupação, com uma plataforma construída pouco a pouco a partir desse material. Já em outros lugares, como Boa Esperança, no Médio Solimões, os pacotes de terra preta são menores, refletindo ocupações diferentes”, detalha Kelly.
Geograficamente, a terra preta se destaca por sua fertilidade superior. O professor Yan Santana, do Colégio Católica Brasília, destaca que esse solo, rico em matéria orgânica e carvão vegetal, funciona como uma esponja, retendo nutrientes essenciais. “Além disso, abriga bactérias fixadoras de nitrogênio, que tornam os ciclos de nutrientes extremamente eficientes”, afirma.
Esse legado indígena traz lições cruciais para as práticas agrícolas contemporâneas. A professora Elisa Rochedo enfatiza que a saúde do solo é fundamental para uma fertilidade duradoura. “A terra preta mostra como o uso de biochar, a diversidade microbiana e o equilíbrio químico podem criar sistemas produtivos sustentáveis, desafiando a lógica da expansão das fronteiras que ameaça o meio ambiente”, considera.
No entanto, a exploração descuidada da terra preta representa um perigo duplo: agrava a degradação ambiental e ameaça patrimônios culturais únicos. “A terra preta é um arquivo histórico, um patrimônio arqueológico. O seu aproveitamento deve ocorrer não pela retirada, mas pela replicação das suas propriedades em outros solos”, adverte.
Assim, este solo negro e fértil é muito mais do que um recurso; é um testemunho da habilidade indígena, uma marca visível da ocupação humana que nos ajuda a desvendar o passado e a imaginar um futuro mais sustentável. E você, o que pensa sobre a importância da terra preta e seu legado cultural? Comente abaixo!