ENTREVISTA
Marco Antônio de Farias é o ministro do Superior Tribunal Militar
Por Divo Araújo
13/10/2025 – 6:07 h

Ministro do Superior Tribunal Militar, Marco Antônio de Farias –
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O Superior Tribunal Militar (STM) se prepara para julgar oficiais condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por envolvimento na trama golpista de 8 de janeiro — entre eles os generais Augusto Heleno e Braga Netto — com possibilidade de perda de patente e outras sanções disciplinares. Em entrevista exclusiva ao A TARDE, o ministro do STM, Marco Antônio de Farias, assegurou o rigor da Corte.
“O nosso padrão de julgamento é próprio e característico, baseado no conhecimento dos autos e na formação de um juízo próprio, garantindo consciência e responsabilidade em cada voto”, afirmou o magistrado, que está prestes a se aposentar e, por isso, não deverá participar do julgamento.
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Farias rebateu críticas de corporativismo e reafirmou a imparcialidade da Corte. “Posso afirmar que é normal os nossos réus tentarem sair da Justiça Militar e levar os seus processos para a Justiça comum. Isso prova exatamente ao contrário do que esse estereótipo criado de que a Justiça Militar seria corporativista.”
Ele esteve em Salvador, no final de setembro, para participar da 2ª Conferência Nacional de Direito e Segurança Pública, organizada pelo Instituto Brasileiro de Direito Militar (IBDM). Saiba mais na entrevista a seguir.
Ministro, diante do debate sobre o alcance e os limites da Justiça Militar no Brasil, como o senhor define o papel do Superior Tribunal Militar dentro do sistema jurídico nacional?
Inicialmente, esclareço que o Poder Jurídico Nacional é composto por quatro ramos de Justiça. A Justiça Comum, Eleitoral, do Trabalho e a Justiça Militar. Portanto, a Justiça Militar da União é um ramo do Poder Judiciário no mesmo nível dos demais ramos de Justiça, com competências bem definidas no ordenamento jurídico nacional. Nesse contexto é que se insere o Superior Tribunal Militar como órgão de instância superior, o órgão máximo de Justiça Militar da União. Aliás, fez-se que a Justiça Militar da União, bem como a Justiça Militar Estadual, tem como função básica assegurar a paz, a convivência harmônica da sociedade, o controle jurídico das instituições militares, ou seja, as instituições armadas do Estado brasileiro, garantindo as suas ações estribadas sempre na lei. A Justiça Militar da União tem também a função de garantir a disciplina e a hierarquia no seio das Forças Armadas, bem como a preservação dos seus patrimônios material, imaterial e humano, e a tutela dos serviços que as Forças Armadas prestam à sociedade brasileira. Então, o STM é o órgão superior, é o órgão de recursos, é o órgão que julga, em última instância, dentro antes, naturalmente, do STF, mas no ramo da Justiça Militar, é o último grau de recursos e julgamentos dos crimes cometidos dentro ou contra as instituições das Forças Armadas.
A Justiça Militar é reconhecida pela rapidez nos julgamentos. Diante disso, por que ainda é tão difícil ampliar a criação de tribunais de segunda instância nos estados que já cumprem os pré-requisitos?
Antes disso, eu responderia que a Justiça Militar tem, por sua vez, dois ramos, que é a da União e que é a dos Estados. Não há nenhuma subordinação entre as duas. Então, nós tratamos diretamente com a parte da União, com a parte federal, as Forças Armadas; e as estaduais com as Forças Militares Estaduais, Bombeiros e Polícia. O problema reside na vontade dos governos estaduais. É simplesmente isso. Tendo condição de ter efetivos nos Bombeiros ou na Polícia Militar do Estado superior a 20 mil homens, eles poderiam criar. Nós não temos condições de interferir na vontade dos governos estaduais. Isso é uma decisão própria do Estado. Quando eles decidem, eles criam, portanto, um tribunal de Justiça Militar. É decisão dos governos estaduais.
Parte da sociedade e dos veículos de imprensa apontam a Justiça Militar como corporativista. Como o senhor responde a essa crítica?
