A paisagem do crime organizado na Bahia é marcada por disputas violentas, fragmentações e alianças estratégicas que redesenharam, ao longo dos últimos 20 anos, o domínio do tráfico de drogas no estado. Facções locais, como a extinta Caveira, a poderosa Bonde do Maluco (BDM) e a emergente Katiara, dividiram, e ainda dividem, território com grandes organizações de alcance nacional, como o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, o Terceiro Comando Puro (TCP) e o Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro.
Tudo começou com a ascensão de grupos criados no interior do sistema prisional baiano, caso da própria Caveira, considerada por muitos como a organização mais temida no estado entre os anos 2000 e início da década de 2010. Com sede no Complexo Penitenciário da Mata Escura, a facção foi protagonista de uma das fases mais sangrentas da história da capital baiana: em 2010, quando seu domínio territorial era quase absoluto, Salvador registrou mais de 4.800 homicídios. A violência tinha nome, fardamento e liderança: à frente da Caveira estava Genilson Lima da Silva, o Perna, preso em 2012, e, em paralelo, outros líderes operavam nas ruas e nos presídios.
A prisão de Perna marcou o início da derrocada do grupo. Em busca de ampliar sua influência e inspirada nas grandes estruturas criminosas nacionais, a Caveira criou, em 2015, um braço externo: o Bonde do Maluco. A ideia era clara, expandir a atuação para regiões estratégicas de Salvador, como o Subúrbio e Cajazeiras, e fortalecer a presença na Região Metropolitana. Mas o plano não saiu como o esperado. Um racha interno, motivado por razões ainda pouco claras, acabou dando vida própria ao BDM, que passou a se estruturar sob liderança de José Francisco Lumes, o Zé de Lessa, um assaltante de banco com conexões interestaduais.
Foi Zé de Lessa quem fortaleceu a ponte com o PCC. O que antes era uma simples relação comercial para fornecimento de armas à Caveira, se transformou em aliança direta entre o BDM e os paulistas. A partir de 2018, essa parceria começou a ser monitorada pelas forças de segurança. Armas pesadas, como fuzis e explosivos, passaram a circular entre os aliados. Com apoio logístico e financeiro, o BDM cresceu de forma vertiginosa, ganhando não apenas território, mas também protagonismo na guerra urbana baiana. Em 2024, o BDM fortaleceu seus laços com uma outra facção de alcance nacional: O Terceiro Comando Puro. A parceria, anunciada por meio de pichações em muros de vários bairros de Salvador, consolidou a hegemonia do BDM no território baiano.
A ascensão do BDM coincidiu com o enfraquecimento e posterior desaparecimento da Caveira. A facção foi perdendo espaço para o próprio BDM, que a atacava diretamente, e também para rivais históricos, como o Comando da Paz (CP), que, por sua vez, sofreu uma transformação relevante: sua estrutura foi absorvida pelo Comando Vermelho, em mais um capítulo de influência das facções nacionais no estado.
Hoje, o CP é considerado um braço do CV na Bahia, e juntos disputam, palmo a palmo, com o BDM, áreas estratégicas da capital e do interior. A violência gerada por essa disputa tem números alarmantes e nomes conhecidos. O bairro da Liberdade, por exemplo, que já foi dominado pela Caveira, passou às mãos do CP/CV, enquanto o BDM controla zonas importantes da periferia e da RMS. No Recôncavo, a disputa envolve outra facção relevante: a Katiara.
Surgida a partir do chamado Primeiro Comando do Recôncavo, a Katiara é uma facção regional que cresceu à sombra do tráfico de Salvador. Seu fundador, Adilson, o Roceirinho, transformou uma rede local de distribuição de drogas em um esquema altamente armado e organizado. Com fuzis, metralhadoras e o recrutamento de jovens para funções como “vapores” (transportadores de droga), Roceirinho consolidou domínio em cidades como Nazaré, Santo Antônio de Jesus, Maragogipe, Vera Cruz e até em bairros de Salvador, como Valéria, Lobato e Águas Claras. Em 2013, o grupo ganhou o nome de Katiara, em homenagem a uma rua do município de Nazaré.
Mesmo preso desde 2012, primeiro em Serrinha e depois na Penitenciária Federal de Campo Grande, Roceirinho continuou influenciando as ações da facção, que é uma das poucas a fazer frente à força crescente do BDM no interior do estado. O grupo é acusado de execuções, sequestros e controle de pontos estratégicos do tráfico.
No dia 4 de julho, Roceirinho deixou o Complexo da Mata Escura, onde cumpria pena em regime fechado e passou a cumprir pena em regime semiaberto na Penitenciária Lafayette Coutinho.
Além desses protagonistas, outras facções menores orbitam o cenário do crime organizado baiano. O Bonde do Ajeita, por exemplo, surgiu em 2016 e tem histórico de conflito com o BDM. Desde 2021, é aliado do Comando Vermelho. A Tropa do A, ou Ordem e Progresso, nasceu como uma dissidência do CP após a absorção pelo CV, mas perdeu força com a morte de seu líder, Coruja, em 2020. Já o MPA (Mercado do Povo Atitude), com atuação no sul e extremo sul da Bahia, mantém-se fora dos grandes conflitos da capital, operando de forma discreta e com pouca visibilidade midiática.
Na Bahia, o crime organizado tem rosto, nome, história e geografia. E segue, apesar das mortes, prisões e operações, moldando a dinâmica social e urbana de centenas de comunidades.
Ao Bahia Notícias, a Secretária de Segurança Pública da Bahia afirmou estar focada no combate a estas facções que atuam no estado.
Leia nota na íntegra:
“A Secretaria da Segurança Pública da Bahia ressalta que o combate às facções envolvidas com tráficos de armas e drogas, homicídios, lavagem de dinheiro, roubo e corrupção de menores é realizado de forma incansável em todo o estado.
Nos primeiros seis meses de 2025, as Forças Estaduais e Federais da Segurança Pública ampliaram a atuação integrada, resultando na captura de 25 líderes de grupos criminosos. Quinze estavam escondidos em outros estados brasileiros.
As Forças Policiais, neste mesmo período, apreenderam também pouco mais de quatro mil armas de fogo, retiraram das ruas 10,5 toneladas de drogas e erradicaram 700 mil pés de maconha.
A SSP destaca, por fim, que as ações de inteligência continuarão intensificadas, com o compartilhamento de informações entre as Polícias Estaduais e Federais, visando a manutenção da paz social.