DIA DO PROFESSOR
Especialistas reforçam que nenhuma tecnologia substitui o olhar e a sensibilidade docente

Professores durante formação no IAT –
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A lousa deu lugar ao tablet, o mimeógrafo virou arquivo digital e a Inteligência Artificial (IA) já faz parte do cotidiano escolar. Segundo a Talis (Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem, na sigla em inglês) divulgada na última terça-feira, 7, pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), mais da metade (56%) dos professores brasileiros afirma usar ferramentas de IA.
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Os dados colocam o Brasil como o 9º país com maior proporção de docentes que utilizam IA no ensino. Emirados Árabes, Singapura e Nova Zelândia lideram o ranking, com mais de 75% dos professores fazendo uso da tecnologia em suas práticas pedagógicas. Na outra ponta estão países de alto desempenho educacional, como França, Japão e Bélgica, onde apenas cerca de 20% dos docentes relatam utilizar IA em sala de aula.
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O relatório da OCDE ressalta ainda que o conceito de inteligência artificial considerado pela pesquisa vai além dos modelos generativos, como ChatGPT, incluindo também ferramentas de reconhecimento de fala, análise de aprendizagem e de dados.
“Embora a IA esteja desempenhando um papel cada vez maior na vida das pessoas, sua influência a curto e longo prazo na educação permanece incerta. Como a IA deve ser usada na educação também é uma questão pertinente”, destacou o documento.
Diante de tantos avanços, surge a pergunta: a IA pode substituir o papel do professor?
“Quando o livro didático chegou nas escolas, tinha professor que era contra porque parecia que ia substituir o professor. Década de 90, chegou computador e laboratório de informática nas escolas. Tinha gente que achava que o laboratório de informática, que a internet iria substituir o professor. E isso já foi comprovado que não vai substituir. Então, da mesma forma que a inteligência artificial não vai substituir a intervenção do professor”.
A reflexão é de Manoel Calazans, assessor especial da Secretaria da Educação da Bahia (SEC) e mestre em Políticas Sociais e Cidadania. Em entrevista a A TARDE, ele reforçou que, apesar de todos os avanços tecnológicos, nenhum algoritmo é capaz de reproduzir a presença e a sensibilidade humanas.
“A inteligência artificial deve ser tratada como um recurso tecnológico, mas, ao mesmo tempo, ela vai precisar o tempo todo de mediação. A palavra de ordem no contexto educacional é: mediação”.
A SEC tem promovido formações sobre o uso pedagógico da IA para os professores da rede estadual de ensino, com o apoio do Instituto Anísio Teixeira (IAT). Entre as capacitações oferecidas estão cursos sobre tratamento de dados com IA e o uso pedagógico das inteligências artificiais.
“A formação dos professores ainda carece nas universidades de um aprofundamento do que a inteligência artificial e o impacto que ela tem nas aprendizagens. Ao mesmo tempo que é uma novidade para o estudante, é uma novidade para o professor. É uma novidade para gestão. Hoje, o professor precisa ter muito conhecimento para distinguir o texto da inteligência artificial do texto autoral”.
“São desafios do nosso tempo. Essas formações, mesmo que não consigam aprofundar e tirar todas as dúvidas do professor, é mais ou menos o que a gente está conversando hoje. Já levanta questionamentos. Torna o professor mais atento a essas questões e que vai emergir nas escolas em um tempo que nem sempre é o tempo do professor, mas é o tempo do estudante. E o tempo do estudante é o tempo rápido”, acrescentou Calazans.
A professora de matemática Valéria Daniela Oliveira, do Colégio Estadual da Bahia Central, em Salvador, representa uma nova geração de educadores que vêm incorporando a inteligência artificial ao cotidiano escolar. Ela explicou que tem utilizado ferramentas como o ChatGPT e o Gemini para aprimorar o planejamento de aulas e tornar o processo de ensino mais dinâmico.
“Aquele tempo que passava digitando, escrevendo, organizando tabela, isso eu ganhei bastante. […] A IA já faz esse funil, dando algumas diretrizes e encaminhamentos. […] A gente pede, estrutura, traz a parte mecânica de busca e faz análise pedagógica da atividade, trazendo o processo humanizado para entender se, de fato, está alinhado com a prática pedagógica, se está alinhado com a intencionalidade pedagógica para aquela aula, para aquela turma, para aquela comunidade”, destacou.
A professora – que participou de uma das formações promovidas pelo IAT, voltada ao uso das ferramentas de IA -, relembra as transformações tecnológicas pelas quais a educação passou nas últimas décadas. Ao longo da carreira, ela acompanhou a transição do quadro de giz para o quadro branco, o projetor e, mais recentemente, o quadro digital. “Facilitou muito a minha vida porque a quantidade de alunos vem aumentando na sala”, contou Valéria.
Mesmo reconhecendo as facilidades que a tecnologia traz, a docente ressaltou a importância do equilíbrio entre o uso das ferramentas digitais, a observação individual, o olhar crítico e a empatia.
“Eu preciso ver como é que ele [estudante] processa o que aprendeu e as máquinas não vão conseguir dominar, porque são as emoções humanas. Eu consigo ver se o estudante aprendeu ou não olhando para a expressão dele, e aquilo me dá um direcionamento de como conduzir a aula mais rápida, mais devagar, com outra abordagem, com outra linguagem. Então, é muito individual”, destacou.
Desafios e o que a tecnologia não pode substituir
Embora o tema esteja em alta, a presença da IA nas unidades escolares ainda é tímida e cercada de incertezas. De acordo com o relatório divulgado pela OCDE, entre os docentes que afirmaram não ter usado inteligência artificial no trabalho, a maioria disse que não usa por não ter conhecimento para isso ou por suas escolas não terem estrutura. Além disso, 75% deles disseram não ter conhecimento ou habilidades necessárias para ensinar usando inteligência artificial. Outros 50% avaliam que essas ferramentas não devem ser usadas no ensino.
Segundo o professor e doutor em Educação com foco em Tecnologias Digitais, Igor dos Santos, o uso dessas ferramentas ainda é mais comum entre estudantes.
“A gente vem observando ainda bastante receio com relação ao uso de IA. Na verdade, quem tem utilizado muito são os alunos, às vezes para entregar textos e atividades, o que levanta uma preocupação dos professores”, afirmou.
Para ele, o processo de adoção da IA repete o padrão de outras tecnologias que enfrentaram resistência no início.
“Desde a TV Pendrive, as plataformas digitais até o próprio computador. A gente sempre observa, quando surge uma nova tecnologia como essa, essa dificuldade de adequação. Então, eu estou vendo isso acontecer a passos lentos”, disse.
Questionado se há risco de desumanização do ensino com o avanço da IA, o especialista destacou algo essencial para a humanidade: a consciência.
“Quando eu peço para a IA desenvolver o plano de aula para mim, de repente eu posso ter alunos atravessados pelos mais diversos tipos de percepção de mundo, de deficiências que vão exigir determinado grau de atenção que envolve, por sua vez, uma consciência que aquele computador não vai ter, que aquela suposta “inteligência” não vai ter. Porque ela teria que refletir e pensar o que se adequa melhor à realidade daquele aluno específico, como fazem nossos competentes professores”, enfatizou.
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