Eu posso afirmar com toda tranquilidade que essa crítica não tem fundamento. É só compararmos estatisticamente as sentenças para o mesmo tipo de crime, da Justiça Militar para com outras Justiças. O senhor vai ver realmente que a Justiça Militar se caracteriza pela severidade, pela rigidez e por ser menos leniente. Isso porque é exigência própria da vivência militar. A disciplina e a anarquia não podem ser feridas. Tem, como disse anteriormente, a preservação dos seus patrimônios. Então, não só a Justiça Militar julga militares, mas também julga civis que cometem crimes militares, ou seja, crimes contra a Administração Militar. E posso também afirmar que é normal os nossos réus tentarem sair da Justiça Militar e levar os seus processos para a Justiça comum. Isso prova exatamente ao contrário do que esse estereótipo criado que a Justiça Militar seria corporativista. Realmente, afirmo, isso não existe no pensamento e nas ações dos nossos magistrados militares.
De que forma as decisões da Justiça Militar impactam diretamente o cidadão comum? Poderia citar exemplos de casos que transcendem o ambiente militar e refletem em outras esferas da sociedade?
Sim, claro, de forma bem simples, uma resposta bem curta. A Justiça Militar garante o respeito às instituições militares e as instituições militares são as responsáveis pela soberania e autonomia do Estado brasileiro. Bem como ela garante também a defesa do patrimônio nacional, ou seja, do seu território e do seu povo. Por si só, define esse impacto diretamente do cidadão e da própria nação brasileira.
Com a ampliação das competências da Justiça Militar, inclusive em julgamentos de crimes dolosos contra civis, há preocupações sobre conflitos com o Tribunal do Júri e a justiça comum. Como o STM equilibra a autonomia militar com os direitos fundamentais da população?
É bem clara a função da Justiça Militar. A Justiça Militar existe para garantir a legalidade dos serviços prestados das Forças Armadas para a sociedade brasileira. Assim, a Justiça Militar da União é garantidora dos direitos fundamentais da população, especialmente quando garante a soberania, a autonomia e a liberdade do Estado. Isso já responde exatamente a competência da Justiça Militar e os reflexos para a população nacional.
O senhor está próximo da aposentadoria. Que legado acredita deixar no STM e quais considera os maiores desafios que a instituição terá nos próximos anos?
Bom, fazendo uma reflexão sobre meu desempenho dentro do colegiado, eu posso dizer que batalhei sempre pela manutenção da base principiológica da criação da Justiça Militar. O porquê e o para quê? Para que a gente não perca o sentido da existência da Justiça Militar. Nós não podemos sair dos nossos ritos próprios, das nossas condições de celeridade, de rigidez e pouca leniência, porque isso se refletirá, sem dúvida, no desempenho da tropa. Espero ter deixado esse meu pensamento bem cristalizado na forma das minhas sentenças. E quanto ao futuro, a minha preocupação é que a gente não perca exatamente o sentido da nossa base principiológica. Não podemos perder a consistência da base principiológica da criação da Justiça Militar. O porquê existe a Justiça Militar e para que a Justiça Militar serve. Essa é a minha contribuição.
Na conferência que o senhor participou em Salvador, um dos temas centrais foi a saúde mental de militares e profissionais da segurança pública. Como o senhor avalia essa questão no atual contexto de aumento da criminalidade e da vulnerabilidade enfrentada pelos operadores da lei?
Eu respondo com toda convicção que o profissional que voluntariamente entrega a própria existência a serviço dos cidadãos tem que ter todas as condições de vida saudável e estabilidade familiar para cumprir bem o seu dever. É como uma troca: os militares oferecem o melhor de si para a sociedade e a sociedade devolve oferecendo o melhor que ela pode para aquele que lhe serve sem limites. Temos que ter então essa condição de tratamento médico, de vencimentos compatíveis com os serviços que os militares federais ou estaduais prestam para a sociedade.
Ministro, o STM enfrentará um caso inédito envolvendo a perda de patente de militares de alta patente condenados pelo STF. Quais critérios e princípios deverão guiar a Corte, na avaliação do senhor, para garantir uma decisão justa e transparente diante desse desafio?
A minha resposta também é muito clara naquilo que eu acredito. A Corte tem um padrão próprio e característico de julgamento. Eu não posso falar ou não me cabe saber o pensamento de cada ministro, mas tenho certeza de que seguirão o perfil que caracteriza os nossos trabalhos, que caracteriza os nossos julgamentos, que caracteriza os magistrados da Justiça Militar da União e seus votos nesses quase dez anos que eu firmei esse conceito. Os nossos magistrados trabalham com o conhecimento dos autos, com a formação de um juízo próprio. A formação do juízo permite, então, a consciência do voto e, depois disso, a responsabilidade pelas repercussões. Esse é o meu pensamento para essa pergunta.
