O paulista Phelipe de Moura Ferreira, de 26 anos, que foi mantido refém por três meses em Mianmar, no Sudeste Asiático, vítima de tráfico humano, afirma ter conhecido pessoalmente um dos mafiosos chineses condenados à morte em um tribunal da China nessa segunda-feira (29/9).
“O rosto dele nunca saiu da minha memória”, disse o jovem, que sobreviveu a quase 100 dias de cárcere, trabalhando de maneira forçada para uma rede de crimes cibernéticos.
Phelipe se refere a um dos 11 cidadãos chineses condenados à morte pelo Tribunal Popular Intermediário de Wenzhou, da província de Zhejiang, na China, em um caso que investigou os crimes cometidos pela família Ming.
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11 cidadãos chineses foram condenados à morte pelo Tribunal Popular Intermediário de Wenzhou, da província de Zhejiang, na China, em um caso que investigou os crimes cometidos pela família Ming
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No total, 39 pessoas foram julgadas pelos crimes de fraude em redes de telecomunicações, abertura de cassinos, venda de drogasl, organização de prostituição, homicídio doloso e lesão corporal intencional
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Além deles, cinco foram condenados à morte com suspensão condicional da pena de dois anos. Outros 11 réus, incluindo foram sentenciados à prisão perpétua, e mais 12 foram condenados a penas de cinco a 24 anos de prisão, com o acréscimo de multas, confisco de bens e deportação.
No total, 39 pessoas foram julgadas pelos crimes de fraude em redes de telecomunicações, abertura de cassinos, venda de drogasl, organização de prostituição, homicídio doloso e lesão corporal intencional.
Os líderes, que organizaram, lideraram e participaram de um grupo criminoso, segundo a Justiça chinesa, movimentaram mais de 10 bilhões de yuans em jogos de azar e fraudes – o equivalente a quase R$ 7,5 bilhões. As informações são da emissora estatal chinesa CCTV.
“Gente poderosa e perigosa”
Phelipe contou ao Metrópoles que, enquanto esteve no complexo em Mianmar trabalhando de maneira forçada para aplicar golpes cibernéticos, “não tinha ideia da dimensão” da família Ming. Apesar disso, os reféns estavam cientes que estavam sob o poder de “gente poderosa e perigosa”.
“Só depois descobri que a família Ming era ligada ao tráfico humano e a diversos crimes. Dentro do cárcere, isso significava que não havia saída. A gente sabia que não tinha escolha”, disse.
O jovem, que esteve refém junto com o também paulista Luckas “Kim” Viana, afirmou que as vítimas presentes ali eram tratadas como objetos.
“Sofremos ameaças, humilhações e muitos foram agredidos. Passávamos horas sendo obrigados a trabalhar em golpes online, sem descanso, sem dignidade. Quem tentava resistir era castigado. A presença dele [membro da família Ming] representava a certeza de que estávamos presos em um sistema cruel”, destacou.
A condenação do mafioso traz a Phelipe alívio, mas não felicidade, como ele garantiu. “É saber que alguém que causou tanto sofrimento não vai mais ter poder sobre outras vidas. Ao mesmo tempo, penso em quem não conseguiu sair de lá com vida e carrego a dor do que vivi. Justiça é importante, mas nada apaga o trauma”, disse.
Ele destaca que a imagem do criminoso lhe trouxe de volta “lembranças muito duras”.
“Quero que as pessoas entendam que o tráfico humano é real. Eu vivi isso. Não é algo distante, acontece muito mais perto do que imaginamos. Se falar da minha história puder salvar outras pessoas, então todo o sofrimento não terá sido em vão”, ressaltou o jovem.
Retorno ao Brasil
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Reencontro das famílias com os filhos vítimas de tráfico humano em Mianmar
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Cleide reencontrando filho Luckas
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Nervosismo, choro e susto marcaram chegada de vítimas de tráfico humano ao Brasil
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Família aguarda chegada de filho vítima de tráfico humano em Mianmar
Enzo Marcus/ Metrópoles
- Luckas e Phelipe retornaram ao Brasil na tarde do dia 19 de fevereiro, ao desembarcarem no Aeroporto de Guarulhos, na Grande São Paulo.
- Os dois passaram mais de três meses em Mianmar vítimas do tráfico humano.
- Eles foram levados ao país localizado no sudeste asiático após caírem na falsa promessa de um bom emprego na Tailândia, território vizinho.
- Desde o retorno ao Brasil, os dois fazem tratamentos psicológicos para lidar com os traumas vividos durante os meses que passaram em Mianmar.
- Segundo eles, quando foram resgatados, ainda existiam ao menos oito brasileiros vítimas do mesmo esquema no país.
- Procurado, à época, o Itamaraty afirmou não se posicionar sobre casos específicos por questões de segurança.