Diante da relevância institucional de casos como o do ex-presidente Bolsonaro e outros militares, existe um prazo estimado ou um procedimento para que o STM conclua o julgamento e, se for o caso, decida pela perda de patente, evitando repercussões prolongadas sobre o serviço público e a sociedade?
Isso eu posso responder com, vamos dizer assim, previsibilidade, pois não estarei lá. A celeridade e a dedicação dos nossos ministros, do nosso colegiado no processamento e julgamento de todos os autos que nós recebemos, não deverá ser alterada, acredito, porque há um padrão de procedimentos que são condutas características próprias da nossa Corte. Então eu acho que não vai haver nenhum tipo de alteração na nossa maneira de proceder. É assim que eu espero.
Em casos de perda de patente, a lei prevê a manutenção de pensão para dependentes, mesmo após a exclusão do militar. Como o STM avalia esses efeitos e que limites existem para que a punição não seja simbólica?
Me permita dar um parêntese para um esclarecimento. Essa manutenção de pensão para dependentes é um direito adquirido pela lei porque o militar contribui toda a sua vida para a pensão se transferir em proveito de seus dependentes, no caso de seu falecimento ou de sua exclusão. No meu caso eu tenho mais de 50 anos de contribuição. E o pensionista que receber essa pensão vai continuar também contribuindo para a pensão, diferentemente de outros casos. Conforme eu disse anteriormente, não me cabe a falar em nome do STM.A pergunta dirige como o STM avalia. Eu realmente não posso falar em nome do STM. Cada ministro, com a sua consciência própria, vai exercer o seu dever, a sua obrigação de apresentar o voto. E o ministro naturalmente vai fazer isso com muita consciência e com muita coragem, acredito. Agora, sob os limites para que a punição não seja simbólica, a meu juízo, não existe uma punição simbólica se dela advir consequências na vida prática do condenado. Então ela deixa de ser simplesmente teórica, deixa de ser simplesmente simbólica.
Ministro, o STM lançou recentemente o Observatório Pró-Equidade e o projeto de “letramento antidiscriminatório” visando combater preconceitos de gênero, étnicos e sociais nas Forças Armadas. Como essa iniciativa deve impactar a formação de jovens militares e o cotidiano das academias e quartéis?
É muito interessante essa pergunta, porque eu posso dizer até, por conhecimento de causa de 58 anos de serviço, que jamais existiu nas Forças Armadas, especialmente no Exército Brasileiro, que conheço bem, qualquer tipo de preconceito ou discriminações existentes nas nossas rotinas. Existem regulamentos e regimentos que determinam determinados procedimentos, mas preconceitos e discriminações, realmente não vi isso ao longo da minha vida. Agora, como essa iniciativa deve impactar a formação de jovens militares no cotidiano? Será, mas uma excelente contribuição para a grade curricular na formação dos nossos futuros oficiais de praça nas Forças Armadas. O que vier de bom será muito bem aproveitado.
Para concluir, ministro, peço uma reflexão final sobre o papel da Justiça Militar em relação à Justiça comum.
Para comparar a Justiça Militar e a Justiça comum, uso as palavras expressas por Georges Clemenceau, primeiro- ministro da França entre 1917 e 1920, durante a Primeira Guerra Mundial. Disse ele, abre aspas, assim como há uma sociedade civil fundada na liberdade, há também uma sociedade militar fundada na obediência, sendo conveniente compreender que o juiz da liberdade não pode ser o mesmo juiz da obediência.
Raio-X
O ministro do Superior Tribunal Militar (STM), Marco Antônio de Farias, ingressou nas Forças Armadas em março de 1967 como aluno da Escola Preparatória de Cadetes do Ar. Foi declarado aspirante a oficial em 1974, na Academia Militar de Agulhas Negras (Aman), ocupando o primeiro lugar em uma turma de 86 oficiais. Foi promovido a segundo-tenente em 1975, primeiro-tenente em 1977 e capitão em 1980. Tornou-se major em 1987 e tenente-coronel em 1992, sendo promovido a coronel em 1997. Ascendeu ao generalato em novembro de 2004, com a promoção a general de brigada, passou a general de divisão em julho de 2008 e a general do Exército em 2012. Em 2016, teve seu nome aprovado pelo Senado Federal para o cargo de ministro do STM.
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